Gwendolyn está determinada a encontrar seu bebê, perdido no mar, e a levar sua nação do exílio para um novo lar. Ela viaja através dos mares estrangeiros e exóticos, enfrentando perigos inimagináveis, rebelião e fome, enquanto navega em direção ao sonho de um porto seguro.

Thorgrin finalmente encontra sua mãe na Terra dos Druidas, e seu encontro vai mudar sua vida para sempre, tornando-o mais forte do que nunca. Com uma nova missão, ele embarca, determinado a resgatar Gwendolyn, a encontrar seu bebê e cumprir seu destino. Em uma batalha épica entre dragões e homens, Thor vai ser testado em todos os sentidos; enquanto ele luta contra monstros e dá a vida por seus irmãos, ele vai ainda mais fundo para se tornar o grande guerreiro que sempre esteve destinado a ser.

Nas Ilhas do Sul, Erec está morrendo, e Alistair, acusada de seu assassinato, deve fazer o que pode para salvar Erec e absolver-se da culpa. Uma guerra civil irrompe em uma luta pela conquista do trono, e Alistair se vê presa no meio, com o seu destino – e o de Erec, pendurado na balança.

Romulus permanece firme na intenção de destruir Gwendolyn, Thorgrin, e o que ainda resta do Anel; mas o ciclo da lua está chegando ao fim, e seu poder será severamente testado.

Enquanto isso, na província do Norte do Império, um novo herói está para surgir: Darius, um guerreiro de 15 anos, está determinado a romper as correntes da escravidão e a se levantar entre seu povo. Mas o Capitólio do Norte é comandado por Volusia, uma jovem garota de 18 anos, famosa por sua beleza – e também por sua crueldade bárbara.

Será que Gwen e seu povo sobreviverão? Será que Guwayne vai ser encontrado? Romulus conseguirá esmagar o Anel? Erec irá sobreviver? Thorgrin conseguirá retornar a tempo?

Com sua sofisticada construção de mundo e caracterização, UMA TERRA DE FOGO é um conto épico de amigos e amantes, de rivais e pretendentes, de cavaleiros e dragões, de intrigas e maquinações políticas, do processe de se tornar adulto, de corações quebrados, de mentiras, ambição e traição. É um conto de honra e coragem, de sorte e destino e de magia. É uma fantasia que nos leva a um mundo que nunca seremos capazes de esquecer, interessante para todas as idades e sexos.

ЛитагентLukeman Literary Managementa4f150fa-b5eb-11e4-9cc3-002590591ed2 Uma Terra De Fogo (Livro N 12 Da Série O Anel Do Feiticeiro) 9781632913661

Morgan Rice

Uma Terra De Fogo (Livro N 12 Da Série O Anel Do Feiticeiro)

Sobre Morgan Rice

Morgan Rice é a autora do bestseller Nº1 de DIÁRIOS DE UM VAMPIRO, uma série destinada a jovens adultos composta por onze livros (em progresso); da série bestseller Nº1 TRILOGIA DE SOBREVIVÊNCIA, um thriller pós-apocalíptico composto por dois livros (em progresso); e da série bestseller Nº1 de fantasia épica O ANEL DO FEITICEIRO, composta por treze livros (e contando).

Os livros de Morgan estão disponíveis em áudio e versões impressas, e traduções dos livros estão disponíveis em alemão, francês, italiano, espanhol, português, japonês, chinês, sueco, holandês, turco, húngaro, eslovaco (e mais idiomas em breve).

TRANSFORMADA (Livro Nº1 da série Diários de um Vampiro), ARENA UM (Livro Nº1 da série Trilogia de Sobrevivência), EM BUSCA DE HERÓIS (Livro Nº1 da série O Anel do Feiticeiro), e A ASCENSÃO DOS DRAGÕES (Livro Nº 1 da série Reis e Feiticeiros) estão disponíveis gratuitamente!

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Críticas aos Livros de Morgan Rice

“O ANEL DO FEITICEIRO reúne todos os ingredientes para um sucesso instantâneo: tramas, intrigas, mistério, bravos cavaleiros e relacionamentos repletos de corações partidos, decepções e traições. O livro manterá o leitor entretido por horas e agradará a pessoas de todas as idades. Recomendado para fazer parte da biblioteca permanente de todos os leitores do gênero de fantasia.”

– Books and Movie Reviews, Roberto Mattos.

“Rice consegue prender a atenção do leitor desde o começo através de uma descrição detalhada que transcende a mera construção da ambientação… Muito bem escrito e de leitura fácil.”

– Black Lagoon Reviews (em relação a Transformada)

“Uma estória ideal para jovens leitores. Morgan Rice fez um bom trabalho ao construir uma trama interessante… Refrescante e único. A série gira em torno de uma garota… uma garota extraordinária! Leitura fácil, de ritmo extremamente rápido.”

– The Romance Reviews (em relação a Transformada)

“Prendeu minha atenção desde o começo e não consegui largar… Essa estória de uma incrível aventura é rápida e recheada de ação desde o começo. Não há um único momento entediante no livro.”

– Paranormal Romance Guild (em relação a Transformada)

“Recheado de ação, romance, aventura, e suspense. Adquira já sua cópia e apaixone-se mais uma vez.”

– vampirebooksite.com (em relação a Transformada)

“Excelente trama, você terá dificuldades em largar este livro para dormir. O final tem um gancho tão espetacular que você sentirá vontade de adquirir o próximo livro apenas para descobrir o que acontece a seguir.”

– The Dallas Examiner (em relação a Amada)

“Um livro que pode ser comparado a CREPÚSCULO and DIÁRIOS DO VAMPIRO, que você terá vontade de continuar lendo até a última página! Se você gosta de aventura, romance e vampiros, este é o livro para você!”

– Vampirebooksite.com (em relação a Transformada)

“Morgan Rice prova mais uma vez ser uma contadora de estórias talentosa…Este livro é ideal para vários públicos, incluindo os fãs mais jovens do gênero de fantasia e vampiros. O livro termina com um gancho inesperado que deixará os leitores chocados.”

– The Romance Reviews (em relação a Amada)

Livros de Morgan Rice

REIS E FEITICEIROS

A ASCENSÃO DOS DRAGÕES (Livro n 1)

A ASCENSÃO DOS BRAVOS (Livro n 2)

O ANEL DO FEITICEIRO

EM BUSCA DE HERÓIS (Livro n 1)

UMA MARCHA DE REIS (Livro n 2)

UM DESTINO DE DRAGÕES (Livro n 3)

UM GRITO DE HONRA (Livro n 4)

UM VOTO DE GLÓRIA (Livro n 5)

UMA CARGA DE VALOR (Livro n 6)

UM RITO DE ESPADAS (Livro n 7)

UM ESCUDO DE ARMAS (Livro n 8)

UM CÉU DE FEITIÇOS (Livro n 9)

UM MAR DE ESCUDOS (Livro n 10)

UM REINADO DE AÇO (Livro n 11)

UMA TERRA DE FOGO (Livro n 12)

UM GOVERNO DE RAINHAS (Livro n 13)

UM JURAMENTO DE IRMÃOS (Livro n 14)

UM SONHO DE MORTAIS (Livro n 15)

UM TORNEIO DE CAVALEIROS (Livro n 16)

O PRESENTE DA BATALHA (Livro n 17)

TRILOGIA DE SOBREVIVÊNCIA

ARENA UM: TRAFICANTES DE ESCRAVOS (Livro n 1)

ARENA DOIS (Livro n 2)

MEMÓRIAS DE UM VAMPIRO

TRANSFORMADA (Livro 1)

AMADA (Livro 2)

TRAÍDA (Livro 3)

DESTINADA (Livro 4)

DESEJADA (Livro 5)

COMPROMETIDA (Livro 6)

VOWED (Livro 7)

ENCONTRADA (Livro 8)

RESSUSCITADA (Livro 9)

COBIÇADA (Livro 10)

PREDESTINADA (Livro 11)

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Ouça a série O ANEL DO FEITICEIRO em áudio livro!

Copyright © 2014 por Morgan Rice

Todos os direitos reservados. Exceto conforme permitido pela Lei de Direitos Autorais dos EUA de 1976, nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, distribuída ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio, ou armazenada em um banco de dados ou sistema de recuperação, sem a autorização prévia da autora.

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Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, organizações, entidades, eventos e incidentes são produto da imaginação do autor ou foram usados de maneira fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou falecidas, é mera coincidência.

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“Assim, dou-lhe as costas:

O mundo é muito grande.”

– William Shakespeare

Coriolano

CAPÍTULO UM

Gwendolyn, na costa das Ilhas Superiores, olha para o mar, assistindo horrorizada quando a neblina se aproxima e começa a envolver seu bebê. Ela tem a sensação de que seu coração está partindo em dois ao ver Guwayne se afastar cada vez mais, desaparecendo em meio à nevoa no horizonte distante. A maré o carrega para o desconhecido, e seu filho fica mais longe de seu alcance a cada segundo.

Lágrimas rolam pelo rosto do Gwendolyn enquanto ela observa, incapaz de se afastar e completamente entorpecida. Ela perde toda a noção de tempo e espaço, e já não sente o seu próprio corpo. Uma parte dela morre enquanto ela vê a pessoa que ela mais ama no mundo ser levada pela corrente marítima. É como se uma parte de Gwen tivesse sido levada para o meio do oceano com ele.

Gwen se odeia por ter feito o que fez, – mas ao mesmo tempo, ela sabe que aquela tinha sido a única maneira possível de talvez salvar seu filho. Ela ouve o som de rugidos e trovões no horizonte atrás dela e sabe que, em breve, toda aquela ilha seria consumida pelas chamas – e nada que ela pudesse fazer seria capaz de salvá-los. Nem Argon, que continua deitado em um estado indefeso; nem Thorgrin, que está em algum lugar distante, na Terra dos Druidas; nem Alistair ou Erec, que estão muito longe dali, nas Ilhas do Sul; e certamente nem Kendrick ou os Prata ou qualquer um dos corajosos homens que ali se encontram – nenhum deles possui os poderes necessários para combater um dragão. Mágica é do que eles precisam – e também é a única coisa de que não dispõem.

Eles tinham tido sorte ao conseguirem escapar do Anel e, agora, o destino os havia alcançado. Não há mais como correr e nenhum lugar onde poderiam se esconder. É hora de encarar de frente a morte que há muito tempo os perseguia.

Gwendolyn se vira, olha para o horizonte oposto e vê – mesmo daquela distância, uma massa escura de dragões que se aproxima rapidamente, voando na direção deles. Gwen tem pouco tempo; ela não quer morrer ali sozinha naquela costa, e sim junto ao seu povo, protegendo-os o máximo que lhe for possível.

Ela dá uma última olhada na direção do mar, esperando ver Guwayne uma última vez.

Mas não há nada. Guwayne está muito longe dela agora, em algum lugar do horizonte, sendo levado em direção a um mundo que ela jamais conheceria.

Por favor, Deus, Gwen reza. Esteja com ele. Leve minha vida no lugar da dele. Eu farei qualquer coisa. Mantenha Guwayne em segurança. Permita que eu volte a segurá-lo em meus braços. Eu lhe imploro. Por favor.

Gwendolyn abre os olhos, esperando ver algum sinal, talvez um arco íris no céu – qualquer coisa.

Mas o horizonte está vazio. Não há nada exceto nuvens tempestuosas escuras, como se o universo estivesse furioso com ela pelo que Gwen havia feito.

Soluçando, Gwen dá as costas para o oceano mais uma vez, – dá as costas para o que ainda restava de sua vida, e começa a correr, aproximando-se a cada passo do momento em que enfrentaria o mal ao lado de seu povo pela última vez.

*

Gwen fica em pé nos parapeitos superiores do antigo forte de Tirus, rodeada por dezenas de seus companheiros, entre eles seus irmãos Kendrick e Reece, e Godfrey, além de seus primos Matus e Stara, Steffen, Aberthol, Srog, Brandt, Atme, e todos os cavaleiros da Legião. Todos observam o céu, em silêncio sombrio, cientes do que estava prestes a acontecer com todos eles.

Eles ficam ali parados, completamente impotentes e ouvindo o barulho distantes dos rugidos enquanto Ralibar luta por eles – um único e corajoso dragão fazendo o possível para segurar o exército de dragões inimigos. O coração de Gwen se enche de orgulho ao assistir Ralibar lutando, tão forte e corajoso; um dragão diante de dezenas e, ainda assim, sem demonstrar qualquer temor. Ralibar cospe fogo nos dragões, erguendo suas grandes garras para arranhá-los, agarrando-os e enfiando suas enormes presas em seus pescoços. Ele não só é mais forte do que os outros, mas também é mais rápido. É impressionante observá-lo em ação.

Enquanto Gwen assiste, seu coração se enche mais uma vez com uma pontada de esperança; uma parte dela ousa acreditar que Ralibar talvez possa derrotá-los. Ela vê Ralibar desviar e mergulhar quando três dragões assopram fogo em seu rosto, errando o alvo por pouco. Ralibar mergulha para a frente e enfia suas garras no peito de um dos dragões, usando seu impulso para empurrá-lo na direção do oceano.

Vários dragões assopram fogo nas costas de Ralibar quando ele mergulha, e Gwen assiste horrorizada quando Ralibar e o outro dragão se tornam uma bola flamejante, despencando em direção ao mar. O dragão tenta resistir, mas Ralibar usa todo o seu peso para empurrá-lo na direção das ondas – e logo, ambos caem dentro do oceano.

Ouve-se um grande chiado, e nuvens de vapor se erguem quando as águas do mar apagam o fogo. Gwen observa ansiosa, torcendo para que ele esteja bem – e momentos depois, Ralibar ressurge, sozinho. O outro dragão logo aparece, mas ele seu corpo está inerte, boiando nas ondas, morto.

Sem hesitar, Ralibar dispara para o céu, rumo às dezenas de outros dragões que mergulham na direção dele. Ao mesmo tempo em que eles descem, com suas grandes mandíbulas abertas com a intenção de mordê-lo, Ralibar parte para o ataque: ele estica suas imensas garras, inclinando-se para trás, abre suas asas e agarra dois deles ao mesmo tempo em que gira e os empurra para dentro do mar.

Ralibar os segura dentro da água, mas ao fazer isso, dezenas de dragões atacam suas costas expostas. O grupo inteiro mergulha para dentro do mar, levanto Ralibar junto com eles. Ralibar, por mais destemidamente que esteja lutando, está simplesmente em grande desvantagem, e é levado para o fundo do mar debatendo-se, preso por dezenas de dragões que gritam enfurecidos.

Gwen suspira, seu coração aos pedaços ao ver Ralibar lutando com tanta coragem por todos eles, enfrentando sozinho todos aqueles dragões; tudo o que ela mais quer é poder ajudá-lo. Ela vasculha o mar diante dela, procurando, esperançosa, por qualquer sinal de Ralibar e torcendo para encontrá-lo.

Mas para sua tristeza, ele não aparece.

Os outros dragões ressurgem, – voando para o céu e se reagrupando, e voltam suas atenções para as Ilhas Superiores. Eles parecem olhar diretamente para Gwendolyn ao darem um grande rugido ao mesmo tempo em que estendem suas asas.

Gwen sente seu coração partir. Seu grande amigo Ralibar, a última esperança de seu povo, sua última forma de resistência, havia morrido.

Gwen se vira para seus homens, que observam paralisados pelo choque. Eles sabem o que viria a seguir: uma inevitável onda de destruição.

Gwen se sente pesada; ela abre a boca, mas as palavras ficam presas em sua garganta.

"Soem os alarmes," ela diz finalmente com a voz rouca. "Levem nosso posso para o abrigo. Todas as pessoas aqui em cima precisam descer, agora. Levem-nos para cavernas, porões – qualquer lugar, menos aqui. Levem-nos – agora!"

"Soem os alarmes!" Steffen grita, correndo para a entrada do forte e gritando para os soldados no pátio. Logo, os sinos tocam por toda a praça. Centenas de seus súditos, sobreviventes do Anel, começam a fugir, correndo para se esconderem, indo para cavernas nos arredores da cidade ou descendo para os porões e adegas no subsolo, preparando-se contra a inevitável onda de fogo que certamente viria.

"Minha rainha," Srog diz, voltando-se para ela, "talvez possamos todos nos refugiar no forte. Afinal de contas, ele é feito de pedras."

Gwen balança a cabeça.

"Você não conhece a fúria dos dragões," ela diz; "Nada que estiver na superfície estará seguro. Absolutamente nada."

"Mas minha senhora, talvez nós fiquemos mais seguros dentro do forte," ele insiste. "Ele resistiu ao teste do tempo. As paredes de pedras têm quase um metro de espessura. Não seria melhor ficarmos aqui do que embaixo da terra?"

Gwen balança a cabeça. Há um rugido, e ela olha para o horizonte e pode ver que os dragões se aproximam. Seu coração se sobressalta ao ver, à distância, os dragões assoprando uma parede de fogo em sua frota, que continua atracada no porto ao sul das ilhas. Ela assiste horrorizada quando seus preciosos navios, sua única forma de escapar daquelas ilhas – navios belíssimos cuja construção tinha levado anos, são reduzidos a nada além de brasas. Ela fica satisfeita por ter previsto aquilo, e feliz por ter escondido alguns navios no outro lado da ilha. Gwen espera apenas que eles sobrevivam para poder usá-los.

"Não temos tempo para discussões. Todos deixaremos esse lugar imediatamente. Sigam-me."

Eles seguem Gwen enquanto ela se apressa em descer os degraus da escada em espiral o mais rápido que consegue; enquanto ela avança, Gwen instintivamente faz menção de apertar Guwayne contra o peito – e então seu coração se parte mais uma vez ao se lembrar que ela não estava mais ali. Ela sente que uma parte dela está faltando enquanto desce os degraus dois de cada vez, ouvindo os passos de todas as pessoas atrás dela enquanto se apressam para ir até um lugar mais seguro. Gwen pode ouvir os rugidos distantes dos dragões que se aproximam – e que já começam a sacudir as paredes do forte, e reza apenas para que Guwayne esteja seguro.

Gwen sai do castelo e atravessa o pátio correndo junto com os outros, todos dirigindo-se até a entrada das masmorras, há muito tempo sem qualquer prisioneiro. Vários de seus soldados os aguardam diante dos portões de ferro que se abrem para uma série de degraus que dão acesso ao subsolo, e antes de entrarem Gwen para e se volta para os seus companheiros.

Ela vê várias pessoas que parecem perdidas no pátio, gritando de medo e sem saber ao certo para onde ir.

"Venham aqui!" ela grita para eles. "Desçam ao subsolo! Venham todos!"

Gwen abre caminho, certificando-se de que todos estejam em segurança primeiro, e um por vez, todos os seus amigos e súditos passam por ela descendo os degraus em direção à escuridão.

As últimas pessoas a pararem ao lado dela são seus irmãos, Kendrick, Reece e Godfrey, assim como Steffen. Os cinco se viram e vasculham o céu juntos ao mesmo tempo em que ouvem mais um rugido.

O grupo de dragões agora está tão perto que Gwen já pode vê-los a centenas de metros de distância, com suas grandes asas abertas, todos eles parecendo encorajados e cheios de fúria. Suas grandes mandíbulas estão completamente abertas, como se ansiosos para parti-los em pedaços, e seus dentes são tão grandes quanto Gwendolyn.

Então, pensa Gwendolyn, essa é a verdadeira aparência da morte.

Gwen dá uma última olhada pelo pátio, e vê centenas de seus súditos procurando refúgio em suas próprias casas, recusando-se a se esconder nas masmorras.

"Eu lhes disse para irem para algum lugar subterrâneo!" grita Gwen.

"Algumas pessoas lhe ouviram," Kendrick observa com tristeza, balançando a cabeça, "mas muitas recusaram-se a seguir seu conselho."

Gwen se decepciona, sendo tomada pela tristeza. Ela sabe o que aconteceria com aqueles que ficassem ali em cima. Por que seu povo tinha que ser tão obstinado?

E é então que acontece – o primeiro dragão assopra fogo na direção deles, longe o suficiente para não queimá-los, mas já perto o bastante para que Gwen possa sentir o calor aquecendo o seu rosto. Ela ouve horrorizada quando gritos surgem ao redor do forte, vindos de pessoas do outro lado do pátio que haviam decidido esperar em cima, dentro de suas casas ou escondidas na fortaleza de Tirus. O forte de pedras, tão indomável apenas momentos antes, agora está incendiado, com chamas saindo pelas janelas de todos os lados como se ele não fosse nada além de uma casa de fogo, reduzido a brasas em uma questão de minutos. Gwen engole em seco, sabendo que se eles tivessem tentado resistir dentro do forte, logo todos estariam mortos.

Muitos não têm tanta sorte: eles gritam, em chamas, correndo pelas ruas antes de caírem mortos no chão de pedras. O cheiro horrível de carne queimada toma conta do ar.

"Minha senhora," Steffen diz, "temos que prosseguir. Agora!"

Gwen não consegue tirar os olhos da cena diante dela, mas sabe que não tem escolha e que ele está certo. Ela se deixa levar pelos outros, sendo guiada pelos portões, descendo os degraus através da escuridão ao mesmo tempo em que uma onda de fogo vem na direção dela. As portas de aço se fecham um segundo antes das chamas a alcançarem, e ela as ouve batendo atrás dela, sentindo como se uma porta estivesse se fechando em seu coração.

CAPÍTULO DOIS

Alistair, soluçando, se ajoelha ao lado do corpo de Erec, segurando-o com força, seu vestido completamente coberto de sangue. Ao abraçá-lo, o mundo parece girar em torno dela, e ela sente a vida começando a deixar o corpo dele. Erec, ferido pela espada, está gemendo, e ela pode sentir pelos ritmos de seu pulso que ele está morrendo.

"NÃO!" Alistair geme, segurando-o em seus braços, embalando seu corpo inerte. Ela sente seu próprio coração se partir em dois enquanto o segura junto a si, e sente que ela própria está morrendo. Este homem com quem ela estava prestes a se casar, que havia olhado para ela com tanto amor apenas momentos antes, agora deita praticamente morto em seus braços; ela mal pode processar tudo aquilo. Ele havia sido atacado desprevenido, repleto de amor e alegria; estava desavisado por causa dela. Por conta de sua brincadeira estúpida, por causa de seu pedido para que ele fechasse os olhos até que ela se aproximasse com seu vestido. Alistair se sente tomada pela culpa, como se tudo aquilo tinha acontecido apenas por causa dela.

"Alistair," ele geme.

Ela olha para baixo e vê os olhos dele semi abertos, e percebe que eles estão se tornando turvos quando a vida começa a deixá-los.

"Por favor, saiba que isso não é sua culpa," ele sussurra. "E saiba o quanto eu a amo."

Alistair chora, segurando-o junto ao peito, e sentindo seu corpo ficando cada vez mais frio. Ao mesmo tempo, algo desperta dentro dela, algo que reconhece a injustiça de tudo aquilo, um sentimento que simplesmente se recusa a permitir que ele morra.

Alistar de repente sente uma sensação familiar, um formigamento semelhante a milhares de agulhas nas pontas de seus dedos, e ela sente todo seu corpo se aquecer da cabeça aos pés. Uma estranha força toma conta dela, algo forte e primitivo, uma força que ela não é capaz de compreender; ela é mais forte do qualquer outra força que ela já havia sentido em toda sua vida, como se um espírito exterior estivesse tomando posse de seu corpo. Ela sente suas mãos e braços queimando como brasas, e instintivamente os estica e coloca as palmas das mãos sob o peito e testa de Erec.

Alistair as deixa ali, suas mãos queimando como nunca antes, e então fecha os olhos. Imagens passam diante de seus olhos. Ela vê Erec ainda jovem, deixando as Ilhas do Sul, tão orgulhoso e nobre, em pé em um grande navio; e então o vê entrando para a Legião; sendo aceito como um membro da Prata; participando de justas, tornando-se um campeão, derrotando inimigos e defendendo o Anel. Ela o vê com sua postura ereta e perfeita, montado em seu cavalo vestindo sua armadura de prata – um exemplo de nobreza e coragem. Ela sabe que não poderia deixar que ele morresse; o mundo não poderia deixar que ele morresse.

As mãos de Alistair ficam ainda mais quentes, e ela abre os olhos e vê quando os dele se fecham. Ela também vê uma luz emanando de suas mãos, espalhando-se por todo o corpo de Erec; vê todo o seu corpo infundido por ela, envolto por um globo de luz. Enquanto ela observa, ela vê suas feridas, ainda sangrando, lentamente começarem a se fechar.

Os olhos de Erec se abrem de repente, cheios de luz, e ela sente algo mudar dentro dele. Seu corpo, momentos antes tão frio, começa lentamente a se aquecer. Ela sente sua força vital começar a retornar.

Erec olha para ela com surpresa e admiração, e ao fazer isso, Alistair de repente sente sua própria energia esgotar-se à medida que sua força vital diminui ao ser transferida para ele.

Os olhos dele se fecham e ele adormece profundamente. As mãos de Alistair de repente ficam frias, e ela verifica o pulso de Erec e vê que seus batimentos voltaram ao normal.

Ela suspira aliviada, sabendo que havia trazido seu amor de volta à vida. Suas mãos tremem, cansadas após a experiência, e ela se sente esgotada e ao mesmo tempo animada.

Obrigada, ela pensa, ao se abaixar e encostar seu rosto no peito de Erec, abraçando-o enquanto chora lágrimas de alegria. Obrigada por não ter tirado meu marido de mim.

Alistair para de chorar e observa a cena ao seu redor: ela vê a espada de Bowyer jogada no chão de pedra, seu punho e lâmina ainda cobertos de sangue. Ela odeia Bowyer mais do que qualquer coisa que ela pode imaginar, e está determinada a se vingar pelo que ele tinha feito com Erec.

Alistair estica o braço e pega a espada ensanguentada; suas mãos se sujam de sangue quando ela ergue a espada, examinando-a. Quando ela se prepara para se livrar dela, para jogá-la do outro lado da sala – de repente a porta do quarto se abre.

Alistair se vira com a espada ensanguentada nas mãos, e vê a família de Erec entrando no quarto, acompanhada de uma dúzia de soldados. Quando eles se aproximam, suas expressões confusas se transformam em expressões de horror ao verem Erec deitado inconsciente no chão.

"Mas o que foi que você fez?" grita Dauphine.

Alistair olha para ela, sem compreender.

"Eu?" ela pergunta. "Eu não fiz nada."

Dauphina a encara com ódio ao mesmo tempo em que se aproxima.

"A não fez nada?" "Você só matou o maior e melhor cavaleiro das Ilhas!"

Alistair olha para ela horrorizada ao perceber por que todos estavam olhando para ela como se ela fosse uma assassina.

Ela olha para baixo e vê a espada ensanguentada em suas mãos, vê o sangue em seu vestido e percebe que todos deveriam estar pensando que ela havia feito aquilo.

"Mas não foi eu que o ataquei!" Alistair protesta.

"Ah, não?" Dauphine a acusa. "Então como foi que a espada apareceu magicamente em suas mãos?"

Alistair olha ao redor do quarto, ao mesmo tempo em que todos começam a se aproximar dela.

"Foi um homem que fez isso. O homem que o desafiou no campo de batalhas: Bowyer."

Os outros se entreolha, céticos.

"Ah, foi mesmo?" Dauphine pergunta. "E onde está esse homem?" ela pergunta, procurando pelo quarto.

Alistair não vê qualquer sinal dele, e percebe que todos devem achar que ela estava mentindo.

"Ele fugiu," ela explica. "Depois de tê-lo atacado."

"E então como foi que essa espada foi parar em suas mãos?" Dauphine pergunta.

Alistair olha para a espada em suas mãos horrorizada e a joga no chão, fazendo barulho no chão de pedras.

"Mas por que eu mataria meu futuro marido?" ela pergunta.

"Você é uma feiticeira," Dauphine fala, encarando-a de perto agora. "Pessoas como você não merecem nossa confiança. Ah, meu pobre irmão!" Dauphine fala, correndo para a frente e ajoelhando-se ao lado de Erec, ficando entre ele e Alistair. Dauphine abraça Erec, segurando-o com força.

"Mas o que foi que você fez?" Dauphine geme entre lágrimas.

"Mas eu sou inocente!" exclama Alistair.

Dauphine se vira para ela com uma expressão de ódio, e então se dirige aos seus soldados.

"Prendam-na!" ela ordena.

Alistair sente suas mãos sendo presas atrás de seu corpo ao mesmo tempo em que ela é forçada a ficar em pé. Não lhe restam mais energias, e ela é incapaz de resistir quando os guardas prendem seus pulsos em suas costas e começam a arrastá-la para longe. Ela não se importa mais com o que possa acontecer com ele – embora, ao ser levada, ela não consegue suportar a ideia de ser separada de Erec. Não agora, quando ele mais precisa dela. A cura que ela havia lhe dado era apenas temporária; ela sabe que ele logo precisaria de mais uma sessão, e se ele não a recebesse, ele certamente morreria.

"NÃO!" ela grita. "Solte-me!"

Mas seus gritos não surtem qualquer efeito e ela é levada embora, amarrada, como se ela fosse apenas uma criminosa comum.

CAPÍTULO TRÊS

Thor ergue as mãos aos olhos, cegado pela luz quando as brilhantes portas douradas do castelo de sua mãe se abrem, tão intensa que ele mal consegue ver. Uma figura caminha na direção dele, a silhueta de uma mulher que ele sente – com cada centímetro de seu corpo, ser sua mãe. O coração de Thor se acelera quando ele a vê parada diante dele, com os braços relaxados ao lado de seu corpo, olhando para ele.

Lentamente, a luz começa a desaparecer apenas o suficiente para que ele possa abaixar as mãos e olhar para ela. Aquele é o momento pelo qual ele esperava durante toda a sua vida, o momento que havia assombrando seus sonhos. Ele mal consegue acreditar: é realmente ela. A mãe dele. Dentro do castelo, em cima daquele penhasco. Thor finalmente abre completamente os olhos e a vê pela primeira vez ali, a apenas alguns metros dele, olhando de volta para ele. Pela primeira vez, ele vê o rosto dela.

Thor prende a a respiração ao ver a mulher mais linda que ele jamais havia visto em toda sua vida. Ela parece não ter idade, aparentando ser ao mesmo tempo jovem e velha, com uma pela quase translúcida e um rosto brilhante. Ela sorri para ele docemente, e seus cabelos loiros caem além de sua cintura, seus olhos são cinza brilhantes e seus traços marcantes se assemelham aos dele. O que mais surpreende Thor ao olhar para ela é que de cera forma ele pode reconhecer muitas características suas no rosto dela – a curva de seu maxilar, seus lábios, o tom de seus olhos cinza, e até mesmo a altura da testa dela. De alguma forma, é como se ele estivesse olhando para si mesmo. Ela também se parece muito com Alistair.

A mãe de Thor, vestindo um manto de seda branco com capuz, fica em pé com os braços ao lado do corpo e as palmas das mãos viradas pra fora, sem nenhuma joia, e sua pela parece ser macia como a de um bebê. Thor pode sentir uma intensa energia emanando dela, mais intensa do que qualquer energia que ele já havia sentido, como se o sol o estivesse envolvendo. Enquanto ele permanece envolvido por ela, ele sente ondas de amor direcionadas a ele. Thor nunca havia sentido tanto amor e aceitação incondicionais. Ele sente como se ele pertencesse ali.

Parado ali diante dela agora, Thor finalmente sente como se uma parte dele estivesse completa, como se o mundo finalmente estivesse em seu lugar.

"Thorgrin, meu filho," ela diz.

Aquela é a voz mais bela que ele já tinha ouvido, suave, ressoando pelas antigas paredes de pedra do castelo, parecendo ter descido diretamente do céu para seus ouvidos. Thor fica ali parado completamente em choque, sem saber o que fazer ou dizer. Aquilo estava mesmo acontecendo? Ele se pergunta brevemente se aquilo tudo seria apenas uma criação da Terra dos Druidas, apenas outro sonho, ou sua mente pregando mais uma peça nele. Ele queria abraçar sua mãe desde que conseguia se lembrar, e então dá um passo á frente, determinado a descobrir se ela era apenas uma aparição.

Thor estica o braço para tocá-la e, ao fazer isso, teme que seu abraço encontrará apenas o vazio, e que aquilo não passa apenas de uma ilusão. Mas o estender a mão, ele sente seus braços envolverem o corpo dela, e se vê abraçando uma pessoa de verdade – e sente quando ela o abraça de volta. É a melhor sensação do mundo.

Ela o abraça com força, e Thor fica exultante em saber que ela é real. Que tudo aquilo é real. Que ele tem uma mãe de verdade, que ela realmente existe, e que ela realmente está ali, naquela terra de ilusões e de fantasias – e que ela verdadeiramente se importa com ele.

Depois de algum tempo, eles se separam, e Thor olha para ela com lágrimas nos olhos, e vê que ela também tem lágrimas nos dela.

"Estou tão orgulhosa de você, meu filho," ela diz.

Ela a encara, sem saber o que dizer.

"Você completou sua jornada," continua ela. "Você é digno de estar aqui. Você se tornou o homem que eu sempre soube que você se tornaria."

Thor a observa, analisando suas feições, ainda encantado pelo fato de que ela realmente existe, e se perguntando o que dizer. Durante toda a sua vida, ele havia sido inundado por tantas perguntas, mas agora que está diante dela, ele não consegue se lembrar de nenhuma delas. Ele sequer sabe por onde começar.

"Venha comigo," ela fala, virando-se, "e eu vou lhe mostrar esse lugar – o lugar onde você nasceu."

Ela sorri, estendo o braço, e Thor segura a mão dela.

Eles caminham lado a lado pelo castelo, e uma luz emana de sua mãe e reflete pelas paredes enquanto ela lidera o caminho. Thor observa tudo com espanto: aquele é o lugar mais resplandescente que ele já tinha visto, as paredes do castelo são todas deitas de ouro, é tudo perfeito e brilhante, completamente surreal. Ele sente como estivesse em um castelo mágico no céu.

Eles atravessam um corredor comprido com tetos altos abobadados, a luz se reflete nas paredes. Thor olha para baixo e vê que o chão é coberto de diamantes lapidados, que brilham como um milhão de pontos de luz.

"Por quê você me deixou?" ele de repente pergunta

Essas são as primeiras palavras que Thor pronuncia, e elas surpreendem até mesmo a ele. De todas as coisas que ele gostaria de ter lhe perguntado, por alguma razão aquela tinha sido sua primeira pergunta, e ele se sente envergonhado por não ter nada mais gentil para dizer a ela. Mas ela não tinha tido a intenção de ser tão grosseiro.

Mas o sorriso compreensivo de sua mão não se desfaz. Ela continua caminhando ao lado dele sem demonstrar nada exceto amor por ele, e ele sente total aceitação dela, e sente que ela não o julga, não importa o que ele possa dizer a ela.

"Você tem razão em estar chateado comigo," ela diz. "Devo lhe pedir perdão. Você e sua irmão são mais importantes para mim do que qualquer outra coisa nesse mundo. Eu gostaria de ter criado vocês dois aqui comigo – mas isso não era possível. Pois vocês são especiais. Vocês dois."

Eles chegam a outro corredor, e sua mãe para e se vira na direção dele.

"Você não é simplesmente um Druida, Thor, ou apenas um guerreiro. Você é o maior guerreiro que jamais existiu, e que jamais existirá – e o maior Druida também. O seu destino é um destino muito especial; sua vida é muito maior que este lugar. É uma vida e um destino a serem compartilhados com o mundo. E e por isso que eu o libertei. Eu o deixei viver no mundo lá fora, para que você se tornasse o homem que você é, para que tivesse as experiências que teve, e pudesse aprender a se tornar o guerreiro que precisava ser."

Ela respira fundo.

"Você vê, Thorgrin, não é a reclusão e o privilégio que fazem um grande guerreiro, e sim o esforço e a dor. O sofrimento acima de tudo. Foi horrível para mim ver você sofrer – mas, paradoxalmente, era exatamente isso que você precisava para se tornar o homem que você se tornou. Você pode compreender isso, Thorgrin?"

Thor de fato, pela primeira vez na vida, começa a entender. Pela primeira vez, tudo faz sentido. Ela pensa em todo sofrimento que havia enfrentado em sua vida: ser criado sem uma mãe, ser tratado como um criado por seus irmãos, ter um pai que o odiava, em uma vila pequena onde todos o viam como uma pessoa insignificante. Sua infância tinha sido uma longa sequência de humilhações.

Mas agora ele estava começando a compreender que ele precisava de tudo aquilo; que todo aquele sofrimento e dor tinham sido necessários.

"Toda o seu trabalho, a sua independência, o seu esforço para encontrar o seu próprio caminho," continua sua mãe, "foi meu presente para você. Um presente para torná-lo mais forte."

Um presente, Thorgrin pensa. Ele nunca havia considerado as coisas assim antes Na época, aquilo tudo havia lhe parecido qualquer coisa exceto um presente – mas agora, olhando para trás, ele entende que era exatamente isso. À medida que ela explica tudo, ele percebe que ela tem razão. Todas as adversidades que ele havia enfrentado na vida – tudo não tinha passado de um presente, que o havia ajudado a se tornar o homem que ele era agora.

A mãe dele se vira, e os dois continuam andando lado a lado pelo castelo, enquanto a mente de Thor ferve com um milhão de perguntas.

"Você é real?" Thor pergunta

Mais uma vez, ele se envergonha por ser tão direto, e mais uma vez se vê fazendo uma pergunta que não tinha a intenção de fazer. Ainda assim, ele quer saber a resposta.

"Esse lugar existe mesmo?' emenda ele. "Ou é apenas mais uma ilusão, apenas uma invenção da minha própria imaginação, como o restante dessa terra?"

A mãe dele sorri

"Eu sou tão real quanto você," ela responde.

Thor assente, sentindo-se mais seguro por sua resposta.

"Você está correto em presumir que a Terra dos Druidas é uma terra de ilusões, uma região mágica que existe dentro de você mesmo," continua ela. "Eu sou bastante real – mas ao mesmo tempo, como você, sou uma Druida. Druidas são tão presos ao plano físicos como os humanos. O que significa que uma parte de mim vive aqui, enquanto uma parte de mim vive em outro lugar. E é precisamente por isso que sempre estive com você, mesmo que você nem sempre tenha me visto. Druidas estão em toda parte e em parte alguma ao mesmo tempo. Vivemos em mundos que outras pessoas não vivem."

"Como Argon," comenta Thor, lembrando do olhar distante de Argon, de seu costume de aparecer e desaparecer, de estar e não estar nos lugares ao mesmo tempo.

Ela assente.

"Sim," ela diz. "Exatamente como meu irmão."

Thor engasga, surpreso.

"Seu irmão?" ele repete.

Ela assente.

"Argon é sei tio," ela fala. "Ele o ama de verdade. Ele sempre o amou. E a Alistair também."

Thor considera tudo, espantado.

Ele franze a testa ao pensar em algo.

"Mas comigo, é diferente," ele diz. "Eu sou igual a você. Eu me sinto mais ligado aos lugares do que você. Eu não posso viajar entre os mundos como Argon."

"Isso é por que você é metade humano," ela responde.

Thor considera a resposta dela.

"Eu estou aqui agora, nesse castelo, em minha casa," ele diz. "Essa é minha casa, não é mesmo?"

"Sim," ela diz. "Sim, Seu verdadeiro lar. Tão seu quanto qualquer outro que você possa ter no mundo. Embora nós Druidas não sejamos tão ligados ao conceito de lares."

"Então seu eu quiser ficar aqui, se escolher viver aqui, eu posso?" Thor pergunta

Sua mãe balança a cabeça.

"Não," ela responde. "Pois seu tempo aqui, na Terra dos Druidas, é temporário. Sua chegada aqui foi planejada – mas só é possível visitar a Terra dos Druidas uma única vez. Ao deixar esse lugar, você nunca mais poderá voltar. Este lugar, este castelo e tudo que você vê aqui, este lugar que você vê em seus sonhos há tantos anos, tudo desaparecerá. Como um rio em que não se pode entrar duas vezes."

"E você?" Thor pergunta, de repente com medo.

Sua mãe balança a cabeça suavemente.

"Você também não me verá novamente. Não dessa forma. Mas eu sempre estarei com você."

Thor se entristece com a ideia.

"Mas eu não compreendo," ele diz. "Eu finalmente a encontrei. Finalmente encontrei esse lugar, meu lar. E agora você me diz que é apenas por uma vez?"

Sua mãe respira fundo.

"O lar de um guerreiro é o mundo lá fora," ela responde. "O seu dever está lá, em ajudar os outros, em defendê-los – e em tornar, sempre, um guerreiro melhor. É sempre possível se tornar um guerreiro melhor. Guerreiros não devem ficar parados – especialmente não um guerreiro com um destino grandioso como o seu. Você terá grandes conquistas em sua vida: grandes castelos, cidades e povos. Mas você não deve se apegar a nada. A vida é como uma grande maré, e você deve permitir que ela o leve onde ela quiser."

Thor franze a testa, tentando entender. É muita coisa para assimilar de uma só vez.

"Eu sempre pensei que, quando a encontrasse, minha grande missão teria terminado."

Ela sorri para ele.

"Essa é natureza da vida," responde ela. "Grandes missões nos são dadas ou nós mesmos as escolhemos, e então devemos realizá-las. Nós nunca imaginas que podemos realmente completá-las – e ainda assim, de alguma forma, conseguimos. E quando fazemos isso, quando chegamos ao fim dessas missões, esperamos que nossas vidas tenham chegado ao fim. Mas nossas vidas estão apenas começando. Chegar ao topo da montanha é realmente uma grande realização – mas também dá acesso a uma montanha ainda maior. Completar uma missão lhe dá a chance de embarcar e outra missão ainda maior."

Thor olha para ela, completamente surpreso.

"É isso mesmo," ela diz, lendo a mente dele. "O fato de você ter me encontrado quer dizer que agora você tera outra missão – ainda mais importante."

"E que outra missão poderia haver?" Thor pergunta "Que missão mais importante que encontrar você pode existir?"

Ela sorri para ele com os olhos repletos de sabedoria.

"Você não pode nem imaginar que missões ainda existem diante de você," ela fala. "Algumas pessoas nascem com apenas uma missão nessa vida. Algumas pessoas simplesmente nascem sem nenhuma. Mas você, Thorgrin – você nasceu com um destino de doze missões."

"Doze?" Thor pergunta, alarmado.

Ela assente.

"A Espada do Destino era uma delas. Você completou essa missão maravilhosamente bem. Encontrar-me era outra. Você completou duas delas. Você ainda tem dez missões a cumprir, dez missões ainda mais importantes do que as duas primeiras."

"Mais dez?" ele pergunta. "Mais importantes? Como isso possível?"

"Deixe-me mostrar-lhe," ela diz, aproximando-se dele e colocando um braço em torno de seus ombros e levando-o gentilmente pelo corredor. Eles atravessam uma porta brilhante de safiras, e entram em um quarto feito inteiramente de safiras verdes brilhantes.

A mãe de Thor o leva para o outro lado do quarto até uma enorme janela arqueada feita de cristal. Thor para ao lado dela e coloca a palma de sua mão sobre o cristal, sentindo que é isso que deveria fazer, e assim que faz isso, duas partes se abrem.

Thor olha para o oceano, uma vasta paisagem diante dele, coberta por uma névoa ofuscante que lhe dá a sensação de que ele está assistindo tudo do céu.

"Olhe," ela pede. "Diga-me o que você vê."

Thor olha para fora, e a princípio não vê nada além do mar e da neblina. Mas logo, a neblina começa a se dissipar, o oceano desaparece e imagens começam a aparecer diante de seus olhos.

A primeira coisa que Thor vê é Guwayne, no meio do mar, boiando em um pequeno barco,

O coração de Thor se acelera em pânico.

"Guwayne," ele fala. "É verdade?"

"Nesse exato momento ele está perdido em alto mar," ela diz. "Ele precisa de você. Encontrá-lo será uma das maiores missões de toda sua vida."

Enquanto observa Guwayne afastando-se no mar, Thor sente grande urgência em sair daquele lugar imediatamente, em correr para dentro do oceano.

"Eu tenho que ir até ele – agora!"

Sua mãe coloca a mão em seu braço.

Veja o que mais você deve ver," ela pede.

Thor continua olhando e vê Gwendolyn e seu povo; eles estão amontoados em uma ilha rochosa tentando se proteger enquanto um grupo de dragões se aproxima no céu, prestes a atacá-los. Ele vê uma parede de fogo, corpos incendiados, e pessoas gritando de agonia.

O coração de Thor bate acelerado pela urgência da situação

"Gwendolyn," Thor grita. "Eu tenho que ir até ela."

A mãe dele assente.

"Ela precisa de você, Thorgrin. Todos eles precisam de você – e também precisam de um novo lar."

Enquanto Thor continuar olhando, ele vê a imagem se transformar, e vê todo o Anel devastado, a paisagem carbonizada completamente tomada pelos homens de Tirus,

"O Anel," ele fala, horrorizado. "Ele não existe mais."

Thor sente um desejo ardente de sair correndo dali e resgatar todos eles imediatamente.

A mãe dele estica os braços e fecha a janela, e ele se vira e olha para ela.

"Essas são apenas algumas das missões que o aguardam," ela diz. "Seu filho precisa de você, Gwendolyn precisa de você, e seu povo previsa de você – e além disso, você deve se preparar para o dia em que se tornará Rei."

Os olhos de Thor se arregalam.

"Eu? Rei?"

A mãe dele assente.

"É o seu destino, Thorgrin. Você é nossa última esperança. É você que deve se tornar o Rei dos Druidas."

"Reis dos Druidas?" ele pergunta, tentando entender. "Mas… eu não compreendo. Eu pensei que estivesse na Terra dos Druidas."

"Os Druidas não vivem mais aqui," sua mãe explica para ele. "Nós somos uma nação de exilados. Eles agora vivem em um reino distante, em um lugar muito distante do Império, e estão em grande perigo. Você está destino a se tornar o Rei deles. Eles precisam de você, e você deles. Coletivamente, seus podere serão necessários para combater o maior poder que jamais existiu. Uma ameaça muito maior que os dragões."

Thor a encara, pensando.

"Estou muito confuso, mãe," ele admite.

"Isso é porque seu treinamento ainda está incompleto. Você avançou muito, mas ainda não alcançou os níveis que precisa alcançar para se tornar um grande guerreiro. Você vai encontrar mestres poderosos que irão guiá-lo, e que o levarão a níveis inimagináveis. Você não tem ideia do guerreiro que um dia você se tornará."

"E você precisará de todo treinamento que eles puderem lhe oferecer," ela continua. "Você enfrentará impérios monstruosos, reinos maiores do que você jamais enfrentou. Você encontrará tiranos selvagens que farão Andronicus parecer uma criança."

Sua mãe examina Thor com olhos cheios de sabedoria e compaixão.

"A vida é sempre muito maior do que pensamos, Thorgrin," ela continua. "E sempre nos surpreende. O Anel pode lhe parecer um grande reino, o centro do mundo. Mas é um reino pequeno comparado ao resto do mundo; é apenas uma parte do Império. Há mundos, Thorgrin, além do que você é capaz de imaginar, muito maiores do que qualquer coisa que você já tenha visto. Você mal começou a viver." Ela faz uma pausa. "Você vai precisa disso."

Thor olha para baixo e sente algo em seu pulso, e vê quando sua mãe coloca algo em seu punho, um bracelete com vários centímetro de largura, cobrindo metade de seu antebraço. Ele é feito de ouro brilhante e tem um diamante negro no meio. O bracelete é a coisa mais bonita e poderosa que ele já tinha visto, e ao usá-lo em seu braço, Thor o sente pulsando, infundindo-o com um estranho poder.

"Enquanto estiver usando isso," ela diz, "nenhum homem e nenhuma mulher poderá feri-lo."

Thor olha para a mãe, e as imagens que ele tinha visto na janela de cristal passam pela sua mente, e ele sente novamente a urgência em salvar Guwayne, Gwendolyn e todo o seu povo.

Mas uma parte dele não quer deixar aquele lugar, deixar o lugar de seus sonhos para onde ele sabe jamais poderia voltar – e também não gostaria de deixar sua mãe.

Ele examina seu bracelete, sentindo seu poder tomando conta dele. Ele sente como se estivesse carregando uma parte de sua mãe junto com ele.

"É por isso que deveríamos nos encontrar aqui?" Thor pergunta "Para que você pudesse me entregar isso?"

Ela assente.

"E mais importante," ela completa, "para que eu pudesse lhe dar todo meu amor. Como um guerreiro, você deve aprender a odiar. Mas é igualmente importante que você aprender a amar. O amor é a força mais importante. O ódio pode matar um homem, mas o amor pode erguê-lo, e é preciso mais força para curar um homem do que para matá-lo. É preciso saber odiar, mas também é preciso conhecer o amor – e é especialmente importante saber qual das duas forças escolher. É preciso aprender a amar, mas é ainda mais importante aprender a aceitar ser amado. Da mesma forma que precisamos de refeições, também precisamos de amor. Você precisa saber o quanto eu o amo. O quanto eu o aceito. O quanto tenho orgulho de você. E precisa saber que sempre estarei com você. E saiba que nos encontraremos novamente. Enquanto isso, permita que meu amor o acompanhe. E mais importante, permita-se amar e aceitar a si mesmo."

A mãe de Thor dá um passo adiante se o abraça, e ele retribui o gesto. É muito bom abraçá-la, saber que ele tem uma mãe, uma mãe que realmente existe no mundo. Enquanto ele a envolve em seus braços, ele se sente envolvido por seu amor ele, e se sente renascido e pronto para enfrentar qualquer coisa.

Thor se afasta e olha dentro dos olhos dela. Seus olhos são da mesma cor dos seus, cinza e brilhantes.

Ela coloca as duas mãos cabeça dele e beija a sua testa. Thor fecha os olhos e deseja que aquela momento não termine nunca.

Ele de repente sente uma brisa fresca nos braços e ouve o som de ondas arrebentando ao seu redor, e sente o ar úmido do oceano. Ao abrir os olhos, ele olha surpreso ao seu redor.

Para seu choque, sua mãe não está em parte alguma. Seu castelo desapareceu. O penhasco desapareceu. Ele olha ao seu redor, e vê que ele está em uma praia, e que a praia fica na entrada da Terra dos Druidas. Ele de alguma forma misteriosa, saído da Terra dos Druidas. E agora, ele está completamente sozinho.

Sua mãe havia desaparecido.

Thor olha para o seu pulso, para o seu novo bracelete dourado com o diamante negro no meio, e se sente transformado. Ele sente a presença de sua mãe com ele, sente o amor dela, e se sente capaz de conquistar o mundo. Ele se sente mais forte do que nunca. Ele se sente preparado para encarar uma batalha contra qualquer inimigo, para salvar sua esposa e seu filho.

Ao ouvir um ronronar, Thor olha para o lado e fica feliz ao ver Mycoples sentada não muito longe, levantando lentamente suas grandes asas. Ela ronrona e caminha na direção dele, e Thor sente que Mycoples também está pronta.

Quando ela se aproxima, Thor olha para baixo e fica surpreso ao ver algo na areia da praia, que estava escondido embaixo dela. É algo branco, grande e redondo. Thor olha mais de perto e vê que se trata de um ovo.

O ovo de um dragão.

Mycoples olha para Thor, que também olha para ela, surpreso. Mycoples olha novamente para o ovo com tristeza, como se não quisesse deixá-lo mas sabendo que não tinha escolha. Thor observa o ovo com espanto, e se pergunta que tipo de dragão ela e Ralibar teriam. Ele sente que seria o maior dragão que a humanidade jamais tinha visto.

Thor monta em Mycoples, e os dois olham para a Terra dos Druidas uma última vez, contemplando aquela terra misteriosa que havia recebido Thor, e que então o havia expulso. É um lugar que ainda causa muita admiração em Thor, um lugar que ele jamais entenderia completamente.

Thor então se vira e olha para o grande oceano diante dele.

"É hora de encararmos a guerra, minha amiga," Thor fala com a voz firme, confiante – a voz de um homem, de um guerreiro – de um futuro rei.

Mycoples ruge, erguendo suas grandes asas, e leva Thor para cima sobre o grande oceano, para longe daquele mundo, na direção de Guwayne, Gwendolyn, Romulus e de seus dragões – em direção a batalha da vida de Thor.

CAPÍTULO QUATRO

Romulus está na proa de seu navio, à frente de sua frota com milhares de navios atrás dele, observando o horizonte com uma expressão de satisfação em seu rosto. Acima dele, seu exército de dragões o acompanha, seus rugidos preenchendo o ar enquanto enfrentam Ralibar em uma luta desleal. Romulus assiste a luta, enfiando suas unhas compridas na grade de madeira enquanto observa as bestas atacando Ralibar e empurrando o dragão para dentro do mar repetidas vezes, segurando-o debaixo d´água.

Romulus grita de alegria e aperta a grade com tanta força que a madeira se desfaz entre seus dedos enquanto ele observa os dragões dispararem pelo céu, sem qualquer sinal de Ralibar. Ele ergue as mãos acima de sua cabeça e se inclina para a frente, com uma sensação de poder em suas mãos.

"Vão em frente meus dragões," ele sussurra, com um brilho no olhar. "Vão."

Assim que ele pronuncia essas palavras os dragões se viram na direção das Ilhas Superiores; eles se apressam, rugindo e batendo ainda mais suas asas. Romulus se sente controlando-os,, sentindo-se invencível, capaz de controlar qualquer coisa no universo. Afinal de contas, a sua lua ainda não havia terminado. O seu período de poder logo terminaria, mas por ora, nada no universo poderia detê-lo.

Os olhas de Romulus brilham ao observar seus dragões se aproximarem as Ilhas Superiores, e ver homens, mulheres e crianças correrem gritando enquanto fogem de seu caminho. Ele assiste com satisfação quando as chamas começam a cair e as pessoas começam a ser incendiadas, e a ilha é consumida por uma bola de fogo e destruição. Ele fica extremamente feliz ao ver tudo ser destruído, da mesma forma que ele tinha visto o Anel ser reduzido a cinzas.

Gwendolyn havia conseguido escapar dele – mas desta vez, não havia para onde escapar. Finalmente, o último dos MacGil seria esmagado de uma vez por todas. Finalmente, não havia mais qualquer lugar no universo que ainda não estava sob seu domínio.

Romulus se vira e olha para seus milhares de navios, – observando sua imensa frota que domina o horizonte, respirando fundo e inclinando-se para trás. Ele olha para o céu e ergue os braços para os lados com as palmas viradas para cima, e então dá um horrível grito de vitória.

CAPÍTULO CINCO

Gwendolyn está no porão cavernoso, amontoada com dezenas de seus companheiros, escutando a terra tremer e queimar acima deles. Seu corpo estremece a cada barulho. A terra treme com força suficiente para derrubá-los algumas vezes quando, acima deles, grandes pedaços de rochas caem no chão – como se fossem brinquedos nas mãos dos dragões. O som das pedras rolando ecoa sem parar na mente de Gwendolyn, como se o mundo inteiro estivesse sendo destruído.

O calor se torna cada vez mais intenso no subsolo à medida que os dragões começam a assoprar fogo nas portas de aço acima deles repetidas vezes, como se soubessem que eles estavam escondidos ali embaixo. Embora as chamas sejam barradas pelo aço, a fumaça passa pelas frestas, fazendo com que fique cada vez mais difícil respirar ali embaixo e causando várias crises incontroláveis de tosse.

De repente há um barulho inconfundível de pedra batendo contra o aço, e Gwen assiste horrorizada quando as portas de aço se dobram e chacoalham, praticamente se rompendo. Obviamente, os dragões sabem que eles estão ali, e estão se esforçando ao máximo para conseguirem acesso.

"Quanto tempo as portas resistirão?" Gwen pergunta para Matus, que está parado por perto.

"Eu não sei ao certo," Matus responde. "Meu pai construiu este lugar para resistir a ataques de inimigos – e não dragões. Eu não acredito que vá resistir por muito mais tempo."

Gwen sente a morte se aproximando dela à medida que o quarto se torna cada vez mais quente, sentindo-se como se estivesse em pé sob uma terra em brasa. Fica cada vez mais difícil enxergar por causa da fumaça, e o chão treme quando mais destroços são jogados várias vezes, e pequenos pedaços do teto e poeira caem sobre suas cabeças.

Gwen olha ao seu redor para os rostos aterrorizados das pessoas em torno dela, e não consegue evitar pensar se, ao se esconderem ali, eles haviam se condenado a uma morte lenta e dolorosa. Ela começa a se questionar se talvez, as pessoas que haviam morrido imediatamente lá em cima tinham tido mais sorte.

De repente há um silêncio quando os dragões parecem voar para outro lugar. Gwen se surpreende, e começa a se perguntar para onde eles poderiam ter ido, e então ela ouve um grande barulho de rochas e a terra treme com tanta violência que todos no quarto caem no chão. O barulho tinha sido distante, e a terra treme por duas vezes, como se estivesse havendo um deslizamento de terra.

"O forte de Tirus," Kendrick fala, aproximando-se dela. "Eles devem tê-lo destruído."

Gwen olha para cima e percebe que ele provavelmente estava certo. O que mais teria causado tamanha avalanche de pedras? Claramente, os dragões estavam com muito ódio, e determinados a destruir todas as coisas que existiam naquelas ilhas. Ela sabe que seria apenas uma questão de tempo até que eles conseguissem entrar ali também.

Durante a repentina pausa, Gwen se surpreende ao ouvir o som estridente do choro de um bebê cortando o ar. O som perfura o coração de Gwen como uma faca. Ela não consegue evitar pensar em Guwayne, e à medida que o som se torna mais alto, uma parte de Gwen, ainda perturbada, se convence que realmente se trata dele, chorando por ela em algum lugar lá em cima. Ela sabe que, racionalmente, aquilo seria impossível; seu filho está em algum lugar no meio do oceano, longe dali. E ao mesmo tempo, seu coração torce para que seja ele.

"Meu bebê!" ela grita. "Ele está lá em cima Eu preciso salvá-lo!"

Gwen corre para a escada, quando de repente ela sente uma mão forte segurando a dela.

Ela se vira e vê seu irmão Reece a segurando com força.

"Minha senhora," ele diz. "Guwayne está longe daqui. Este choro é de outro bebê."

Gwen não quer acreditar que isso seja verdade.

"Mas ainda assim, ele é apenas uma criança," ela diz. "E está completamente sozinho lá em cima. "Não posso permitir que ele morra."

"Se você for lá em cima," Kendrick diz, dando um passo adiante, tossindo por causa da fumaça, "teremos que fechar a porta assim que você sair, e você ficará completamente sozinha lá em cima. E poderá morrer."

Gwen não consegue pensar com clareza. Em sua mente, há um bebê sozinho lá em cima, e ela sabe acima de tudo, que ela precisa salvá-lo – não importa o que aconteça.

Gwen se desvencilha de Reece e corre para a escada. Ela sobe os degraus três de cada vez, levanta a barra de metal que bloqueia as portas, e as empurra com o ombro, forçando para abri´las com toda sua força.

Gwen grita de dor ao fazer isso – já que as portas estão quentes por causa das chamas dos dragões – e rapidamente se afasta, determinada, ela cobre as mãos com as mangas de seu vestido e volta a empurrar.

Ela tosse sem parar ao sair ao ar livre, e nuvens de fumaça preta saem no subsolo junto com ela. Ao atingir a superfície, ela fecha os olhos diante da claridade, e então começa a procurar – levando a mão aos olhos, e fica surpresa ao se deparar com a onda de destruição diante dela. Tudo que existia apenas instantes antes agora tinha sido reduzido a pilhas de destroços fumegantes e carbonizados.

Ela volta a ouvir o choro do bebê, mais alto ali em cima, e olha à sua volta, esperando que a nuvem de fumaça se dissipe; então, ela vê, do outro lado do pátio, um bebê no chão, enrolado em um manto. Perto dele, ela encontra seus pais, queimados vivos, obviamente mortos. De alguma forma, o bebê havia sobrevivido. Talvez, Gwen pensa com uma pontada de tristeza, a mãe dele tenha morrido ao tentar salvá-lo das chamas.

De repente, Kendrick, Reece, Godfrey e Steffen surgem ao lado dela.

"Minha senhora, você deve voltar agora!" implora Steffen. "Você vai morrer aqui em cima."

"O bebê," Gwen fala. "Eu preciso salvá-lo."

"Isso não é possível," insiste Godfrey. "Você não conseguirá sobreviver!"

Gwen não se importa mais. Sua mente está determinada, e tudo o que ela pode ver, tudo que ela consegue pensar, é em salvar aquele bebê. Ela bloqueia o resto do mundo e sabe que, tanto quanto ela precisa respirar, ela também precisa salvá-lo.

Os outros tentam segurá-la, mas Gwen não se intimida; ela se desvencilha deles e corre na direção da criança.

Ela corre o mais rápido que pode, com o coração aos pulos enquanto atravessa os escombros e as nuvens de fumaça escura em meio às chamas. A fumaça negra age como um escudo e, por sorte, os dragões não a vêem. Gwen atravessa o pátio, correndo pela fumaça, vendo apenas o bebê e ouvindo apenas o seu choro.

Ela corre sem parar com seus pulmões quase explodindo, até que finalmente o alcança. Ela se ajoelha e o pega no colo e imediatamente examina seu rosto, e uma parte dela espera ver Guwayne.

Ela se decepciona ao perceber que não se trata de seu filho; é uma menina. Ela tem lindos olhos azuis cheios de lágrimas, gritando e tremendo com suas mãozinhas fechadas. Mesmo assim, Gwen fica feliz em segurar outro bebê em seus braços, sentindo como se de alguma forma estivesse compensando o fato de ter mandado Guwayne para o meio do mar. E ela já pode perceber, depois ver brevemente os lindos olhos do bebê, que ela é realmente linda.

As nuvens de fumaça se dissipam, e Gwendolyn repentinamente se encontra exposta no lado oposto do pátio, segurando o bebê que ainda chora. Ela olha para cima e vê, a menos de cem metros, uma dúzia de dragões enfurecidos com enormes olhos brilhantes virarem na direção dela. Eles fixam seus olhares em Gwen com alegria e fúria, e ela pode ver que eles já se preparam para matá-la.

Os dragões se lançam no ar, batendo suas grandes asas, enormes quando vistos de tão perto, e começam a voar na direção dela. Gwen se prepara, parada ali segurando o bebê, sabendo que nunca conseguiria voltar a tempo.

De repente, ela ouve o som de espadas, e Gwen vê seus irmãos Reece, Kendrick e Godfrey, além de Steffen, Brandt, Atme e todos os membros da Legião se aproximando com suas espadas e escudos para garantirem a sua proteção. Eles formam um círculo ao redor dela, segurando seus escudos em direção ao céu, e todos se preparam para morrer junto dela. Gwen fica profundamente tocada e inspirada pela coragem deles.

Os dragões os atacam, abrindo suas grandes mandíbulas, e eles se preparam para a inevitável onde de fogo que certamente os mataria, Gwen fecha os olhos e vê seu pai, vê todas as pessoas que tinham sido importantes em sua vida, e se prepara para reencontrá-los.

De repente, ela ouve um terrível grito e se encolhe, presumindo que o primeiro ataque tivesse acontecido.

Mas então Gwen percebe que aquele tinha sido um grito diferente, um grito que ela reconhecia: o grito de um amigo antigo.

Ela olha para o céu atrás dela, e se surpreende ao avistar um único dragão se aproximando no céu, apressando-se para enfrentar os dragões que lutam com ela. Ela fica ainda mais feliz em ver, montado em cima dele, o homem que ela mais ama no mundo:

Thorgrin.

Ela havia voltado.

CAPÍTULO SEIS

Thor monta nas costas de Mycoples, atravessando as nuvens, tão rápido que ele mal consegue respirar, enquanto ele avança em direção ao exército de dragões e se prepara para a batalha. O bracelete de Thor pulsa em seu antebraço, e ele sente que sua mãe o tinha presenteado com um novo poder que ele mal consegue compreender; é como se não houvesse uma linha entre o tempo e o espaço. Thor mal havia pensado em voltar, e mal tinha decolado das margens da Terra dos Druidas, e de repente ela já estava ali, acima das Ilhas Superiores, voando em direção ao exército de dragões. Thor tem a sensação de que tinha sido magicamente transportado até ali, como se tivesse viajado por uma fenda no tempo ou no espaço – como se sua mãe o tivesse enviado até ali, ou permitido que ele conseguisse realizar o impossível, voando mais rápido do que jamais havia feito antes. Ele sente que sua mãe o tinha presenteado com o dom da velocidade.

Quando Thor espia através da cobertura das nuvens, um imenso dragão aparece diante de sua visão, circulando as Ilhas Superiores e prestes a assoprar fogo sobre elas. Thor olha para baixo e seu coração se aperta ao ver que a ilha já está completamente tomada pelas chamas, praticamente destruída. Ele se pergunta com temor se alguém teria conseguido sobreviver ao ataque; e não vê como isso seria possível. Ele teria chegado tarde demais?

Mas assim que Mycoples mergulha, ao chegar mais perto, os olhos de Thor se concentram em uma única pessoa, que o atrai como um ímã à medida que ele a identifica no meio do caos. Gwendolyn.

Ali estava ela, sua noiva, em pé no meio do pátio, destemida como de costume, segurando um bebê e cercada por todas as pessoas que Thor mais ama, todos segurando seus escudos em direção ao céu para protegê-la do ataque dos dragões. Thor assiste horrorizado quando os dragões abrem suas grandes mandíbulas e se preparam para assoprar fogo que ele sabe, em apenas alguns instantes, mataria Gwendolyn e todas as pessoas que ele ama.

“MERGULHE!" Thor grita para Mycoples.

Mycoples não precisa de mais encorajamento: ela mergulha mais rápido do que Thor poderia imaginar, tão rápido que ele mal consegue respirar, e ele se segura firme, descendo quase verticalmente. Dentro de instantes, ela chega perto de três dragões que estão prestes a atacar Gwendolyn, e com um forte rugido sua mandíbula se abre e ela estende suas garras diante dela e ataca os dragões desavisados.

Mycoples se choca contra os dragões, impulsionada pela descida, caindo sobre eles ao mesmo tempo em que arranha um deles com suas enormes garras e morde outro – batendo no terceiro com suas asas. Ela chega até eles momentos antes que eles cuspissem fogo em Gwendolyn, empurrando-os de cara no chão.

Todos os dragões caem juntos, e uma grande nuvem de poeira se levanta; o impacto é tão forte que eles ficam presos no chão de terra, afundados com suas garras para cima. Quando eles aterrissam, Thor se vira e vê a expressão surpresa no rosto de Gwendolyn, e ele agradece a Deus por tê-la salvo a tempo.

Há um grande rugido, e Thor olha para o céu e vê um exército de dragões se aproximando.

Mycoples já está se virando e voando na direção deles, preparando-se para atacá-los sem demonstrar qualquer temor. Thor está desarmado, mas ele se sente diferente do que havia se sentido antes ao enfrentar uma batalha: pela primeira vez em sua vida, ele não sente a necessidade de usar armas. Ele sente que ele pode invocar e depender do poder que existe dentro dele mesmo. Seu verdadeiro poder. O poder que sua mãe havia despertado dentro dele.

À medida que eles se aproximam, Thor ergue seu pulso, mirando seu bracelete dourado na direção deles, e uma luz emana do diamante dourado no centro dele. Uma luz amarela envolve o dragão mais próximo deles, no meio do grupo, empurrando-o para trás pelo meio do ar, fazendo-o colidir com o resto dos dragões.

Mycoples, em um surto de raiva e determinada a se vingar, voa para o meio do exército de dragões, lutando e abrindo caminho através deles. Ela enfia suas presas no pescoço de um e arremessa outro para longe, enfrentando todos os dragões que cruzam a sua frente. Ela se agarra a um dragão até que seu corpo fica inerte, e então ela o deixa cair; ele despenca como uma enorme rocha até o chão e, ao encontrar o solo, faz a terra tremer. Thor pode ouvir o impacto de onde está, pois ele causa um pequeno terremoto.

Ele olha para baixo e vê Gwen e os outros correrem para o esconderijo, e percebe para onde deve guiar os dragões, para longe da ilha, longe de Gwendolyn, de forma a lhes dar uma chance de escapar. Se ele puder levar os dragões para o meio do mar, ele poderia atraí-los para longe e lutar com eles longe dali.

"Vamos para o mar aberto!" Thor grita.

Mycoples segue o seu comando, e eles se viram e voam através do grupo de dragões para o outro lado da ilha.

Thor olha para trás ao ouvir outro rugido, e sente o calor distante das chamas lançadas em sua direção. Ele fica satisfeito ao ver que seu plano está funcionando: todos os dragões estão abandonando as Ilhas Superiores, e começam a segui-lo para o alto mar. À distância, abaixo dele, Thor localiza a frota de Romulus cobrindo o oceano, e ele sabe que, se de alguma forma ele sobrevivesse aos dragões, ele ainda teria que enfrentar um exército de um milhão de homens. Ele sabe que provavelmente não sobreviveria à esse confronto. Mas, ao menos, ele conseguiria dar algum tempo para Gwendolyn e seus amigos.

Pelo menos Gwendolyn sobreviveria.

*

Gwen fica em pé no que ainda resta do pátio da antiga corte de Tirus, ainda com o bebê em seus braços, olhando para céu com espanto, alívio e tristeza ao mesmo tempo. Seu coração se enche de alegria por ter visto Thor mais uma vez, o amor de sua vida, vivo, de volta para ela – e com Mycoples ainda por cima. Com ele ali, ela sente que uma parte dela havia sido restaurada, e ela sente como se tudo fosse possível mais uma vez. Ela sente algo que ela já não sentia há muito tempo: a vontade viver novamente.

Seus homens lentamente baixam seus escudos enquanto observam os dragões se afastando, finalmente deixando as ilhas, voltando para o alto mar. Gwen olha ao seu redor e vê a devastação que eles haviam deixado para trás, grandes pilhas de destroços, chamas por todos os lados, e dragões mortos deitados pelo pátio. É como se a Ilha tivesse sido destruída por uma guerra.

Gwen também vê o que devem ter sido os pais do bebê, dois corpos deitados próximos dali, ao lado do local onde Gwen a havia encontrado. Ela olha dentro dos olhos da criança e percebe que ela é provavelmente tudo o que lhe resta no mundo. Gwen a abraça com força.

"Essa é nossa chance, minha senhora!" Kendrick diz. "Devemos evacuar imediatamente!"

"OS dragões estão distraídos," completa Godfrey. "Pelo menos por agora. Sabe-se lá quando eles vão voltar. Devemos sair daqui imediatamente."

"Mas o Anel já não existe," comenta Aberthol. "Para onde iríamos?"

"Qualquer lugar, menor aqui," responde Kendrick.

Gwen ouve essas palavras, mas elas estão muito distantes em sua mente; em vez disso, ela olha para o céu e observa Thor voando na distância, com seu coração cheio de saudade.

"E o que me dizem de Thorgrin?" ela questiona. "Devemos simplesmente deixá-lo, sozinho aqui?"

Kendrick e os demais se contorcem, seus rostos comunicando sua decepção. Obviamente, a ideia também os perturba.

"Lutaríamos com Thorgrin até a morte se pudéssemos, minha senhora," Reece fala. "Mas não podemos. Ele está no céu, acima do oceano, muito longe daqui. Nenhum de nós possui um dragão. Nem mesmo um poder igual ao dele. Não podemos ajudá-lo. Agora devemos ajudar aqueles que podemos ajudar. É para isso que Thor se sacrificou. É para isso que Thor dedicou sua vida. Devemos usar a oportunidade que ele nos deu."

"O que ainda resta de nossa frota está do outro lado da ilha," continua Srog. "Foi muito sábio de sua parte esconder aqueles navios. Agora devemos usá-los. Devemos reunir os sobreviventes, e deixar esse lugar imediatamente – antes que eles voltem."

A mente de Gwendolyn fervilha com emoções conflitantes. Ela gostaria muito de ir salvar Thor; mas ao mesmo tempo, ela sabe que, esperar ali com todas aquelas pessoas, não seria nada bom. Os outros tinham razão: Thor havia colocado sua vida em risco para a segurança deles. Suas ações teriam sido em vão se ela não tentasse salvar aquelas pessoas enquanto pudesse.

E outro pensamento invade a mente de Gwen. Guwayne. Se eles partissem agora, e se apressassem para o mar aberto, talvez ainda pudessem encontrá-lo. E a ideia de rever seu filho a enche de esperança e vontade de viver novamente.

Finalmente, Gwen assente, segurando o bebê e se preparando para partir.

"Muito bem," ela responde. "Vamos encontrar meu filho."

*

O rugido dos dragões fica cada vez alto atrás de Thor à medida que os dragões se aproximam, seguindo-os enquanto ele e Mycoples voam cada vez mais longe das Ilhas Superiores, sobrevoando o oceano. Thor sente uma onda de fogo se aproximando de suas costas, prestes a envolvê-lo, e sabe se que não fizer algo logo, ele morrerá em breve.

Ele fecha os olhos, sem medo de invocar o poder dentro dele, sem sentir mais a necessidade de depender de qualquer arma ou poder físico. Ao fechar os olhos, ele se lembra do tempo que havia passado na Terra dos Druidas, e do poder que havia tido então, do quanto havia sido capaz de influenciar tudo à sua volta com o poder de sua mente. Ele se lembra do poder que existe dentro dele, de como o universo é apenas uma extensão da mente dele.

Thor força seu poder a vir à superfície, e imagina uma grande parede de gelo atrás dele, protegendo-o do fogo que vem em sua direção. Ele se imagina completamente coberto por um escudo de gelo – ele e Mycoples, protegidos da parede de fogo dos dragões.

Thor abre os olhos e se surpreende ao sentir frio, e ver uma tremenda parede de gelo à sua volta, exatamente da forma como havia imaginado, com um metro de espessura e azul resplandescente. Ele olha para trás e vê as chamas dos dragões se aproximarem – e serem interrompidas pela parede de gelo, liberando vapor ao encostarem em seu escudo protetor. Os dragões ficam irados.

Thor circula quando a parede de gelo derrete, e decide enfrentar o exército de dragões de frente. Mycoples voa na direção deles destemidamente – e os dragões obviamente não esperavam por esse tipo de ataque.

Mycoples salta para a frente, estende suas garras e agarra um dos dragões pelas mandibulas, girando e arremessando-o para o lado; o dragão vai girando descontroladamente e vai no oceano abaixo deles.

Antes que ela possa se se reagrupar, Mycoples é atacada por outro dragão, que fecha suas mandíbulas na lateral de seu corpo. Ela grita, e Thor reage imediatamente. Ele salta para fora dela, pula em cima do nariz do dragão, corre pela cabeça dele e rapidamente monta em suas costas. O dragão não solta Mycoples, e se contorce tentando se livrar de Thor, que se agarra com força enquanto tenta controlar o dragão hostil.

Ao mesmo tempo, Mycoples morde a cauda de outro dragão, arrancando-a com sua forte mordida. O dragão grita e cai no mar – mas logo vários outros dragões partem para cima de Mycoples, que fecham suas mandibulas em suas patas.

Thor, enquanto isso, ainda se segura ao dragão, determinado a controlá-lo. Ele se força a permanecer calmo e a se lembrar que o segredo de tudo estava na mente dele. Ele pode sentir o tremendo poder daquele besta primitiva e antiga correndo por suas veias. E ao fechar seus olhos, ele para de resistir, e começa a se sentir em sintonia com a fera. Ele sente o coração do animal. seu pulso e sua mente. E lentamente se torna uma só criatura com a fera.

Thor abre os olhos, e o dragão também abre os dele, que agora brilham com uma cor diferente. Thor vê o mundo através dos olhos do dragão. Aquele dragão – aquela besta hostil, havia se tornado uma extensão de Thor. O que ele via, Thor também via. Thor comandava – e ele obedecia.

O dragão, a um comando de Thor, solta Mycoples; então ele dá um rugido e avança, enfiando suas presas nos três dragões que atacavam Mycoples, partindo-os em pedaços.

Os outros dragões não esperavam por isso; antes que eles possam se reorganizar, Thor ataca meia dúzia deles usando seu novo dragão para morder seus pescoços, pegando-os desprevenidos e mutilando um dragão após o outro. Thor parte para cima de mais três dragões e faz com que o dragão morda suas asas, arrancando-as de seus corpos e derrubando os dragões que despencam como pedras até o mar.

De repente, Thor é surpreendido por um ataque lateral; o dragão abre sua mandíbula e enfia suas presas em Thor.

Ele dá um grito quando uma longa presa perfura suas costelas e o derruba de cima de seu dragão, fazendo com que ele caia pelo ar. Ele se vê despencando em direção ao mar, ferido, e percebe que está prestes a morrer.

Pelo canto do olho, Thor vê Mycoples mergulhando abaixo dele – e quando ele menos espera, ele aterrissa em cima das costas dela, salvo pela sua velha amiga. Os dois estão juntos novamente, ambos feridos.

Thor, respirando com dificuldade, com a mão em sua ferida, analisa os danos que eles haviam causado: uma dúzia de dragões estão mortos ou mutilados, boiando no oceano abaixo deles. Eles tinham se saído bem, apenas os dois, bem melhor do que ele havia imaginado.

Ainda assim, Thor ouve um rugido terrível e, ao olhar para cima vê que ainda restam várias dezenas de dragões. Ofegante, Thor sabe que aquela tinha sido uma luta valente, mas que suas chances que vitória eram bem pequenas. De qualquer forma, ele não hesita; ele voa destemidamente para cima, correndo para enfrentar os dragões que os desafiam.

Mycoples grita e assopra fogo quando eles lançam chamas na direção de Thor. Thor mais uma vez usa seus poderes para lançar uma parede de gelo ao redor deles, impedindo que as chamas dos dragões os alcancem. Ele se segura a Mycoples quando ela enfrenta o grupo, mordendo e arranhando enquanto luta por sua vida. Mycoples sofre alguns ferimentos, mas não permite que isso diminua seu ritmo, ferindo dragões em todas as direções. Thor junta-se à ela, erguendo seu bracelete e mirando de dragão em dragão; ele lança um feixe de luz branca e joga os dragões para longe de Mycoples enquanto ela luta.

Thor e Mycoples continuam lutando, ambos cobertos de feridas, sangrando e absolutamente exaustos.

Mesmo assim, ainda restam dezenas de dragões.

Ao erguer o bracelete novamente, ele sente o poder dele se esgotando – na verdade, ele sente seu próprio poder se esgotando. Thor é poderoso, ele sabe disso, mas não é poderoso o suficiente ainda; ele sabe que não seria capaz de resistir a essa luta até o fim.

Thor olha para cima vê grandes asas diante de seu rosto, seguidas de garras afiadas, e assiste impotentemente quando elas perfuram o pescoço de Mycoples. Thor segura firme quando o dragão agarra Mycoples e então fecha suas mandíbulas em sua cauda e a arremessa para longe.

Os dois são jogados pelo ar, dando cambalhotas enquanto despencam descontroladamente em direção ao oceano.

Eles caem na água e Thor continua segurando quando ambos mergulham abaixo da superfície. Thor se movimenta debaixo d'água, até que finalmente eles param de afundar. Mycoples se vira e começa a nadar para cima, na direção da luz do sol.

Ao emergirem, Thor respira fundo, lutando por ar, nadando pelas águas frias enquanto ainda se segura firme em Mycoples. Os dois flutuam na água, e ao fazerem isso, Thor olha para o lado e vê algo que ele jamais conseguiria esquecer: flutuando próximo a eles, com os olhos abertos, morto, está um dragão que ele havia aprendido a amar: Ralibar.

Mycoples o vê ao mesmo temo, e assim que ela o identifica, algo toma conta dela, algo que Thor nunca tinha visto antes: ela dá um grito de tristeza e dor e ergue suas asas bem no alto, estendendo-as completamente. Todo seu corpo treme enquanto ela solta um rugido terrível, que faz tremer todo o universo. Thor vê uma transformação em seus olhos, que brilham com cores diferentes, até finalmente cintilarem em amarelo e branco.

Mycoples vira, um dragão transformado, e olha para o exército de dragões que se aproxima deles. Algo dentro dela, Thor percebe, havia mudado. Seu luto havia se transformado em ódio, e havia lhe dado uma força diferente de tudo que Thor já tinha visto. Ela agora era um dragão possuído.

Mycoples voa a toda velocidade, com seus ferimentos sangrando – mas sem se importar. Thor também sente uma nova descarga de energia, e uma sede de vingança. Ralibar tinha sido um amigo muito próximo, havia sacrificado sua vida por todos eles, e Thor está determinado e corrigir aquele erro.

Enquanto avançam na direção dos dragões, Thor salta das costas de Mycoples para cima do focinho dragão mais próximo, ao mesmo tempo em que abraça suas mandíbulas para impedi-lo de abri-las. Thor invoca o poder que ainda lhe resta, e gira o dragão no ar, arremessando-o com toda a sua força. O dragão sai voando, levando mais dois dragões com ele, e os três dragões caem no oceano abaixo deles.

Mycoples vira no ar e pega Thor enquanto ele cai, e ele aterrissa em suas costas enquanto eles continuam avançando na direção dos dragões que ainda restam. Ela enfrenta cada rugido deles com seu próprio rugido, mordendo com mais força, voando mais rápido e cortando mais profundamente que eles. Quanto mais eles a machucam, menos ela parece se importar. Ela é um furacão de destruição – assim como Thor, e quando ambos terminam, Thor percebe que não resta um único dragão voando no céu para enfrentá-los: todos tinham sido derrubados dali de cima até o mar, mutilados ou simplesmente mortos.

Thor se vê voando sozinho com Mycoples, circulando os dragões mortos enquanto avalia o dano causado. Os dois respiram com dificuldade, sangrando muito. Ele sabe que Mycoples está dando seus últimos suspiros – ele vê sangue saindo pela sua boca, e percebe que ela respira com extrema dificuldade, sentindo uma dor mortal.

"Não, minha amiga," Thor diz, tentando conter suas lágrimas. "Você não pode morrer."

A minha hora chegou, Thor a houve dizer. Pelo menos, terei morrido com dignidade.

"Não," insiste Thor. "Você não pode morrer!"

Mycoples cospe sangue, e o bater de suas asas se torna mais fraco e eles começam a descer em direção ao oceano.

Ainda resta uma última luta em mim, Mycoples diz. E eu quero que meus últimos momentos sejam uma demonstração de coragem.

Mycoples olha para a frente, e Thor segue a direção de seu olhar e vê a frota de Romulus se espalhando até o horizonte.

Thor assente com uma expressão séria no rosto. Ele sabe o que Mycoples quer fazer. Ela deseja encontrar sua morte em uma última batalha.

Thor, ferido gravemente, respirando com dificuldade e sentindo como se ele próprio talvez não fosse sair vivo daquele confronto, deseja morrer daquela maneira também. Ele se pergunta se as profecias de sua mãe seriam mesmo verdade. Ela havia dito que ele poderia alterar seu próprio destino. Ele teria feito isso? Thor se pergunta. Ele morreria ali, agora?

"Então vamos nessa, amiga," Thorgrin diz.

Mycoples dá um grito com raiva e, juntos, os dois mergulham em direção à frota de Romulus.

Thor sente o vento e as nuvens passando por seus cabelos e pelo seu rosto e também solta um grande grito de batalha. Mycoples ruge para se igualar à sua raiva e eles mergulham ainda mais; ela abre suas grande mandíbulas e assopra fogo sobre a frota de Romulus.

Logo, uma parede de fogo se esparrama pelo oceano, incendiando um navio após o outro. Dezenas de milhares de navios estão diante deles, mas Mycoples não desanima, abrindo sua mandíbula e assoprando fogo sem desistir. As chamas se espalham como se fossem uma parede contínua, e os gritos dos homens preenchem o ar.

O fogo de Mycoples começa a enfraquecer e, logo nenhum fogo sai quando ela assopra. Thor sabe que ela está morrendo diante de seus olhos. Ela voa cada vez mais baixo, fraca demais para cuspir fogo. Mas ela ainda não está fraca demais para usar seu corpo como uma arma, e em vez de assoprar fogo, ela abaixa até os níveis dos navios mirando suas escamas enrijecidas para cima deles, como um meteoro caindo do céu.

Thor se prepara para o impacto e se segura com toda a sua força enquanto ela mergulha direto para cima dos navios, e o som de madeira se partindo preenche o ar. Ela atravessa diversos navios, um depois do outro, indo e voltando enquanto destrói vários navios, Thor se segura ao mesmo tempo em que pedaços de madeira voam ao seu redor vindos de todas as direções.

Finalmente, Mycoples não consegue mais seguir em frente. Ela para no meio da frota, flutuando na água, depois de ter destruído muitos navios, mas ainda cercada por milhares deles. Thor continua montado nela enquanto ela flutua, respirando suavemente,

Os navios que ainda restam se voltam na direção deles. Logo o céu se escurece, e Thor ouve um zumbido. Ele olha para cima e vê uma chuva de flechas se aproximando deles. De repente, ele é invadido por uma dor alucinante ao ser perfurado por dezenas de flechas sem ter onde se esconder. Mycoples também é ferida pelas flechas, e ambos começas a afundar nas ondas, dois grandes heróis que acabavam de lutar a maior batalha de suas vidas. Eles havia destruído os dragões e grande parte da frota do Império. Eles tinham feito mais do que um exército inteiro tinha sido capaz de fazer.

Mas agora não lhes restava qualquer alternativa, eles poderiam morrer. Enquanto Thor é ferido por flecha após flecha, afundando cada vez mais, ele sabe que não lhe resta mais nada a fazer a não ser se preparar para morrer.

CAPÍTULO SETE

Alistair se vê em pé sob uma passarela suspensa e, ao olhar baixo, ela vê ondas arrebentando violentamente contra grandes rochas pontiagudas, o som preenchendo os seus ouvidos. Uma forte rajada de vento a desequilibra e, ao olhar Alistair para cima, como em tantos outros sonhos em sua vida, ela vê um castelo construído em cima de um penhasco, protegido por uma enorme e brilhante porta de ouro. Diante dela está uma única figura solitária, uma silhueta, com as mãos estendidas como se para abraçá-la – embora Alistair não possa ver seu rosto.

"Minha filha," a mulher diz.

Ela tenta dar um passo na direção dela, mas suas pernas estão presas, e ela olha para baixo e percebe que ela está algemada ao chão. Por mais que ela tente, Alistair não consegue se mover.

Ela estica os braços para tentar alcançar sua mãe e chora desesperadamente: "Mamãe, salve-me!

De repente, Alistair sente o mundo passar diante de seus olhos, sente seu corpo despencando, e vê que a passarela está desmoronando sob seus pés. Ela cai com as algemas penduradas atrás dela, e despenca em direção ao oceano levando uma seção inteira da passarela junto com ela.

Alistair se sente entorpecida quando seu corpo afunda nas águas gélidas dos oceano, ainda algemada. Ela se sente afundando, e ao olhar para cima vê a luz do sol ficando cada vez mais distante.

Alistair abre os olhos e se vê sentada em uma pequena cela de pedra, em um lugar que ela não reconhece. Diante dela está sentada uma única figura, e ela o reconhece vagamente: O pai de Erec. O rosto dele se contorce ao olhar para ela.

"Você matou meu filho," ele diz. "Por que?"

"Eu não o matei!" ela protesta.

Ele faz uma careta;

"Você será sentenciada à morte," continua ele.

"Eu já disse que não matei Erec!" Protesta Alistair. Ela fica em pé e tenta partir para cima dele, mas mais uma vez se vê algemada, desta vez à parede.

Uma dúzia de guardas aparece atrás do pai de Erec, vestindo armaduras negras e elmos formidáveis – e o som de suas esporas preenche a cela. Eles se aproximam e agarram Alistair com violência, arrancando-a da parede. Mas seus pés ainda estão presos, e eles esticam seu corpo cada vez mais.

""Não!" Alistair ela grita, sendo praticamente partida ao meio.

Alistair acorda, coberta de suor, e olha a sua volta, tentando descobrir onde está. Ela está desorientada; ela não reconhece a cela pequena e mal iluminada onde se encontra, as antigas paredes de pedra ou as barras de metal nas janelas. Ela se vira, tentando andar, ouve um barulho familiar e olha para baixo e vê que seus calcanhares estão algemados à parede. Ela tenta se soltar, mas não consegue; as algemas de ferro estão apertadas, e cortam sua pele sensível.

Alistair olha ao seu redor e percebe que está em uma pequena cela quase no subsolo, a única luz natural vindo de uma pequena janela cortada na pedra e bloqueada pelas barras de ferro. Ela ouve aplausos e gritos distantes e, curiosa, se aproxima o máximo que pode da janela, inclinando-se para ver um pouco da luz do dia e descobrir onde está.

Alistair vê um grande grupo reunido não muito longe dali – e diante dele está Bowyer, todo pomposo e triunfante.

"Aquela Rainha feiticeira tentou assassinar seu noivo!" Bowyer grita para o grupo. "Ela me procurou com seu plano para matar Erec e se casar comigo em vez de se casar com ele. Mas seus planos fracassaram!"

Um grito indignado se ergue no meio da multidão, e Bowyer espera que eles se acalmem. Ele ergue seus braços e volta a falar.

"Vocês podem ficar calmos, e tenham certeza que eu não permitirei que as Ilhas do Sul sejam regidas por Alistair, ou qualquer outra pessoa que não eu. Agora que Erec está prestes a morrer, serei eu, Bowyer, que irei protegê-los, o segundo colocado na competição das ilhas."

Outro grito de aprovação irrompe entre a multidão, que começa a gritar:

"Rei Bowyer, Rei Bowyer!"

Alistair assiste à cena completamente horrorizada. As coisas estão acontecendo rápido demais, e ela mal consegue processar tudo aquilo. Aquele monstro, Bowyer – vê-lo simplesmente lhe enche de raiva. Aquele mesmo homem que havia tentado matar seu amado Erec estava bem ali, diante de seus olhos, alegando ser completamente inocente, e tentando culpá-la. E pior de tudo, ele seria nomeado Rei, Não haveria justiça?

O que havia acontecido com ela não a incomoda tanto quanto a ideia de Erec estar sofrendo e morrendo aos poucos deitado em alguma cama, ainda precisando de seus cuidados. Ela sabe que se ela não completasse sua cura logo, em breve ele morreria. Ela não se importa se tivesse que ficar ali naquela masmorra para sempre por um crime que não havia cometido – ela apenas quer se certificar que Erec seja curado.

A porta de sua cela subitamente se abre, e Alistair se vira e vê um grande grupo de homens avançar para dentro dela. No centro do grupo está Dauphine, acompanhada pelo irmão de Erec – Strom, e pela mãe deles. Atrás do grupo ela vê diversos guardas reais.

Alistair se levanta para cumprimenta-los, mas suas algemas apertam seus calcanhares, causando uma dor alucinante em suas pernas.

"Está tudo bem com Erec?" Pergunta Alistair, desesperada. Por favor, digam-me a verdade. Ele está vivo?"

"Como ousa perguntar se ele ainda vive," dispara Dauphine.

Alistair olha para a mãe de Erec, torcendo para que ela tenha misericórdia.

"Por favor, apenas me diga se ele ainda está vivo," ela implora, com seu coração se partindo.

A mãe dele assente com uma expressão séria, olhando para ela com desaprovação nos olhos.

"Ele está vivo," ela diz suavemente. "Embora esteja gravemente doente."

"Leve-me até ele!" Alistair insiste. "Por favor. Eu preciso curá-lo!"

Levá-la até ele?” Dauphine repete. "Que audácia. Você não vai a qualquer lugar perto do meu irmão – na verdade, você não vai a parte alguma. Nós só viemos dar uma última olhada em você antes de sua execução."

O coração de Alistair se aperta.

"Execução?" ela pergunta. "Não existe juiz ou juri nesta ilha? Não existe um sistema de justiça?"

Justiça?” Dauphina fala, dando um passo à frente, com o rosto vermelho. “Você ousa clamar por justiça? Nós encontramos uma espada ensaguentada em suas mãos, nosso irmão moribundo em seus braços, e você ousa falar em justiça? A justiça foi servida."

"Mas estou lhes dizendo, eu não o matei!" Insiste Alistair.

"Ah, é verdade," diz Dauphine, sua voz cheia de sarcasmo, "um homem mágico e misterioso entrou no quarto e o matou, e então desapareceu e colocou a arma em suas mãos."

"Não foi um homem misterioso," Alistar fala. "Foi Bowyer. Eu vi com meus próprios olhos. Ele matou Erec."

Dauphine faz uma careta.

"Bowyer nos mostrou o pergaminho que você escreveu para ele. Você o pedia em casamento, contando que planejava matar Erec e se casar com ele depois disso. Você é uma mulher doente. Por acaso ter meu irmão e se tornar rainha não eram o suficiente para você?"

Dauphine entrega o pergaminho para Alistair, e o coração de Alistair se contrai enquanto ela lê as palavras:

Assim que Erec morrer, passaremos nossas vidas juntos

"Mas essa não é a minha caligrafia!" Protesta Alistair. "Esse pergaminho foi falsificado!"

"Ah, claro, tenho certeza que sim," Dauphine diz. "Estou certa de que você tem uma explicação bastante conveniente para tudo isso."

"Eu não escrevi nada disso." Insiste Alistair. "Vocês estão ouvindo o que estão dizendo? Nada disso faz sentido. Por que eu mataria Erec? Eu o amo com todo o meu coração. Nós estávamos praticamente casados."

"E graças ao céus isso não aconteceu," completa Dauphine.

"Vocês têm que acreditar em mim!" Alistair continua insistindo, dirigindo-se para a mãe de Erec. "Bowyer tentou matar Erec. Ele deseja ser rei. Eu não tenho interesse em ser Rainha. Eu nunca tive."

"Não se preocupe," Dauphine declara. "Você nunca se tornará uma. Na verdade, você nem mesmo viverá. Aqui nas Ilhas do Sul, nós fazemos justiça rapidamente. Amanhã mesmo, você será executada."

Alistair balança a cabeça, percebendo que não será possível argumentar com aquelas pessoas. Ela suspira com seu coração pesado.

"É por isso que vieram até aqui?" ela pergunta. "Para me dizer isso?"

Dauphine dá um sorriso e continua em silêncio, e Alistair pode sentir o seu ódio pela maneira como ela olha para ela.

"Não," Dauphine finalmente responde, depois de um silêncio pesado e profundo. "Foi para comunicar-lhe sua sentença, e para dar uma última olhada em seu rosto antes de enviar-lhe ao inferno. Faremos com que você sofra, da mesma forma que nosso irmão sofreu."

De repente, o rosto de Dauphine fica vermelho, e ela salta para a frente com as unhas estendidas. Tudo acontece tão rápido que Alistair não tem tempo de reagir. Dauphine dá um grito profundo ao mesmo tempo em que arranha o rosto de Alistair, puxando seus cabelos. Alistair ergue os braços tentando bloquear o golpe, e os outros se aproximam para tirar Dauphine de cima dela.

"Saiam de cima de mim!" Dauphine grita. "Quero matá-la agora!"

"A justiça será feita amanhã," Strom fala.

"Tirem-na daqui," ordena a mãe de Erec.

Guardas se aproximam e levam Dauphine da cela enquanto ela chuta e grita, protestando. Strom junta-se a eles, e logo a cela fica completamente vazia exceto por Alistair e pela mãe de Erec. Ela para ao lado da porta e se vira lentamente, olhando para Alistair. Alistair analisa o seu rosto procurando por qualquer sinal de bondade e compaixão.

"Por favor, você tem que acreditar em mim," Alistair diz com sinceridade. "Eu não me importo o que os outros pensam a meu respeito. Mas eu me importo com você. Você foi gentil comigo desde o primeiro instante em que nos conhecemos. Você sabe o quanto eu amo o seu filho. Você sabe que eu jamais faria isso."

A mãe de Erec a examina, seus olhos se enchem de lágrimas, e ela parece vacilar.

"É por isso que você ficou para trás, não é?" Alistair pressiona. "É por isso que você continua aqui. Por que você acredita em mim. Por que você sabe que eu tenho razão."

Depois de um longo silêncio, a mãe de Erec finalmente assente. Como se ela tivesse chegado a uma decisão, ela dá alguns passos na direção dela. Alistair pode ver que a mãe de Erec realmente acredita nela, e mal pode se conter.

A mãe dele se aproxima dela e a abraça, e Alistar retribui o gesto e chora em seu ombro. A mãe de Erec também chora e, finalmente, dá um passo atrás.

"Você tem que me ouvir," Alistair diz com urgência. "Eu não me importo com que vai acontecer comigo, ou com o que pensam a meu respeito. Mas Erec – preciso ir até ele. Agora. Ele está morrendo. Eu o curei apenas parcialmente, e preciso terminar a cura. Se eu não fizer isso, ele vai morrer."

A mãe dele olha para Alistair, como se estivesse finalmente percebendo que ela estava dizendo a verdade.

"Depois de tudo que aconteceu," ela fala, "você se importa apenas com meu filho. Posso ver agora que você realmente o ama de verdade – e que jamais teria feito aquilo com ele."

"Mas é claro que não," Alistair responde. "Foi tudo uma armação daquele canalha do Bowyer."

"Eu a levarei até Erec," ela diz. "Isso pode custar nossas vidas, mas se tiver que ser, morreremos tentando. Siga-me."

A mãe dele solta suas algemas, e Alistair rapidamente a segue para fora da cela, atravessando as masmorras e prestes a arriscarem suas vidas para salvar a de Erec.

CAPÍTULO OITO

Gwendolyn fica em pé na proa do navio, cercada pelo seu povo com o bebê em seus braços, deixando que a brisa acaricie o seu rosto. Todos continuam chocados enquanto navegam pelo oceano, já muito longe das Ilhas Superiores. Eles possuem apenas dois navios, tudo o que resta da vasta frota que havia partido do Anel. O povo de Gwendolyn, sua nação, todos os orgulhosos cidadãos do Anel, tinham sido reduzidos a algumas centenas de sobreviventes, uma nação de exilados, navegando sem rumo à procura de um lugar onde pudessem recomeçar. E todos estavam esperando que ela os liderasse.

Gwen observa o mar, examinando o oceano como já vinha fazendo há horas, imune ao frio enquanto encara o nevoeiro ao mesmo tempo em que se esforça para impedir que seu coração se parta. O bebê em seus braços havia finalmente adormecido, e Gwen não consegue parar de pensar em Guwayne. Ela sente raiva de si mesma; ela tinha sido estúpida por ter deixado que o pequeno barco com seu filho fosse levado pelo mar. Naquela hora, aquilo tinha lhe parecido um bom plano, a melhor forma de salvar seu filho da morte iminente. Quem poderia ter previsto o rumo dos acontecimentos, ou que os dragões poderiam ter sido desviados da ilha? Se Thor não tivesse aparecido naquele exato momento, certamente todos eles estariam mortos agora – e Gwen não tinha como prever isso.

Gwen havia conseguido, ao menos, salvar algumas pessoas de seu povo, alguns de seus navios, esse bebê, e eles haviam conseguido, pelo menos, escapar daquela ilha mortífera. Mesmo assim, Gwen ainda se arrepia toda vez que ouve o rugido de um dragão cortando o ar, cada vez mais distante à medida que eles se afastam. Ela fecha os olhos e estremece; ela sabe que uma batalha épica está sendo travada, e que Thor está no centro dela. Mais do que qualquer outra coisa, ela gostaria de estar lá, ao lado dele. Mas ao mesmo tempo, ela sabe que seria inútil. Ela não teria utilidade alguma contra os dragões, e apenas colocaria seu povo em risco enquanto Thor luta contra aqueles monstros.

A imagem do rosto de Thor aparece na mente de Gwen, apenas para desaparecer em seguida, sem lhe dar a chance de falar com ele, para lhe dizer o quanto ela sente a sua falta ou o quanto ela o ama, e isso parte o coração dela.

"Minha senhora, não estamos indo a parte alguma."

Gwendolyn se vira e vê Kendrick ao seu lado – e ao lado dele, Reece, Godfrey e Steffen, todos olhando para ela. Ela percebe que Kendrick estava tentando falar com ela há algum tempo, mas ela mal havia prestado atenção no que ele dizia. Ela olha para baixo e vê que suas mãos estão segurando a grade de madeira com força, e então volta a olhar para as ondas no oceano, pensando ter encontrado Guwayne várias vezes, apenas para perceber que tinha sido apenas uma ilusão cruel daquele mar cruel.

"Minha senhora," continua Kendrick, pacientemente, "seu povo espera que você lhes dê alguma orientação. Estamos perdidos. Precisamos de um destino."

Gwen olha para ele com tristeza.

"Meu filho é o nosso destino," ela responde com a voz carregada de amargura ao voltar-se novamente para o mar.

"Minha senhora, eu sou o primeiro a querer encontrar o seu filho," começa Reece, "mas ao mesmo tempo, não sabemos para onde estamos indo. Qualquer um de nós arriscaria nossas próprias vidas por Guwayne – mas você deve reconhecer que não sabemos onde ele está. Estamos navegando rumo ao norte há doze horas – mas e se as correntes marítimas o levaram para o sul? Ou para o leste? Para o oeste? E se nossos navios estiverem navegando cada vez mais longe dele?"

"Você não sabe se isso é verdade," Gwen responde, na defensiva.

"Exatamente," Godfrey comenta. “Nós não sabemos – é precisamente isso que estamos dizendo. Nós não sabemos de nada. Se continuarmos navegando por este vasto oceano, podemos nunca encontrar Guwayne. E podemos levar nosso povo para longe de um novo lar."

Gwendolyn se vira e olha para ele, seu olhar duro e firme.

"Nunca mais diga isso," ela fala. “Eu vou encontrar Guwayne. Mesmo que seja a última coisa que eu faça, mesmo que seja com meu último suspiro, eu o encontrarei."

Godfrey olha para baixo, e quando Gwen analisa seus rostos, ela pode ver tristeza, paciência e compreensão em cada uma de suas expressões. E naquele exato momento, sua indignação passa, e ela começa a perceber: eles a amavam. Eles amavam Guwayne. E todos eles tinham razão.

Gwen suspira enquanto seca uma lágrima e volta a olhar para as águas do mar, pensando: teria Guwayne sido engolido por uma onda do mar? Por um tubarão? Ele teria morrido de frio? Ela balança a cabeça, sem querer pensar nas piores possibilidades.

Ela também se pergunta se eles estariam certos: se ela estava mesmo levando todo seu povo a parte alguma. Sua capacidade de tomar decisões estava sendo influenciada por seu desespero em encontrar Guwayne. Até onde ela sabe, é possível que eles estejam na verdade se afastando dele. Ela sabe que aquele não é o momento para ficar deprimida, por mais que ela queira; é preciso pensar coletivamente, e se forçar a permanecer forte.

Guwayne voltará para mim, ela diz para si mesma. Se eu não encontrá-lo agora, eu o encontrarei de alguma outra forma.

Gwen se força a acreditar em seus pensamentos ao se preparar para tomar a decisão fatídica; ela não poderia prosseguir de outra forma.

"Muito bem," ela diz, voltando-se para eles e suspirando profundamente. "Mudaremos nossa rota." Seu tom havia mudado; sua voz agora carrega um tom de comando – é a voz de um comandante, de uma Rainha endurecida, que já havia perdido muitas coisas em sua vida.

Seus homens parecem aliviados com sua decisão.

"E para onde devemos ir, minha senhora?" Srog pergunta.

"Obviamente, não podemos voltar para as Ilhas Superiores," completa Aberthol. "As ilhas foram destruídas, e os dragões podem voltar."

"E também não podemos voltar para o Anel," emenda Kendrick. "Ele também foi destruído, e um milhão dos homens de Romulus agora o ocupam."

Gwendolyn pensa bastante, percebendo que eles tinham razão, e se sentindo mais perdida do que jamais havia se sentido antes.

"Nós teremos que procurar terra firme, e buscar um novo lar para o nosso povo," ela responde finalmente. "Não podemos voltar para onde estávamos. Mas antes de irmos, precisamos buscar Thorgrin."

Todos olham para ela, surpresos.

“Thorgrin?” Srog pergunta. "Mas minha senhora, ele está enfrentando os dragões, e também o exército de Romulus. Encontrá-lo significaria entrar no meio dessa batalha."

"Precisamente," Gwendolyn responde, sua voz carregada de determinação. "Se eu não posso encontrar meu filho, posso ao menos encontrar Thorgrin. Não prosseguirei sem ele."

A ideia de voltar para buscar Thorgrin, por mais irracional que lhe pareça, é a única coisa permitindo que Gwendolyn altere a rota do navio e desista temporariamente de sua buscar por Guwayne. De outra forma, o pesar simplesmente partiria seu coração.

Um longo e profundo silêncio se segue entre seus homens, enquanto todos se entreolham culpados, como se sentissem relutantes em lhe dizerem alguma coisa.

"Minha senhora," Srog finalmente começa, limpando sua garganta e dando um passo adiante. "Todos nós admiramos e amamos Thor, tanto como a nós mesmos. Ele é o mais guerreiro que jamais conhecemos. Mesmo assim, receio em dizer, não há como sobreviver contra todos aqueles dragões, ou contra os milhares de soldados do Império. Thorgrin se sacrificou por nós, para nos ganhar tempo, permitindo que escapássemos. Devemos aceitar esse presente. Devemos nos salvar enquanto pudermos – e não nos sacrificar também. Qualquer um nós daria nossa vida por Thorgrin – mas, receio que ele não esteja vivo mesmo que voltarmos para salvá-lo."

Gwen encara Srog por um longo tempo, algo se endurecendo dentro dela enquanto o único som que se ouve é o barulho das ondas do mar ao redor deles.

Finalmente, ela toma uma decisão e o encara com uma nova força no olhar.

"Nós não iremos a parte alguma até encontrarmos Thorgrin," ela declara. "Eu não tenho um lugar no mundo sem ele. Se isso nos levar ao centro da batalha, à profundidade do inferno, então é para lá que vamos. Ele nos deu sua vida – e nós lhe devemos a nossa."

Gwen não espera por uma resposta. Ela se vira de costas, segurando o bebê junto ao peito, e volta a olhar para o mar, deixando claro que a conversa havia terminado. Ela ouve passos atrás dela à medida que os homens lentamente se dispersam; ela ouve ordens sendo dadas, e vê quando o navio começa a virar, como ela havia ordenado.

Antes que o navio vire, Gwen dá uma última olhada para o espesso nevoeiro, mas ela sequer pode ver a linha do horizonte. Ela se pergunta o que haveria além dele, se é que havia algo. Guwayne estaria em algum lugar naquela direção? Ou não haveria nada exceto o oceano vasto e vazio? Enquanto ela observa, Gwen vê um pequeno arco-íris aparecer no meio do nevoeiro e ela sente seu coração se partir. Ela sente que Guwayne está com ela. E que ele está lhe dando um sinal. E ela sabe que jamais será capaz de interromper sua busca até finalmente encontrá-lo.

Atrás dela, Gwen ouve o barulho de cordas sendo estendidas e de velas sendo erguidas, e lentamente sente o navio começando a virar na direção oposta. Ela sente seu coração ficando para trás ao ser levada contra a sua vontade na direção oposta. Ela olha para trás o tempo todo, observando o arco-íris, se perguntando se Guwayne estaria em algum lugar naquela direção.

*

Guwayne balança sozinho no pequeno barco no meio do oceano, levado pelas ondas, para cima e para baixo como já fazia há horas enquanto a corrente marítima o levava em nenhuma direção específica. Acima dele a pequena vela de lona bate insistentemente contra o vento. Guwayne, deitado de costas, olha diretamente para ela, observando-a hipnotizado.

Ele tinha parado de chorar há muito tempo, desde que havia perdido sua mãe de vista, e agora ele fica simplesmente deitado ali, enrolado em seu pequeno cobertor, completamente sozinho no meio do mar, sem seus pais, e com nada além do balançar das ondas e daquela pequena vela.

O balanço do barco o faz relaxar – e quando ele de repente para, Guwayne é tomado pelo pânico. O barco para de se mover e se aloja firmemente em um banco de areia na praia, tendo sido levado pelas ondas. Ela para em uma ilha exótica ao norte das Ilhas Superiores, próximo da fronteiro norte no limite do Império. Irritado pelo fim do movimento de balanço, Guwayne começa a chorar por estar preso na areia.

Ele chora sem parar, até que seu choro se transforma em um grito histérico. Ninguém aparece para acalmá-lo.

Guwayne olha para cima e vê grandes pássaros – abutres – voltando em círculos e olhando para ele à medida que se aproximam. Pressentindo o perigo, seu choro se intensifica.

Um dos pássaros mergulha na direção dele, e Guwayne se protege, mas a ave de repente bate suas asas e se afasta, assustada com algo.

Um momento depois, Guwayne vê um rosto olhando para ele – e depois outro, e mais outro. Logo, dezenas de pessoas com rostos exóticos – membros de uma tribo primitiva, com grandes anéis de marfim no nariz – estão olhando para ele. O choro de Guwayne aumenta quando eles enfiam lanças pontudas em seu barco. Ele grita cada vez mais alto. Ele quer desesperadamente ver sua mãe.

"Um sinal dos mares," diz um deles. "Exatamente como nossas profecias disseram."

"É um presente do Deus de Ammã," fala outro.

"Os deuses devem querer uma oferenda," diz ainda outro.

"Isso é um teste! "Devemos devolver o que nos é dado," declara outro.

"Devemos devolver o que nos é dado!" repetem os demais, batendo suas lanças contra o barco.

Guwayne chora ainda mais alto, mas seu choro não surte qualquer efeito. Um homem sem camisa – alto e magro, com a pele esverdeada e grandes olhos amarelos brilhantes, estica o braço e pega Guwayne nos braços.

Guwayne grita ao sentir a textura de lixa da pele do homem, e mais ainda quando ele o segura com força e Guwayne sente o seu hálito.

"Um sacrifício para Ammã!" o homem diz.

Os homens aplaudem e todos se viram. começando a levar Guwayne embora da praia, andando em às montanhas, indo para o outro lado da ilha – rumo ao vulcão, que ainda libera fumaça. Nenhum deles para para olhar para trás, para olhar para oceano de onde eles acabavam de se afastar.

Mas se tivessem, mesmo por um instante, eles teriam visto um nevoeiro extraordinariamente espesso, com um arco-íris no meio, a menos de de cinquênta metros da praia. Atrás dele, despercebido por todos, o nevoeiro estava começando a se dissipar, até que finalmente o céu estava completamente limpo, revelando três navios que acabavam se dar a volta, de costas para a ilha, navegando na direção oposta.

CAPÍTULO NOVE

Thor fica deitando em cima de Mycoples, embalado pelas ondas, afundando lentamente no oceano e completamente cercado pela frota do Império. Ele fica deitado ali, seu corpo perfurado por dezenas de flechas, sangrando profusamente e sentindo uma dor excruciante. Ele sente sua força vital se esgotando enquanto se agarra a Mycoples, e sabe que ela também está morrendo. Há muito sangue na água ao redor deles, e pequenos peixes se alimentam à sua volta.

Eles afundam lentamente, a água atinge os calcanhares de Thor – e então seus joelhos e seu estômago à medida que Mycoples continua afundando. Nenhum dos dois tem forças para tentar resistir.

Finalmente, Thor se deixa levar e submerge, deixando sua cabeça afundar abaixo da superfície da água, fraco demais para impedir que isso aconteça. Quando isso acontece, ele ouve o barulho distante de flechas na água, atingindo seu corpo mesmo debaixo d´água. Thor tem a sensação de estar sendo atingido por milhares delas, como se todas as pessoas que ele já havia enfrentado em batalhas estivessem tendo sua vingança. Enquanto ele afunda, Thor se pergunta por que ele tinha que se sofrer tanto antes de morrer.

À medida que afunda cada vez mais em direção ao fundo do oceano, ele sente que sua vida não poderia terminar daquela forma. Ainda era cedo. Ele ainda tinha muitos motivos para viver. Ele quer mais tempo com Gwendolyn; ainda quer casar com ela. E quer tempo com Guwayne; quer vê-lo crescer. Ele quer ensinar seu filho o que significa ser um grande guerreiro.

Thor mal tinha começado a viver, tinha dado apenas seus primeiros passos como um verdadeiro guerreiro e Druida e agora sua vida estava prestes a terminar. Ele havia finalmente conhecido sua mãe, que havia lhe dado poderes mais intensos do que ela jamais havia imaginado, e que havia previsto mais missões para ele – missões ainda mais importantes. Ela também havia dito que ele se tornaria um Rei, Mas ela também havia dito que seu destino poderia mudar a qualquer momento. Ela tinha mesmo visto a verdade? Ou sua vida terminaria mesmo agora?

Thor pede para não morrer agora, e reza com toda sua fé. Ao fazer isso, ele se lembra das palavras de sua mãe: Você está destinado a morrer doze vezes. Em cada uma delas, o destino irá intervir, ou não. Vai depender de você, e de se você passou no teste ou não. Estes momentos de morte podem também se tornar momentos de vida. Você será testado e atormentando ao seu limite. Mais do que qualquer guerreiro já foi testado antes. Se você tiver a força interior suficiente para suportá-lo. Pergunte a si mesmo, quanto sofrimento você é capaz de suportar? Quanto mais você puder tolerar, mais forte você se tornará.

Enquanto Thor continua afundando, ele se pergunta: esse seria um daqueles testes? Esta poderia ser uma daquelas mortes? Ele sente que sim, que esse era um teste supremo de força, coragem e resistência. Enquanto ele afunda, com o corpo perfurado por flechas, ele não tem tanta certeza se seria forte o bastante para suportar.

Com os pulmões prestes a estourar, Thor está determinado a invocar o que resta de suas forças. Ele está determinado a se tornar mais forte do já era, e a acessar alguma forma de força interior.

Você é muito maior do que o seu corpo. Seu espírito é maior do que sua força. A força é finita; o espírito não tem limites.

Ele de repente abre seus olhos embaixo d´água, sentindo um calor arder dentro dele, como se tivesse renascido. Ele dá um chute, superando a dor das flechas de acertam o seu corpo, e nada até a superfície. Coberto de flechas, ele nada sem parar em direção à luz do sol – com os pulmões prestes a estourar, e finalmente atinge à superfície como um porco espinho gigante, lutando para respirar.

Ele usa sua força e impulso e, com um grito, se ergue no ar e salta no convés do navio mais próximo, caindo em pé.

Thor invoca uma parte primitiva de si mesmo e, de alguma forma, consegue ignorar toda a dor. Ele ergue o braço e arranca as flechas de seus braços, ombros, peito e pernas – arrancando-as de duas, três ou quatro por vez, até tirar todas elas. Ele solta um grito de batalha, sentindo-se mais forte que a dor à medida que vai removendo as flechas.

Diante de Thor há dois soldados do Império, que o encaram com olhos arregalados de pânico. Thor estica o braço, agarra os dois homens, e bate um contra o outro, nocauteando-os.

Ele ataca o grupo de soldados no navio; Thor chuta o homem mais próximo, enviando-o para trás contra os outros – mas não sem antes arrancar a espada de sua bainha. Thor ergue a espada e parte pra frente, avançando em direção à multidão atordoada, cortando e matando todos em seu caminho. Eles tentam reagir, mas Thor é como um furação, atravessando o navio e matando dois soldados antes que um deles pudessem bloquear seu golpe.

Ele atravessa o navio e luta até que não resta uma única alma viva a bordo. Ao atingir a proa, ele olha pra frente e vê Romulus diante dele, à frente de outro navio, encarando-o com espanto. Thor não hesita; ele dá um grito e arremessa sua espada.

A espada vai girando, brilhando sob a luz do sol bem na direção de Romulus.

Romulus, ainda em estado de choque, percebe tarde demais o que está acontecendo, se vira para tentar fugir.

Ele desvia enquanto corre, tentando fugir do golpe mortal – e escapa da morte certa. Mas Romulus não é rápido o suficiente para deixar de ser atingido: a espada acerta sua cabeça e arranca uma de suas orelhas.

Ele grita e cai de joelhos, erguendo as mãos para onde antes ficava sua orelha enquanto sangue escorre entre seus dedos.

Thor sorri, satisfeito. Ao menos ele havia tido alguma satisfação – mas Romulus ainda estava vivo.

De repente, todos os soldados do Império dos outros navios começam a se organizar, e lançam flechas e arremessam lanças na direção de Thorgrin, que permanece ali completamente exposto.

Thor vê o ataque, um mar negro prestes a matá-lo, e desta vez, ele fecha os olhos e ergue as mãos, invocando seu poder interior. Ele lança um globo de luz à sua volta, um escudo dourado que repele as flechas e lanças assim que elas se aproximam.

Thor continua ali, invencível, no meio de todos aqueles homens, e ergue as mãos para o céu determinado a matar todos eles.

Ele sente a energia celeste entrando pelas palmas de suas mãos; e também sente a energia marítimas refletindo a energia do céu. Thor se sente unido ao poder do universo – como uma grande corrente, mais forte do que ele jamais poderia ter imaginado. Ele sente a própria essência do ar e da água, e sente que seria capaz de controlá-la.

Que os céus se enraiveçam; Que os oceanos se agitem, Thor ordena silenciosamente. Eu ordeno. Em nome da justiça. Acabe com este mal que eu vejo diante de mim, de uma vez por todas.

Enquanto Thor continua ali, lentamente, algo começa a acontecer: ele sente o vento se intensificar, e ao abrir os olhos, ele vê que o dia ensolarado havia ficado escuro. Nuvens pesadas e escuras se aproximam, ele ouve trovões e raios cruzam o céu. O mar fica agitado, e seu navio começa a balançar com o oceano tempestuoso.

Ele ouve outro trovão, e Thor sente as ondas ficando mais fortes, seu navio sobe e desce à medida que o vento se torna mais forte e a chuva começa a cair.

Universo, eu o invoco. Você e eu somos um só. Eu estou com você. Sua luta é a minha luta.

Thor dá um grito intenso, e todo o horizonte se ilumina com raios, que não desaparecem. Ele ouve mais trovões, repetidas vezes, tão altos que os navios parecem tremer, e Romulus e todo o exército do Império se vira – com medo nos olhos, e olha para o horizonte.

Thor observa espantado quando, de repente, uma onda enorme aproxima deles.

Romulus e os outros gritam de pânico, erguendo os braços para se protegerem.

Mas não há nada que possam fazer. Eles estão no caminho da ira dos mares, e quando a grande onda se aproxima, em questão de instantes os navios são levados por ela, subindo até sua crista como formigas.

Aquela é a maior onda que Thor já tinha visto – tão alta como uma montanha – e ele também é levado por ela, subindo com o resto do Império. Thor sobre dezenas de metros, e depois mais dez, e mais dez – e assiste horrorizado quando a onda começa a arrebentar, e ele começa a despencar com o restante dos barcos, caindo com um frio na barriga. Os gritos dos soldados do Império são abafados pelo vento e pela chuva, assim como o grito de Thor. Quando ele olha para baixo, caindo na direção do oceano, Thor sabe que o impacto o esmagaria. Ele havia invocado uma tempestade que nem mesmo ele era capaz de controlar.

Enquanto Thor se prepara para morrer, ele sente que, se pudesse encontrar conforto no fato de que iria morrer, seria no fato de que, ao menos, ele havia derrotado todo o Império.

Obrigado, meu Deus, ele pensa, por essa vitória.

CAPÍTULO DEZ

Alistair segue a mãe de Erec através da noite à medida que ela a guia pela escuridão pelos corredores estreitos da corte, seu coração acelerado enquanto ela tenta acompanhá-la sem ser vista. Suas sombras são projetadas nas paredes e caminhos de pedras, e a única fonte de luz vem de tochas esporádicas presas às paredes, e Alistair – recém libertada, não consegue evitar sentir-se como uma criminosa.

A mãe de Erec finalmente se aproxima de uma parede a abaixa, fora do campo de visão dos guardas, e Alistar se junta a ela. Elas se ajoelham em silêncio, prestando atenção enquanto observam a passagem dos guardas, e Alistair torce para que eles não notem a presença delas. A mãe de Erec tinha esperado até o anoitecer para trazê-la até ali para que elas não fossem vistas, e elas haviam dado voltas por uma série de ruas e becos labirínticos que levavam da masmorra à casa real dos enfermos, onde Erec se encontrava. Finalmente, elas estavam perto, próximas o suficiente para que Alistair, ao olhar por cima do muro, pudesse ver a entrada da casa. Ela é bem guardada, e há uma dúzia de homens parados diante dela.

"Olhe para aquela porta," Alistair sussurra para a mãe dele. "Por que Bowyer a manteria tão bem guardada se ele está tão convencido que eu fui realmente a responsável pela tentativa de assassinato? Ele não colocou aqueles homens ali para a proteção de Erec – e sim para impedir que ele fuja, ou para matá-lo, caso ele se recupere."

A mãe de Erec assente para dizer que concorda com ela.

"Não será fácil conseguir passar por ele," ela sussurra. "Coloque seu capuz, olhe o chão e abaixe a sua cabeça. Faça o que eu mandar. Se isso não funcionar, eles a matarão. Você está disposta a correr esse risco?"

Alistair assente.

"Por Ere, eu sacrificaria a minha vida."

A mãe dele olha para ela, emocionada.

"Você pode fugir, se quiser, mas prefere se arriscar par curar Erec. Você realmente o ama, não é mesmo?" ela pergunta.

Os olhos de Alistair se enchem de lágrimas.

"Mais do que eu seria capaz de lhe dizer."

A mãe de Erec pega a mão dela e de repente se levanta, saindo de trás da parede, e leva Alistair diretamente até as portas do prédio, caminhando com orgulho até os guardas.

"Minhas Rainha," diz um deles.

Todos fazem uma saudação e começam a abrir passagem, quando de repente um guarda dá um passo adiante.

"Quem a acompanha, minha rainha?" ele pergunta.

"Como ousa questionar sua rainha?" ela dispara, sua voz fria feito o aço. "Se ousar falar assim novamente, você será removido de seu posto."

"Sinto muito, senhora," ele fala, "mas eu sigo apenas a cadeia de comando."

"Comando de quem?"

"Do novo rei, senhora – Bowyer."

A rainha suspira.

"Eu o perdôo desta vez," ela responde. "Se meu marido, o antigo rei, ainda estivesse vivo, ele não seria tão leniente. Para sua informação," ela completa, "essa é minha querida amiga. Ela ficou doente, e a estou levando para a casa dos enfermos."

"Sinto muito, minha rainha," o guarda responde com a cabeça baixa, enrubescendo e dando um passo ao lado.

Eles abrem as portas para ela e a mãe de Erec se apressa a entrar segurando a mão de Alistair – e Alistair, com o coração aos pulos e a cabeça baixa, ouve a porta bater atrás delas, respirando aliviada

A mãe de Erec estica o braço e remove o seu capuz. Alistair olha ao seu redor e percebe que elas estão dentro da casa dos enfermos, um prédio de mármore belíssimo, com tetos baixos e iluminado por tochas.

"Nós não temos muito tempo," elas diz. "Siga-me."

Alistair a segue pelos corredores, dando voltas e mais voltas, até que a mãe de Erec finalmente a instrui a colocar o capuz e se aproxima da porta dos aposentos dele. Desta vez, o guarda abre passagem sem fazer qualquer pergunta, e a mãe dele entra segurando a mão de Alistair.

"Todos vocês, deixem-nos a sós," a mãe de Erec pede para os guardas que estão dentro do quarto. "Desejo ficar sozinha com meu filho."

Alistair fica com a cabeça baixa. esperando com o coração batendo acelerado e torcendo para que ninguém a reconheça. Ela ouve passos se movimentando pelo quarto à medida que os guardas fazem fila para saírem dali e, finalmente, ouve a porta de madeira batendo atrás dela e uma tranca de ferro sendo colocada no lugar.

Alistair remove o capuz e vasculha o quarto imediatamente, à procura de Erec. O lugar está iluminado pela luz fraca de uma única tocha, e Erec está deitado em uma cama real no lado oposto do quarto embaixo de peles luxuosas, e seu rosto está mais pálido do que ela jamais o tinha visto.

"Ah, Erec," Alistair diz, correndo em sua direção e irrompendo em lágrimas ao vê-lo naquela situação. Ela sente a energia dele antes mesmo de se aproximar, e sabe que é uma energia mórbida. Ela sente que sua força vital está se esgotando. Ela havia se ausentado por muito tempo. Alistair sabe que não deveria estar tão surpresa; a primeira cura que ela havia ministrado tinha sido apenas o suficiente para reanimá-lo. Teria sido necessária uma sessão mais longa para impedir que ele morresse, e muito tempo havia se passado desde então.

Alistair corre para junto de Erec, e segura a mão dele entre as suas, encostando-as em sua testa enquanto chora. Ele está frio ao toque. Ele não se move, nem mesmo movimenta suas pálpebras. Ele continua deitado, perfeitamente imóvel, como se já estivesse morto.

"É tarde demais?" a mãe dele pergunta, ajoelhando-se do outro lado da cama, com uma expressão de pânico no rosto.

Alistair balança a cabeça.

"Pode ser que ainda haja tempo," Alistair responde.

Ela se debruça sobre ele e coloca ambas as palmas sobre o peito de Erec, enfiando as mãos sob a camisa dele e encostando-as em sua pele. Alistair pode sentir seu coração batendo, embora bastante fraco, e então ela fecha os olhos.

Ela invoca todos os poderes que possui, forçando-se a trazer Erec de volta à vida. Ao fazer isso, um calor tremendo atravessa seus braços e mãos, e então ela sente ele deixando o seu corpo e entrando no corpo de Erec. Ela vê suas mãos ficando pretas, e percebe o quanto Erec estava precisando daquilo.

Alistair fica ali por muito tempo.

Ela não sabe quantas horas haviam se passado quando ela finalmente abre os olhos, sentindo algo sutilmente mudar dentro dela. Alistair olha para baixo e vê Erec abrindo os olhos pela primeira vez. Ele olha diretamente para ela.

"Alistair," ele sussurra.

Ele ergue uma mão trêmula e segura o pulso dela.

Alistair chora, e mãe dele também.

"Você voltou," sua mãe diz, entre lágrimas.

Erec se vira e olha para ela.

"Mãe," ele diz.

Os olhos de Erec voltam a se fechar, e fica claro que ele ainda está muito fraco e exausto; ainda assim, Alistair percebe que a cor está voltando para o seu rosto, e sua força vital está sendo restaurada. Lentamente, ele começa a ficar mais corado. Ela fica exultante, e ao mesmo tempo exaurida.

"Ele vai ficar fraco por um bom tempo," informa Alistair. "Pode ser que leve semanas até que ele possa ficar em pé em andar. Mas ele vai sobreviver."

Alistair se debruça sobre ele mais uma vez, exausta, e quase cai em cima da cama – tendo passado toda sua energia para ele. Ela sabe que também precisará de um bom tempo para se recuperar.

A mãe de Erec olha para Alistair com uma expressão de profundo amor e gratidão.

"Você salvou meu filho," ela diz. "Posso ver agora o quanto eu estava errada. Percebo que você não teve qualquer relação com a tentativa de assassinato dele."

"Eu jamais faria mal algum a Erec."

A mãe de Erec assente.

"E agora você deve provar isso para o nosso povo."

"Mas toda essa ilha já me julga culpada," declara Alistair.

"Eu não permitirei que nada lhe aconteça," afirma a mãe dele. "Você é como uma filha para mim. Depois desta noite, eu mandaria a mim mesma para as masmorras que eu permitisse que qualquer mal fosse feito a você."

"Mas como você provará a minha inocência?" ela pergunta.

A mãe de Erec pensa por alguns instantes, e então seus olhos se iluminam.

"Existe um meio," ela finalmente responde. "Uma forma de você mostrar a todos eles."

Alistair olha para ela com seu coração batendo acelerado.

"Diga-me," ela pede.

A mãe dele respira fundo.

Aqui nas Ilhas do Sul, temos o direito ao desafio. Se você desafiar Bowyer à Bebida da Verdade, ele não terá escolha a não ser concordar."

"O que é isso?" Pergunta Alistair.

"É um ritual antigo, praticado pelos meus antepassados. No penhasco mais alto, temos uma fonte que águas mágicas, as águas da verdade. Quem mente e bebe daquela água morre. Você pode desafiar Bowyer a bebê-la. Ele não pode se recusar, ou então todos irão presumir que ele está mentindo. E se ele estiver mentindo, como você diz, então as águas certamente o matarão – provando a sua inocência."

Ela olha para Alistair com sinceridade.

"Você está preparada para enfrentar o desafio?" ela pergunta.

Alistair concorda, encantada com a oportunidade de provar sua inocência, por saber que Erec sobreviveria, e por saber que sua vida estava prestes a mudar para sempre.

CAPÍTULO ONZE

Romulus abre lentamente os olhos, sendo acordado finalmente pelo som das ondas arrebentando e pela sensação de algo rastejando em seu rosto. Ele olha para cima e vê um caranguejo roxo de quatro olhos andando em cima dele. Ele o reconhece imediatamente: o animal é nativo do continente do Anel. Seus quatro olhos estreitos se abrem e o animal abre a boca para mordê-lo.

Romulus reage instintivamente e, erguendo o braço, agarra o animal em sua mão e o esmaga lentamente. Suas garras cortam a sua pele, mas ele não se importa. Ele ouve o animal gemendo, encantado com o som de seu sofrimento, e continua a esmagá-lo deliberada e lentamente. Ele morde e belisca sua mão, mas ele não se importa. Ele quer esmagar a vida daquela criatura, prolongando o sofrimento dela o máximo que fosse possível.

Finalmente, com o líquido do animal escorrendo pela sua mão, a criatura morre, e Romulus arremessa seu corpo na areia, desapontado que a luta tivesse acabado tão cedo.

Outra onda arrebenta, passando por cima de sua cabeça, cobrindo seu rosto, e Romulus salta para cima, coberto de areia, e sacode a água gelada olhando ao seu redor.

Ele percebe que tinha estado desacordado, levado pela maré até a praia, e percebe que está na costa do Anel. Ele se vira e vê milhares de corpos, todos levados pelas ondas, espalhados até onde seus olhos são capazes de enxergar. Aqueles são os corpos de seus homens, milhares deles, todos mortos e inertes naquela praia.

Ele volta a olhar para o mar e vê milhares de outros corpos flutuando nas ondas, lentamente sendo trazidos para a areia junto com os outros. Tubarões mordiscam os cadáveres e, ao longo da costa, caranguejos roxos cobrem a prais, devorando os corpos dos soldados mortos em um verdadeiro banquete.

Romulus olha para o oceano, calmo naquele momento, e observa o amanhecer de um dia perfeito, tentando se lembrar do que havia acontecido. Houve uma tempestade e uma grande onda, maior do que qualquer coisa que ela jamais imaginou ser possível. Sua frota inteira tinha sido destruída – como um brinquedo nas mãos do oceano. De fato, quando Romulus vasculha as águas, ele vê detritos por toda parte, pedaços de madeira do que antes costumava ser a maior frota da história flutuando ao longo da costa, o que resta da sua frota agora bate contra os corpos de seus homens, e agora é apenas uma piada cruel. Ele sente algo em seus tornozelos, e olha para baixo e vê os restos de um mastro batendo em sua canela.

Romulus se senta grato e espantado por estar vivo. Ele percebe quanta sorte havia tido por ser o único sobrevivente entre todos os seus homens. Ele olha para cima e mesmo que ainda seja cedo, ele pode ver a lua crescente, e sabe que o ciclo da lua ainda não havia terminado – e que esse era o único motivo pelo qual ele havia sobrevivido. Ao mesmo tempo, ele sente medo ao examinar o formato da lua e perceber que seu ciclo está quase chegando ao fim. O feitiço terminaria a qualquer momento, e sua invencibilidade chegaria ao fim.

Romulus pensa em seus dragões – mortos, e em sua frota – destruída, e percebe que tinha cometido um erro ao perseguir Gwendolyn. Ele havia ido longe demais; e tinha subestimado o poder e a força de Thorgrin. Ele percebe agora, tarde demais, que deveria ter se contentado com o que tinha. Ele deveria ter ficado no continente do Anel.

Romulus se vira e olha para o Anel, para o Deserto que circula a costa, e além dele, para o Canyon. Pelo menos, ele ainda tinha seus soldados ali, os que ele tinha deixado para trás; ao menos, ele ainda tinha um milhão de homens ocupando aquelas terras, e pelo menos ele havia destruído tudo ali. Ao menos, Gwendolyn e seu povo jamais poderiam retornar para aquele lugar – e o Anel finalmente pertencia a ele. Aquela tinha sido uma vitória amarga.

Romulus volta a olhar para o oceano, e percebe que agora, sem seus dragões e sem sua frota, ele teria que desistir de perseguir Gwendolyn – especialmente com o ciclo de sua lua chegando ao fim. Ele não teria escolha ao não ser retornar ao Império – com uma vitória parcial, mas com a vergonha da derrota, a vergonha de uma frota completamente derrotada. Humilhado mais uma vez. Quando perguntado onde estava sua frota, ele não teria nada a mostrar para o seu povo – apenas um mísero navio que ele havia deixado no Anel para levá-lo de volta ao Império. Ele voltaria como o conquistador do Anel – mas ao mesmo tempo profundamente humilhado. Mais uma vez, Gwendolyn havia escapado.

Romulus se inclina para trás, ergue as mãos para os céus e grita com ódio, com as veias do pescoço salientes:

“THORGRIN!”

Seu grito é recebido apenas por uma águia solitária, que voa em círculos e grita de volta, como se estivesse zombando dele.

CAPÍTULO DOZE

Thor abre seus olhos lentamente ao som das ondas suaves arrebentando ao seu redor sem saber ao certo aonde está. Ele aperta os olhos contra a claridade, e percebe que está deitado de bruços, apoiado sobre uma tábua de madeira e flutuando no meio do oceano no meio de um monte de detritos. Ele treme de frio naquelas águas e vê que o dia está amanhecendo, e percebe que havia flutuado ali durante toda a noite.

Thor sente um leve beliscar em seu braço, e ao olhar para o lado vê um pequeno peixe e o afasta com a mão. Uma onda molha seus cabelos, e ele ergue a cabeça e cospe a água do mar, observando a área ao seu redor. O mar está cheio de detritos até onde Thor é capaz de enxergar – milhares de tábuas quebradas da frota de Romulus cobrem o oceano. Ele está flutuando bem no meio de tudo aquilo, sem qualquer pedaço de terra à vista em qualquer lugar que ele olhe.

Thor tenta se lembrar. Ele fecha os olhos e se vê montado em Mycoples, mergulhando e lutando contra os homens de Romulus. Ele se lembra de estar submerso, perfurado por várias flechas, e então de estar subindo; ele se lembra de ter invocado a tempestade. E a última coisa da qual se lembra é da imensa onda se aproximando de todos eles. Ele se lembra de ter sido engolido por ela, e de estar prestes a despencar dezenas de metros até o oceano. Ele se lembra também dos gritos dos soldados do exército de Romulus.

E então, toda a sua memória é apenas uma grande escuridão.

Thor abre completamente os olhos e coça a cabeça, seu cabelo cheio de sal; ele está com uma tremenda dor de cabeça, e ao olhar a sua volta, ele percebe que ele é o único sobrevivente, flutuando sozinho no meio de um oceano infinito, cercado por nada além de detritos. Ele treme de frio, e seu corpo dói por toda parte, coberto de feridas de flechas e arranhões de dragões. Ele está tão gravemente ferido, que mal tem forças para erguer a cabeça.

Ele procura em todas as direções, procurando por algum sinal de terra firme, talvez algum sinal de Gwendolyn e de sua frota – qualquer coisa.

Mas não há nada. Apenas o vasto e infinito oceano em todas as direções.

O coração de Thor se aperta e ele volta a abaixar a cabeça, afundando-a parcialmente na água, e ele fica deitado ali, deitado na tábua de madeira. O pequeno peixe retorna, alimentando-se de sua pele e, desta vez, Thor não se importa. Ele está fraco demais para afastá-lo. Ele fica deitado ali, flutuando, lembrando que Mycoples, que ele amava mais que seria capaz de dizer, estava morta. Ralibar estava morto. E Thor também estava prestes a morrer. Ele estava mais fraco do que nunca, e sozinho no meio do oceano. Ele havia sobrevivido à tempestade, havia salvado Gwen e seu povo, conseguido vingança contra o Império, tinha destruído o exército de dragões, e por tudo isso ele se sente muito satisfeito.

Mas agora que a grande batalha havia terminado, aqui estava ele, ferido, fraco demais para se curar, sem qualquer lugar para onde ir, e sem qualquer esperança. Isso havia lhe custado o mais alto sacrifício, e agora havia chegado o momento de pagar o preço.

Mais do qualquer outra coisa, Thor gostaria de ver Gwen uma última vez antes de morrer; ele também gostaria de ver Guwayne. Ele não pode imaginar ter que morrer sem ver seus rostos uma última vez.

Por favor, Deus, ele pensa. Dê-me mais uma chance. Mais uma vida. Permita que eu viva. Permita-me ver Gwendolyn, permita-me ver meu filho mais uma vez.

Thor abaixa ainda mais a cabeça ao sentir mais peixes morderem sua pele, agora em seus pés e coxas; ele sente sua cabeça afundar um pouco mais na água fria, as ondas suaves o único som que resta no infinito marasmo da manhã. Ele se sente completamente exausto, seu corpo tão duro que ele não se sente capaz de continuar. Ele já havia servido seu propósito na vida. E o havia servido bem. Agora sua hora havia chegado.

Por favor, Deus, eu recorro a você – a você e a mais ninguém. Dê-me uma resposta.

De repente, tudo parece parar no universo, e tudo parece ficar tão calmo, tão intensamente silencioso, que Thor pode ouvir sua própria respiração. Este silêncio o aterroriza mais do que todas as outras coisas que ele já havia encontrado em sua vida antes. Ele sente que aquele é o som de Deus.

O silêncio é interrompido pelo barulho repentino da água. Thor arregala os olhos ao ver o oceano se abrir diante dele. Ele vê uma baleia gigantesca, maior do que qualquer outra criatura que ele já tinha visto, e diferente de todas as outras baleias que ele conhecia. Ela é inteiramente branca, com chifres na cabeça e nas costas, grandes olhos vermelhos brilhantes.

A grande besta salta para fora do oceano, dando um grande grito e abrindo a boca – tão grande que chega a bloquear o sol. Ela sobe cada vez mais alto, e então começa a descer na direção de Thor, ainda com a boca aberta. O mundo escurece, e Thor sente que a baleia está prestes a engoli-lo.

Thor, fraco demais para resistir, encara seu destino à medida que as mandíbulas da escuridão envolvem seu corpo, engolindo-o por completo. Ele é envolvido pela escuridão dentro da boca da baleia, e quando ele começa a descer pela garganta do animal, escorregando em direção ao seu estômago, seu último pensamento é: Eu nunca pensei que morreria dessa forma.

CAPÍTULO TREZE

Gwen, na proa do navio, se inclina segurando o bebê, e espia dentro do mar, procurando algum sinal de Thorgrin. Em todos os lados do navio, seus homens fazem o mesmo, vasculhando o mar.

"THORGRIN!" gritam marinheiros em todas as partes do navio – e isso se repete também nos outros dois navios de sua pequena frota. Os três navios, separados por cem metros, varrem o oceano juntos, todos gritando o nome de Thor. De cima dos mastros, eles soam os sinos intermitentemente, procurando por qualquer sinal dele.

Gwendolyn tem vontade de chorar por dentro. Ela tinha sido incapaz de encontrar Guwayne, e até agora não havia encontrado uma única posta de Thor. Ela odeia esse oceano, e amaldiçoa o dia em que havia deixado o Anel. Ela sabia que suas chances eram poucas. Thor e Mycoples tinham partido em medo rumo a uma batalha, um dragão contra dezenas, e mesmo que tivessem conseguido derrotar todos eles, como Thor poderia vencer toda a frota de Romulus? Como seria possível que ele sobrevivesse?

Ao mesmo tempo, Gwendolyn sabe, ao navegar nessa direção, ela estava colocando seus homens em perigo, trazendo-os mais perto da frota de Romulus.

Gwen ouve um barulho repentino de madeira se partindo abaixo do casco, e olha para baixo assustada. Ela vê destroços – tábuas, um mastro velhos, restos de uma vela… Ela vasculha as águas, procurando com atenção, e vê uma grande quantidade de detritos.

"Mas como isso é possível?" diz uma voz.

Gwendolyn e vira e vê Kendrick ao seu lado, e Reece se aproxima pelo outro lado, acompanhado de Godfrey e Steffen – todos juntando-se a ela espantados.

"Veja! A insígnia do Império!" Grita Steffen, apontando.

Gwen olha e vê uma bandeira rasgada e suja, e percebe que ele tem razão.

"Esses são destroços do Império," Reece fala, colocando em palavras o que todos estavam pensando.

"Mas como?" Godfrey pergunta. "A frota do Império inteiramente destruída?" Como isso foi possível?"

Gwen procura no céu por algum sinal de Thorgrin, se perguntando. Ele teria conseguido fazer isso?

“Foi Thorgrin,” Gwen diz, torcendo para que fosse verdade, rezando para que fosse verdade. "Ele destruiu todos eles."

"Então onde está ele?" Pergunta Kendrick. Os sinos continuam tocando enquanto eles navegam em direção ao sul. "Não vejo sinal de Mycoples."

"Eu não sei," Gwen responde. "Mas mesmo que Mycoples tenha morrido, Thor pode estar vivo. Se há tantos detritos, Thor pode estar flutuando em cima deles."

"Minha senhora," diz uma voz.

Ela se vira e vê Aberthol parado perto dali.

"Eu amo Thorgrin tanto quanto todos aqui. Mas você percebe que estamos navegando cada vez mais próximos do Império. Mesmo se a frota de Romulus estiver destruída, certamente seu exército de um milhão de homens ainda permanece em terra no Anel. Não podemos voltar para o Anel. Temos que encontrar um novo lar, traçar uma rota em uma outra direção. Você quer encontrar Thorgrin, e eu a admiro por isso. Mas já fazemos isso há dias. e não encontramos qualquer sinal dele. Temos poucas provisões. Nosso povo está passando fome. Eles precisam de um lar, perderam seus entes queridos e estão sofrendo. Eles estão desesperados por algum senso de direção Precisamos de alimentos e abrigo. Estamos ficando sem mantimentos."

Ela sabe que ele tem razão. Seu povo precisa que ela tome outra decisão.

"Nosso povo precisa de você," completa Srog.

Gwen observa o horizonte com o bebê nos braços, ainda sem qualquer sinal de Thor. Ela fecha os olhos, enxugando uma lágrima, e reza para que Deus lhe dê uma resposta. Por que a vida tinha que ser tão difícil?

Por favor, Deus, diga-me onde ele está. Eu lhe darei qualquer coisa. Simplesmente salve-o. Se eu não puder salvar meu filho, permita apenas que eu o salve. Por favor, não deixe que eu perca os dois.

Gwendolyn aguarda, imóvel, esperando por uma resposta. Ela abre os olhos, torcendo por um sinal, qualquer coisa.

Mas nada acontece.

Ela se sente vazia. Abandonada.

Resolvida, ela finalmente se vira e assente para os seus homens.

"Virem a frota," ela ordena. "Vamos procurar por terra firme dessa vez."

"Virar a frota!" ecoa a ordem acima e abaixo dos navios.

Todos se viram e olham na nova direção, exceto Gwendolyn. Ela continua olhando na direção em que estavam indo antes, com o coração partido, ainda procurando por Thor.

Quando eles começam a se afastar cada vez mais, à medida que os destroços começam a ficar cada vez menores, Gwen sente tudo que ela tinha de bom em sua vida sendo arrancado dela. Era isso que significava ser Rainha? Ser mais importante por seu povo do que por sua família? Do que por si mesma? Naquele momento, Gwendolyn não quer mais ser Rainha. Naquele momento, ela odeia todo o seu povo, e tudo o que diz respeito a ser uma Rainha. Ela quer apenas Thorgrin e seu filho, e nada mais.

Mas ao começarem a navegam em uma nova direção – quando os sinos começam a tocar nos mastros, ela sabe que não é exatamente assim que as coisas são na realidade, e tem a sensação de que aqueles sinos estão batendo dentro de seu próprio coração.

CAPÍTULO CATORZE

Thor tenta se agarrar a algo, qualquer coisa, enquanto se sente escorregando por um túnel escorregadio, em meio a um líquido viscoso misturado à água do mar – mas não há nada à que se segurar. Enquanto o mundo passa acelerado ao lado dele no túnel cacofônico, ele percebe que está sendo levado para a barriga da baleia. A escuridão se intensifica, e ele se prepara para a morte.

Ele escorrega cada vez mais na garganta incrivelmente profunda da criatura – pelo que lhe parece centenas de metros – até finalmente ser ejetado em um enorme espaço cavernoso. Ele sai voando no ar, gritando ao ser arremessado por quase dez metros, até finalmente cair em uma poça d´água, com água até os joelhos, em uma superfície macia. Thor percebe que deveria estar no estômago da baleia.

Enquanto fica deitado na poça rasa, se perguntando se estaria morto, Thor ouve sua própria respiração ecoando na escuridão; a água balança suavemente para um lado e para o outro na barriga da baleia à medida que ela se move pelo oceano. Thor imagina a baleia nadando através dos mares, virando de um lado para o outro e mergulhando em diversas direções. Ele pode ouvir o barulho fraco do oceano lá fora, ofuscado pelo corpo da baleia.

Thor tenta ficar em pé, mas tropeça quando a baleia acelera ao longo do mar. Ele ouve um barulho de água, e ao olhar para cima vê uma onda descendo na direção de sua cabeça, juntamente com peixes que caem dentro da barriga onde ele se encontra. Alguns deles são peixes luminosos, que ao caírem emitem um brilho suave, iluminando a barriga da baleia. Thor pode finalmente ver ali dentro, e não está mais na completa escuridão.

Uma parte dele preferiria estar. Ele olha para cima e se sente enojado pela parte interior da barriga da baleia, cuja pele parece estar se soltando em algumas partes, e por pedaços de peixes mortos, ossadas e insetos espalhados por toda parte. Válvulas estranhas abrem-se e fecham-se, músculos e intestinos se contraem e se expandem emitindo odores desagradáveis e Thor observa tudo com um misto de horror e espanto.

Ele encosta a cabeça na parede do estômago da baleia e respira profundamente, exausto; seus ferimentos o estão matando, e ele sente que havia chegado ao fim de sua curta vida. Ele sente que não teria como sair dali; aquele seria seu fim.

Thor fecha os olhos e balança a cabeça.

Por que, Deus? Por que eu estou sendo testado desta forma?

Thor continua deitado ali na escuridão por um longo tempo, até finalmente ouvir uma resposta. É uma voz suave, dentro de sua mente.

Porque você é um grande guerreiro. Os maiores guerreiros são sempre os mais testados.

"Mas eu já não provei ser um guerreiro de verdade?" Thor pergunta em voz alta.

Todas as vezes que você provar ser um guerreiro de verdade, você voltará a ser testado. E cada vez, o teste será mais difícil. Quanto mais você sofrer, melhor você se tornará. Cada teste não é uma dificuldade – e sim uma oportunidade preciosa. Sinta-se grato por ela. Quanto mais você sofrer, mais grato você deve se sentir.

Thor joga a cabeça para trás, exausto, praticamente desmaiando e sentindo sua força vital se esgotando – e tenta se sentir grato. É tão difícil. Ele sente que já havia vivido muitas vidas, e se sente profundamente exausto.

Thor ouve mais barulho de água, e ao olhar para cima, vê mais água descendo para a barriga da baleia, e mais peixes – além de outras estranhas criaturas do mar. O apetite daquela baleia é aparentemente insaciável.

Com cada nova leva de água, Thor sente o nível de água aumentando, percebe a água subindo de seus tornozelos para seus joelhos enquanto continua deitado ao longo de uma das paredes do lugar. Mais uma leva se aproxima, e o nível sobre ainda mais, agora atingindo suas coxas. Thor sabe que se ele não sair dali em breve, ele vai morrer afogado naquele lugar horrível.

Cansado e ferido, ele mal consegue manter seus olhos abertos. Se ele está destinado a morrer ali, ele percebe, então que assim seja. Agora, não há nada que ele possa fazer a não ser ser permitir que seus olhos se fechem, deixando-se cair no sono.

Os olhos de Thor se abrem e se fecham à medida que ele perde e volta a ganhar consciência, perdendo a noção do tempo. Ele vê cenas, memórias, talvez até mesmo algumas visões do futuro. Ele vê o rosto de Mycoples e de Ralibar. Ele se vê voando com Mycoples em um céu perfeito, e Mycoples está mais feliz do que nunca. Os dragões estão voando juntos, atravessando o caminho um do outro no ar, ambos jovens, sadios e felizes. Ele pode sentir o quantos eles o amam.

Thor olha para baixo e vê o rosto de Mycoples.

"Sinto muito por ter lhe desapontado," ele diz.

Você nunca me desapontou, Thorgrin. Você me deu a oportunidade de viver de verdade.

Thor pisca e se vê em pé sobre a passarela suspensa na Terra dos Druidas. Mas desta vez, ela não está diante do castela de sua mãe, e sim diante do continente, afastando-se do castelo, de costas para ele. Sua mãe, ele sente, está em algum lugar atrás dele e, por mais que ele queira, ele é incapaz de olhar para trás.

"Vá, Thorgrin," diz a voz dela. "É hora de você andar. Sozinho. É hora de deixar esse lugar, e se aventurar no mundo. Vá conhecer o mundo, trilhe um caminho desconhecido, e torne-se um grande guerreiro."

Thor dá um passo adiante na passarela, e depois outro. Passo a passo, ele caminha sozinho, para longe do castelo, do penhasco, sentindo a presença de sua mãe atrás dele mas incapaz de olhar para ela. Ele não sabe onde o caminho o levaria, mas ele sabe que deve seguir em frente.

Thor pisca mais uma vez e se vê em uma costa desconhecido com uma areia amarela brilhante, com um milhão de pedras brilhando sobre ela. Ele vê um pequeno barco na costa, e um bebê dentro dele, chorando. Thor se aproxima dele e se abaixa com o coração acelerado pela possibilidade de rever seu filho.

Ele olha para baixo e seu coração se anima ao ver Guwayne, olhando para ele com os mesmos olhos acinzentados. Thor estica o braço para pegá-lo no colo.

Ao fazer isso, de repente homens de uma tribo primitiva se aproximam e pegam Guwayne, afastando-se rapidamente. Thor assiste horrorizado enquanto dezenas desses homens fogem com Guwayne, gritando e tentando agarrá-lo.

"NÃO!" Thor grita

Ele tenta correr para alcançá-los, mas vê que seus pés estão presos na areia.

De repente, a terra se abre, e Thor é sugado pela areia – que se transforma em água, e é levado de volta para dentro do oceano. Ele afunda, gritando, cada fez mais fundo até as profundezas da escuridão.

Thor abre os olhos ao ouvir mais uma leva de água chegando, e vê que a baleia havia engolido mais uma vez, enchendo sua barriga. Ele percebe que o nível da água agora alcança o seu peito.

Thor, ainda respirando com dificuldade por causa de seu pesadelo, tenta escapar da maré enchente – mas a próxima leva faz com que o nível da água alcance o seu pescoço. Thor percebe que seu tempo ali é escasso. Em poucos instantes, ele morreria afogado.

Ele fecha os olhos e pensa em Gwendolyn, em Guwayne e em todas as pessoas que ele havia conhecido e que ele amava. Ele pensa em seu filho, que precisava dele; em Gwendolyn, que também precisava dele. Ele sente o bracelete em seu braço, e pensa em sua mãe, em Alistair, em Ralibar e em Mycoples. Ninguém saberia que ele havia morrido ali.

Preciso fazer isso por eles, Thor pensa. Preciso viver por eles.

Thor abre os olhos e se sente infundido por uma onda repentina de força. Ele pode sentir a essência da baleia, e percebe que ele aquele animal eram parte do mesmo universo. E que ele poderia mudar aquele universo.

Thor fecha os olhos e ergue as palmas das mãos acima de sua cabeça, e sente um tremendo calor emanando delas. Raios de luz saem de suas mãos e entram na barriga da baleia, transformando-se em cordas que erguem Thor instantes antes da próxima onda de água afogá-lo ali dentro, levantando-o cada vez mais alto. Ele logo fica pendurado acima da piscina de água abaixo dele e, pendurado li, ele se concentra.

Eu lhe ordeno, baleia. Vá para a superfície. Deixe que eu saia daqui. Pois eu mereço viver. Por todas as pessoas que eu conheci em minha vida, por todas as pessoas que se sacrificaram por mim, e por todas as pessoas por quem eu me sacrificarei, eu mereço viver.

Ele ouve um rugido distante ecoando dentro da barriga da baleia, e Thor de repente sente a baleia mudar de direção, virando para cima, e acelerando à velocidade máxima na direção da superfície. Ela sobe cada vez mais rápido, e as luzes das mãos de Thor o mantém pendurado e evitam que ele caia.

Finalmente, a baleia chega à superfície e Thor sente o animal subindo em um arco no ar e então caindo novamente na água, e todo o seu corpo treme.

Ela fica parada ali, flutuando na superfície da água, e quando Thor espia pela garganta dela, ele se surpreende ao ver luz. A baleia abre sua imensa mandíbula, e a luz invade a garganta da fera através de seus dentes enormes, e Thor se solta e mergulha pela garganta dela.

Desta vez o fluxo de água ajuda Thor a descer de volta pela garganta da baleia em direção à luz do sol. Ele escorrega pela língua comprida e viscosa da baleia até o fim do caminho.

Logo Thor passa pelos dentes da baleia e sai pela boca da criatura, finalmente atingindo a superfície da água sob a luz do dia.

Thor se debate no mar aberto, surpreendido pela temperatura fria da água, e estica o braço e agarra uma das várias tábuas em meio aos detritos. Enquanto ele fica ali, flutuando, Thor se vira e olha para a besta.

A baleia encara Thor com seus olhos imensos, sem piscar – olhos antigos que parecem carregar toda sabedoria e todos os segredos do mundo. Ela continua ali, flutuando na superfície, examinando Thor como se ele fosse um velho amigo.

Finalmente, sem aviso, ela abaixa a cabela e mergulha para o fundo do mar, desaparecendo tão rápido quanto havia surgido. Thor é balançado pelas ondas formadas por sua partida.

Sozinho mais uma vez, exausto, ele flutua sobre o pedaço de madeira. Ele examina o oceano distante, na esperança de ver alguém, qualquer coisa.

Mas não há nada. Ele está completamente sozinho mais uma vez, vivo, mas flutuando no meio do nado, sem qualquer terra à vista.

*

Gwen permanece na proa de seu navio, mesmo enquanto ele se vira, incapaz de deixar de olhar. Ela não tem certeza que Thor está ali, isso é verdade, mas mesmo assim, de alguma forma, ir em direção ao sul onde eles tinham visto a frota do Império pela última vez a tinha feito sentir-se melhor, como se ela de alguma forma estivesse se aproximando dele. Talvez todos tivessem mesmo razão: talvez Thor não estivesse mesmo ali. Talvez, ela detesta até mesmo pensar nisso, ele estivesse mesmo morto.

Mas enquanto eles se afastam, Gwen não consegue ignorar seus instintos, não consegue ignorar a sensação de que que Thor está vivo, de que ele está em algum lugar lá fora, esperando por ela. Ela sente como se estivesse deixando para trás a última coisa que ainda lhe restava na vida. Aquilo não fazia o menor sentido, mas algo estava lhe dizendo que ela estava cometendo um erro.

Algo lhe dizia para dar meia volta.

Gwendolyn, a única pessoa olhando para trás, parada ali com o bebê nos braços, observa os detritos flutuando na água. Não há qualquer sinal de Thor em qualquer parte, apenas nuvens escuras se aproximando no horizonte, chegando cada vez mais perto, e as infinitas ruínas do que um dia havia sido a frota do Império. Ainda assim, ela percebe, às vezes era preciso seguir seus instintos, por mais loucos que eles pudessem ser, e fazer coisas que não faziam sentido algum.

"Virem a frota," Gwen de repente fala para Steffen, surpreendendo até mesmo a si mesma.

Steffen a encara com olhos arregalados de espanto.

"Eu ouvi bem, minha senhora?" ele pergunta.

Ela assente.

"Mas por quê?" Kendrick pergunta, aproximando-se dela com uma expressão preocupada no rosto.

"Não posso dar as costas a Thorgrin," explica Gwen. "Eu sinto que ele está em algum lugar lá fora. Eu sinto que ele precisa de mim."

Todos os outros estão ao lado dela agora, olhado para ela como se ela estivesse louca.

"Nosso povo está desesperado, minha senhora," Kendrick diz. "Podemos não encontrar terra firme por sabe-se lá quanto tempo. Se voltarmos para buscar Thor, que pode nem estar lá, então poderemos morrer tentando."

Gwen olha para ele com uma expressão dura.

"Então morreremos tentando."

Kendrick abaixa a cabeça, silenciado.

"Quem quiser nos deixar," declara Gwen, em voz alta, "pode ir para os outros navios e partir. Eu estou ordenando que virem este navio."

Todos seus homens a encaram em silêncio, e então finalmente partem para a ação.

"Virem o navio!" um dos marinheiros grita.

Seu grito ecoa pelo navio, e logo as velas são içadas e viradas, e Gwen sente o grande navio dando a volta na outra direção. Ela imediatamente se sente melhor, como se um grande peso tivesse sido tirado de dentro de seu coração.

"Minha irmã, fico feliz que tenha seguido seus instintos," Reece fala. "Mesmo se estiver errada, eu a admiro por isso. Eu também gostaria de ter voltado."

"E eu também," Kendrick completa.

"E eu," diz um coro de vozes.

Gwen se sente acalentada pelo apoio de seus homens, e todos se viram para observar o mar. Enquanto Gwen olha para o mar, ela ouve um guincho, e ao esticar o pescoço vê um pássaro familiar. Lá está Estófeles, voando acima do navio. Ela guincha mais uma vez, dando voltas em círculos acima deles; Gwen sente que ela está tentando lhes dizer alguma coisa.

"Siga o falcão!" Gwen grita.

Os homens mudam a rota do navio e seguem Estófeles que os guia em uma nova direção, atravessando o mar de detritos à medida que o navio navega em meio ao mar repleto de madeira.

Gwen fixa os olhos na água, procurando por toda parte, seguindo seu coração. Ela fecha os olhos.

Por favor, Deus. Traga-o para mim.

Estófeles guincha, e Gwen assiste quando ela mergulha ao longe e aterrissa no meio do oceano, atrás de uma enorme pilha detritos. Gwen a perde de vista.

O navio continua navegando na direção dela, e Gwen continua observando o mar, quando de repente ela vê alguma coisa.

"Ali!" ela grita, apontando para o que parece ser um corpo.

Eles chegam mais perto, e o coração de Gwen se sobressalta ao ver um corpo debruçado sobre uma pilha de madeira. O corpo fica flutuando ali, e parece gelado, enrijecido e talvez sem vida. Ela tem medo de ter esperanças e, ainda assim, ao se aproximarem, seu corpo parece se aquecer e Gwen vê seu rosto pela primeira vez.

Ela irrompe em lágrimas: ali está Thor, inconsciente, flutuando no meio do mar. O coração de Gwendolyn bate acelerado; ela mal consegue acreditar na cena diante de seus olhos. Ela estava certa – aquele é realmente ele.

"Abaixem as cordas!" grita uma voz.

Gwen se vira e entrega o bebê para Illepra, que está ao seu lado, e é a primeira a se adiantar, segurar a corda e arremessá-la para fora do barco enquanto se aproximam. Ela não espera pelos outros e salta para fora do navio, segurando na corda e lentamente descendo ao nível do mar.

O coração de Gwen se acelera à medida que ela se aproxima, rezando para que Thor esteja vivo. Ela chega até ele e solta a acorda, saltando na água e nadando até perto de Thor.

"Minha senhora!" alguém grita de dentro do navio, enquanto vários homens se apressam a descer pela corda para ajudá-la.

Gwen os ignora; ela nada até Thor e se agarra a ela, sacudindo-o. Ela vê que ele está inconsciente, e que seus lábios estão azuis. Mas ele ainda respira.

"Ele está vivo!" ela grita com satisfação.

Ela chora, aliviada, abraçando seu corpo inerte com força, sem querer deixá-lo. Ele estava vivo. Ele realmente estava vivo.

CAPÍTULO QUINZE

Thor abre os olhos e se vê deitando de costas dentro de uma cabine escura em um navio em movimento, com a luz do sol invadindo o quarto por pequenas frestas na janela. Ele se sente descansado pela primeira vez desde que consegue se lembrar, como se tivesse dormido por milhares de anos. Ele sente uma presença no quarto antes mesmo de vê-la, e ao olhar para cima é tomado de alegria ao ver um rosto familiar sorrindo para ele ao mesmo tempo em que uma mulher estica o braço e acaricia seu rosto com o toque mais suave que ele jamais havia sentido. Seu rosto é tão cheio de amor, seus olhos tão cheios de lágrimas – que Thor a princípio se pergunta se aquilo seria apenas outro sonho.

Mas ao se sentar, seu coração se anima ao perceber que aquilo de fato está acontecendo. Ali, diante dele, está o grande amor de sua vida, a mulher que ele havia rezado, várias e várias vezes, para reencontrar.

Gwendolyn.

Gwen se aproxima dele e o abraça chorando, e ele a envolve em seus braços. A sensação de tê-la tão perto é surreal. Todos os seus desejos, todas as suas preces tinham sido atendidas. Ele a abraça com força, desejando nunca mais deixá-la partir. Ele mal pode acreditar que estão juntos novamente depois de tudo que havia acontecido.

"Você não pode imaginar o quanto eu rezei e esperei por esse momento," ela sussurra em seus ouvidos entre lágrimas.

"Eu não pensei em outra coisa, a não ser em você," ele responde.

"Eu jamais pensei que o veria novamente," ela fala. "Eu apenas ousei sonhar com isso."

Gwen se afasta e olha dentro dos olhos dele. Ela coloca as mãos suavemente em seu rosto e, aproximando-se, o beija, e Thor retribui apaixonadamente, sentindo o toque dos lábios dela nos seus. Eles continuam se beijando por um longo tempo e todas as lembranças que Thor tem de Gwendolyn retornam – a primeira vez que tinham se conhecido… o primeiro encontro…o nascimento de Guwayne, Thor nunca havia imaginado amar alguém como ele a amava, e estar ali com ele o faz sentir como se eles estivessem se conhecendo pela primeira vez.

Thor também sente uma nova força interior, sentindo-se curado de todos os seus ferimentos, rejuvenescido – mais uma vez o guerreiro que costumava ser. Ele havia descansado e se recuperado naquele navio, e percebe que mais uma vez, Gwendolyn havia salvado sua vida. Thor se afasta e olha dentro dos olhos dela.

"Como você me encontrou?" ele pergunta.

Ela sorri.

"Isso foi fácil," ela responde. "Você estava flutuando no mar. Foi difícil não encontrá-lo."

Thor sorri e balança a cabeça, assimilando tudo.

"Se você não tivesse voltado para me buscar, eu estaria morto."

Gwendolyn sorri para ele.

"E se eu não tivesse voltado para buscá-lo, eu mesma teria morrido," ela retruca.

Ela volta a abraçá-lo, e ele a segura com força. É surreal senti-la tão perto, sentir o cheiro dela e a das roupas que ela veste. Por muito tempo ela tinha sido apenas uma fantasia em sua mente, ele não tinha tido certeza se jamais voltaria a vê-la.

Thor de repente é invadido por outra lembrança.

"E Guwayne?"

Ele sente que Gwen fica tensa, e quando ela se afasta, seu coração se parte ao ver que o rosto dela se contorce de dor e seus olhos se enchem de lágrimas.

Gwendolyn não responde, e em vez disso ela lentamente balança a cabeça enquanto lágrimas lentamente escorrem pelo seu rosto.

"O que aconteceu?" Thor pergunta preocupado.

Gwen irrompe em lágrimas, chorando por um longo tempo, e Thor não sabe o que dizer. Seu coração bate acelerado enquanto ele espera por uma resposta. Seu filho estava vivo?"

"A ilha estava sendo atacada," Gwen finalmente diz entre lágrimas. "Eu estava certa de que todos morreríamos. Eu queria poupar Guwayne de uma morte certa. Então eu o mandei embora, para o mar. Em um barco."

Thor suspira – chocado, enquanto Gwen continua chorando.

"Eu sinto muito," ela diz. "Eu realmente sinto muito."

Thor se aproxima e a abraça com força, embalando-a e confortando-a.

"Você fez o que achava melhor," ele fala. "Não se culpe por isso. É muito provável que todos você morreriam – e de fato muitos de nosso povo morreram."

Gwendolyn lentamente se acalma, e olha dentro dos olhos dele.

"Temos que encontrá-lo," ela diz. "Eu o encontrarei, ou morrerei tentando."

Thor assente, compreendendo.

"Ele voltará para junto de nós," ele responde. "O que nos pertence não pode ser tirado de nós."

Gwen olha dentro dos olhos dele com uma pontada de esperança.

"Mycoples?" pergunta ela, esperançosa. “Ralibar? Eles podem nos ajudar?"

É a vez de Thor balançar a cabeça com tristeza.

"Sinto muito, meu amor," ele responde. "Sou o único sobrevivente."

Mais lágrimas rolam pelo seu rosto, mas elas assente estoicamente.

"Eu deduzi," ela comenta. "Eu podia sentir isso, em meu coração e em meus sonhos. Eu sentia Ralibar tentando se comunicar comigo. Eu os amava profundamente."

"E eu também." comenta Thor.

Um longo silêncio recai sobre o quarto, e ambos encaram o vazio, perdidos em suas memórias e tomados pela tristeza.

"Então como encontraremos Guwayne, sem um dragão para vasculhar os mares?" Gwen pergunta.

Thor pensa por um momento, e um novo senso de propósito toma conta dele. Ele se lembra das palavras de sua mãe, e sente que o que está diante dele seria a maior missão da vida dele. Aquela seria uma missão mais importante que sua busca pela Espada do Destino, e ainda mais importante que sua busca por sua mãe. Mais importante ainda que sua própria vida.

"Eu o encontrarei," ele diz. "Sem a ajuda de um dragão. Sem a ajuda de qualquer coisa a não ser de mim mesmo. Eu pegarei um barco, e sairei em uma busca de meu filho agora mesmo."

"Eu já tentei," Gwen diz, balançando a cabeça. "Estou certa de que ele seguiu em direção ao norte. Não há terra naquela direção, nada em qualquer mapa. Levar nosso povo naquela direção seria matar todos eles. Eles precisam desesperadamente de provisões. Eu tentei uma vez, não posso fazê-lo novamente."

"Eu compreendo," Thor responde. "Mas eu posso."

Gwen olha para ele com esperança evidente em seus olhos.

"Leve nosso povo para uma nova terra, para um lugar seguro. Onde quer que isso seja. E eu encontrarei Guwayne."

Gwen parece incerta.

"Eu odeio a ideia de me separar de você de novo. Por qualquer que seja o motivo," ela comenta. "Mas por nosso filho… não há outra maneira."

Eles se encaram e entram em um acordo silencioso de se separarem, e Gwen estica o braço e pega na mão dele. Eles se viram e olham nos olhos um do outro.

"Está pronto para cumprimentar nosso povo?" ela pergunta.

Gwen o leva pelas escadas da cabine, e Thor fecha os olhos contra a claridade ao subirem ao convés.

Thor se surpreende ao ver centenas de seus camaradas esperando para cumprimentá-lo, olhando para ele como se ele fosse um herói renascido das cinzas. Thor vê amor em seus olhos, como se eles estivessem testemunhando o surgimento de um Deus.

Todos se aproximam e Thor os abraça, um após o outro – e seu coração se enche de alegria ao rever seus velhos amigos e seu povo mais uma vez. Reece chega mais perto, e depois Elden, O´Connor, Conven, Kendrick, Godfrey… ele reconhece um após o outro, todos homens que acreditava que nunca mais veria novamente.

"Tenho pouco tempo," Thor comunica para o grupo, e ao mesmo tempo todos se silenciam. Todos os olhos se concentram nele. "Devo deixá-los em breve. Partirei em busca de meu filho. Levarei um dos barcos pequenos do fundo do navio. Essa será uma jornada solitária e triste, e não espero que qualquer um de vocês me acompanhe. Eu voltarei apenas quando encontrá-lo, e nenhum segundo antes."

No longo silêncio que se segue, Reece dá um passo adiante, suas botas rangendo no convés, e encara Thor.

"Aonde você for, eu também vou," diz Reece. "Para sempre a Legião."

Elden, O´Connor e Conven se juntam à Reece.

"Para sempre a Legião," eles repetem.

Thor olha para seus companheiros, sensibilizado e honrado por conhecê-los.

"Essa é uma missão da qual posso não retornar," ele avisa.

Reece sorri.

"Mais um motivo para nos juntarmos à você," ele diz.

Thor sorri de volta, vendo a determinação em seus olhares, sabendo que não conseguiria dissuadi-los, e sentindo-se grato pela companhia.

"Pois então que assim seja," ela diz. "Preparem-se. Partiremos imediatamente."

*

Reece caminha de um lado a outro do navio, juntando seus poucos pertences – a maior parte armas, e as coloca dentro de um saco enquanto se prepara para a jornada diante dele, Ele está extasiado com a volta de seu melhor amigo Thorgrin, encantado por tê-lo de volta e por estar prestes a embarcar com ele em uma jornada mais uma vez. Essa missão – mais do que qualquer outra, é importante para Reece – pois eles não estão apenas procurando por uma arma, mas em busca de Guwayne, seu sobrinho. Reece não consegue pensar em duas pessoas que ele mais ame do que Gwendolyn e Thorgrin, e não pode imaginar uma causa mais importante do que recuperar o filho deles.

Reece prepara suas armas com cuidado, afiando sua espada, verificando a mira de seu arco e ajustando suas flechas ao mesmo tempo em que coloca um arco em seu ombro e outra espada em suas costas. Ele sente que essa vai ser a missão mais importante se sua vida, e quer estar preparado.

Reece tenta não pensar em todas as pessoas que está deixando para trás – Gwendolyn, Kendrick e todo o seu povo, e acima de tudo Stara; e ainda assim ele se sente confiante de que voltará a encontrar todos eles e, mais importante, de que retornará vitorioso e com Guwayne nos braços.

Afinal de contas, Reece e Thorgrin são irmãos da Legião, e para Reece, isso é mais sagrado do que sangue – mais sagrado do que qualquer coisa no mundo. Eles compartilham um laço de honra: se um deles estivesse em apuros, todos eles estariam em apuros. Se o filho de Gwendolyn estava desaparecido, é como se o próprio filho de Reece estivesse desaparecido. Reece se lembra das palavras de Kolk, marteladas em sua mente durante seu treinamento: Nunca pense que você luta sozinho. Quando um de vocês está ferido, todos vocês estão feridos. Se vocês não puderem aprender a lutarem lado a lado com seus irmãos, nunca se tornarão guerreiros de verdade. Uma batalha significa sacrifícios. Quando mais cedo vocês aprenderem isso, melhores guerreiros vocês se tornarão.

Reece se arrepende de uma única coisa a respeito dessa missão, e essa coisa diz respeito a Stara. Embora ele não admita para si mesmo que sinta algo por ela, ele precisa admitir, ao menos, que pensa nela. Algo acontece quando ele está perto dela, ele tem que admitir – é viciante. Não é apenas uma questão de querer estar na presença dela, mas o fato de sentir a ausência dela quando ela não está por perto. Como se algo não estivesse exatamente bem com ele.

Mas Reece ignora esses pensamentos; Selese ainda domina seu coração, que ainda sofre com a sua perda. Partir com Thorgrin nessa viagem dará a Reece um tempo para refletir, mantendo fresca sua culpa pela perda de Selese. E é exatamente isso o que ele quer.

E ainda assim – ele tem que admitir, uma parte de Reece sente que ele está abandonando Stara, mesmo que ela esteja naquele navio com todas aquelas pessoas.

"Então você vai mesmo simplesmente partir?" diz uma voz.

Os cabelos na parte de trás do pescoço de Reece se arrepiam ao ouvir a voz da pessoa em quem ele estava pensando – como se sua própria consciência estivesse conversando com ele.

Ele coloca a espada na bainha e se vira, e vê Stara olhando para ele com uma expressão de tristeza e frustração estampada no rosto.

Reece limpa a garganta e tenta parecer corajoso.

"Meu irmão me convocou em um momento de necessidade," Reece responde casualmente. "Que escolha tenho eu?"

"Que escolha?" Stara repete. "Você tem a escolha que quiser. Você não precisa ir nessa missão."

"Thor precisa de mim," responde Reece.

Stara faz uma careta.

"Thor é um excelente guerreiro. Ele não precisa de você. Ele não precisa de qualquer um de vocês. Ele pode encontrar seu filho sozinho."

É a vez de Reece fazer uma careta.

"Então eu devo deixá-lo sozinho, aconteça o que aconteça?"

Stara vira o rosto.

"Eu não quero que você vá," ela diz. "Eu quero você aqui. Comigo. Quero você com todos nesse navio, onde quer que estejamos indo. Nós não contamos? Thor é mais importante do que eu?"

Reece a encara, perplexo. Ele não sabe o motivo de toda aquela discussão; ela está agindo como se eles fossem um casal – mas eles não são. Durante a maior parte da viagem, na verdade, ela mal tinha tomado conhecimento dele. Não tinha sido ela, afinal de contas, quem tinha dito que eles nunca ficariam juntos, a não ser no sofrimento pela perda de Selese?

Reece tem certeza de que nunca entenderia a maneira como as mulheres pensam. Ele dá um passo adiante e fala gentilmente, repleto de compaixão por ela.

"Stara," ele diz, "você tem sido uma verdadeira amiga para mim. Mas como você mesmo disse, não pode haver mais nada entre nós. Há um fantasma entre nós dois, e vivemos unidos pelo luto."

Reece suspira.

"Eu admito, sentirei sua falta. Eu gostaria de ficar com você, da forma como for possível. Mas eu sinto muito, meus irmãos precisam de mim. E quando um de meus irmãos precisa de mim, eu vou à ajuda dele. É assim que eu sou. Não há outra escolha para mim."

Stara o encara com olhos azuis repletos de lágrimas, e esse olhar assombra Reece; é um olhar, ele sabe, que ele não conseguiria esquecer facilmente.

"Então vá!" ela grita.

Stara lhe dá as costas e se afasta rapidamente. Ela atravessa a multidão que preenche o navio, e Reece logo a perde de vista, antes mesmo de ter a chance de consolá-la.

Mas ele sabe que não teria a menor chance de fazer isso. A relação deles era da forma como tinha que ser. Reece ainda não conseguia entendê-la completamente – mas por outro lado, ele não tem certeza se algum dia o faria.

*

Gwendolyn está no centro do navio, cercada por todos os seus conselheiros, todo o navio reunido discutindo onde deveriam ir em seguida. A conversa é intensa e desgastante, e parece girar em círculos com todos os envolvidos tendo suas próprias opiniões formadas. Gwen havia pedido que Thorgrin ficasse para a reunião antes de partir, e ele agora estava ao seu lado – assim como a Legião, ouvindo o que se passava. Ela se sente grata pela presença dele e pelo fato de que ele ainda não havia partido. Aquele decisão era importante demais; ela o quer ao lado dela. A acima de tudo, ela quer aproveitar cada momento com ele antes que ele tenha partir novamente.

"Não podemos retornar ao Anel," Kendrick diz, discutindo com uma das pessoas do grupo. "Ele foi destruído. Levaria gerações para reconstruí-lo. E ele está ocupado."

"E também não podemos retornar às Ilhas Superiores," Aberthol anuncia. "Havia pouco naquele lugar antes que ele fosse completamente destruído pelos dragões, e agora não resta qualquer coisa."

O grupo continua argumentando descontente, e uma discussão acalorada se segue.

"Então para onde vamos?" alguém pergunta. "Que outro lugar nos resta?"

"Temos poucos mantimentos!" grita outra pessoa. "E nossos mapas não mostram quaisquer ilhas, nenhum terra, nada em qualquer lugar próximo daqui!"

"Nós morreremos todos nesses navios!" outro homem anuncia.

Mais uma vez, o burburinho recomeça, seu povo cada vez mais agitado.

Gwendolyn entende a frustração deles, e até se simpatiza com eles; ela observa o horizonte e se pergunta as mesmas coisas. Um mar infinito se estende diante deles, e ela não faz a menor ideia de onde levar seu povo.

De repente, Sandara dá um passo à frente, indo para o meio da multidão – tão alta, nobre, elegante e exótica, com sua pele escura, olhos amarelos brilhantes e postura dominante, ela é uma mulher orgulhosa e graciosa, que chamava a atenção por onde passava, e imediatamente todos os olhos se viram para ela. A multidão se silencia enquanto ela olha para Gwendolyn.

"Vocês podem ir para o meu povo," ela diz.

Gwen a encara em choque, e o silêncio se aprofunda.

"Seu povo?" Gwen pergunta.

Sandara assente.

"Eles os aceitarão. Eu lhes garanto."

Gwen continua olhando para ela, confusa.

"E onde vive seu povo?" ela pergunta.

"Eles vivem em uma província remota. Do lado de fora da cidade de Volúsia. A capital da região norte do Império."

"No Império? alguém grita do meio da multidão, completamente indignado, e o burburinho recomeça.

"Você quer nos levar para o coração do Império?" outro homem grita.

"Você acha que somos um carneiro pronto para o abate?" grita outro.

"E por que não nos render para o Romulus? Por que simplesmente não nos mata aqui mesmo?" zomba outro homem.

Cada vez mais gritos de descontentamento são ouvidos no meio da multidão, até que Kendrick finalmente se aproxima de Sandara para protegê-la, gritando por silêncio e batendo um cajado no convés.

A multidão por fim se silencia e Gwendolyn, incerta sobre que decisão tomar, encara Sandara. Ela sabe que não tem muitas opções, mas aquela ideia lhe parece insana.

"Explique-se," ela ordena.

"Vocês não entendem o Império," Sandara diz, "por que nunca estiveram lá. Aquela é minha terra natal. O Império é mais vasto do que vocês podem imaginar, e é uma terra desunida. Nem todas as províncias pensam da mesma forma Há um conflito interno entre a maioria delas. É uma aliança bastante frágil. O Império é formado pela conquista de um povo pelo outro, e o descontentamento entre os conquistados é profundo."

"As terras do Império são tão vastas, que há lugares que permanecem escondidos. Há regiões separatistas. Sim, eles subjugaram nossos povos livres, e os tornaram seus escravos. Mas ainda há lugares – se você souber onde procurar, onde vocês podem se esconder. Meu povo pode ajudá-los. Eles têm comida e abrigo. Vocês encontrarão terras lá, e podem se esconder, se recuperar, e então poderão decidir o que fazer a seguir."

Um silêncio pesado recai sobre o barco.

"O que precisamos é de um novo lar, e não de um abrigo," aponta Aberthol com sua voz velha e cansada.

"Talvez esse lugar se torne nosso novo lar," diz Godfrey.

"Um lar? No Império? No colo dos nossos inimigos?" Srog fala.

"E que outra escolha temos?" pergunta Brandt. "O Anel era o último território que o Império ainda não havia ocupado. Qualquer outro lugar onde formos estará ocupado por eles."

"E que tal as Ilhas do Sul? pergunta Atme. "E Erec?"

Kendrick balança a cabeça.

"Nós nunca os alcançaríamos. Estamos muito ao norte. Não temos provisões suficientes. E mesmo se tivéssemos, passaríamos perto demais das correntes marítimas do Anel, e teríamos que enfrentar os homens de Romulus."

"Deve haver algum outro lugar onde possamos ir!" um homem grita.

A multidão irrompe em gritos de descontentamento, discutindo entre si.

Gwendolyn fica ali parada, segurando a mão de Thor, e considera as palavras de Sandara. Quando mais ela pensa a respeito, por mais loucura que pareça, mais ela gosta da ideia.

Ela ergue uma mão, e lentamente a multidão se cala.

"O Império estará vasculhando os mares, procurando por nós," Gwen fala. "É apenas uma questão de tempo até que eles nos encontrem. Mas o último lugar que eles procurarão será dentro do próprio Império, dentro de seu território, perto de suas capitais. Romulus tem milhões de homens, e eles vasculharão toda a Terra atrás de nós, até que eventualmente nos encontrarão. Precisamos de um novo lar – é verdade, mas nesse momento, o que mais precisamos é de um lugar seguro. Precisamos de mantimentos. E de um abrigo. E navegarmos diretamente para o Império seria um movimento totalmente inesperado. E talvez, paradoxalmente, nossa escolha mais segura."

A multidão continua calma, observando Gwendolyn com respeito, e ela se volta para Sandara. Gwen vê sinceridade e inteligência em seu lindo rosto, e se sente confortável com ela. Seu irmão a ama, e isso é o suficiente para Gwendolyn.

"Você tem permissão para nos levar para sua terra natal," diz Gwendolyn. "Essa é uma tarefa sagrada, liderar um povo. Estamos colocando nossas vidas em suas mãos."

Sandara assente solenemente.

"Eu os levarei até lá," ela responde. Eu juro. Mesmo que eu morra tentando."

Gwen assente, satisfeita.

"Está decidido!" Gwen grita. "Navegaremos para o Império!"

Mais uma vez, a multidão presente no convés sussurra agitada, mas há também diversos gritos de felicidade e aprovação enquanto seu povo imediatamente começa a preparar as velas para partirem em direção à nova rota.

Um súdito insatisfeito se aproxima de Gwendolyn.

"É melhor você torcer para que seu plano dê certo," ele ameaça. "Nós temos três navios – lembre-se disso, e qualquer um de nós que não concordar pode pegar um deles e partir a qualquer momento."

Gwen enrubesce, indignada.

"O que você diz seria uma traição," Thor interrompe, dando um passo entre eles, aproximando-se do homem com a mão na espada.

Gwen estica o braço e coloca sua mão no pulso de Thor, que se acalma.

""E para onde vocês iriam?" Gwen pergunta para o homem calmamente.

O homem a encara.

"Para qualquer lugar com um pouco mais de bom senso," ele dispara, e então se vira e vai embora.

Gwen também se vira e troca um olhar com Thor. Ela está tão muito por ele ainda estar ali, e se conforta com a presença dele.

Thor balança a cabeça.

"Essa foi uma decisão corajosa," ele comenta. "Eu a admiro muito. E seu pai com certeza também a admiraria."

Thor se prepara para embarcar – seus companheiros da Legião estão todos próximos ao barco que espera para ser baixado ao mar, e Gwen estica o braço e coloca uma mão em seu braço.

Ele olha para ela.

"Antes de partir," ela diz, "há alguém que eu quero lhe apresentar."

Gwen assente, e Illepra dá um passo adiante e coloca o bebê que ela havia resgatado nas Ilhas Superiores em seus braços

Gwen mostra o bebê para Thor, que a observa com os olhos arregalados de espanto.

"Você salvou a vida dela," Gwen diz suavemente. "Você apareceu na hora certa. Seu destino está ligado ao dela, assim como o meu. Os pais dela estão mortos, nós somos tudo o que lhe resta. Ela tem a idade de Guwayne. Os destinos deles também estão ligados. Eu posso sentir isso."

Os olhos de Thor se enchem de lágrimas ao examiná-la.

"Ela é linda," ele diz.

"Eu não posso deixá-la," comenta Gwen.

"E nem devem" responde Thor.

Gwen assente, satisfeita que Thor se sinta da mesma forma que ela.

"Eu sei que você deve partir" diz Gwen. "Mas antes que você vá, você precisa receber uma benção. De Argon."

Thor olha para ela surpreso.

“Argon?” ele diz. "Ele acordou?"

Gwendolyn balança a cabeça.

"Ela não disse nada desde as Ilhas Superiores. Ele não está morto, mas também não está completamente vivo. Talvez por você, ele volte."

Eles atravessam o navio até se aproximarem de Argon. Ele está deitado, cercado pelos guardas de Gwendolyn em uma pilha de peles, com as mãos cruzadas sobre o corpo e os olhos fechados.

Gwen e Thor se ajoelham ao seu lado, e vê-lo naquele estado parte o coração de Thor – especialmente por saber que seu sacrifício para salvá-los o havia deixado naquela situação.

Eles colocam as mãos nos ombros de Argon e o observam pacientemente.

“Argon?” Gwen pergunta suavemente.

Eles esperam, sentindo o leve balançar das ondas. Gwen sabe que eles não poderiam esperar por muito mais tempo – Guwayne estava perdido em algum lugar lá fora, afinal.

Por fim, depois do que lhe parece uma eternidade, Thor olha para ela.

"Eu não posso esperar," ele diz.

Gwen assente, compreendendo.

Assim que Thor começa a se levantar, Gwen de repente estica o braço e agarra a sua mão, apontando. Argon havia acordado.

Thor volta a se ajoelhar e Argon olha diretamente para ele. Ele faz um sinal com a cabeça, parecendo comunicar sua aprovação.

"Argon," Thor diz, "dê-me sua benção."

"Você a tem," ele sussurra, colocando a mão no pulso de Thor. "Mas não precisa dela. Você criará suas próprias bençãos."

"Argon, diga-me," Gwen pede, "nosso filho ainda vive? Nós o encontraremos? Temos sua benção em nossa busca por ele?"

Argon fecha os olhos e balança a cabeça, afastando sua mão.

"Não posso alterar o que já foi predestinado," ele diz.

Gwen sente um buraco no estômago ao ouvir as palavras dele, e ela e Thor trocam um olhar preocupado.

"Alcançaremos o Império?" Pergunta Gwen. "Nós conseguiremos sobreviver?"

Argon fica em silêncio por um bom tempo – tanto tempo, que Gwen se pergunta se ele algum dia responderia. Quando eles estão prestes a partir, ele ergue o braço e agarra o braço dela. Ele a encara com tanta intensidade – seus olhos brilham tanto, que ela tem que virar o rosto.

"Do outro lado do mundo, no território do Império, eu vejo outro grande guerreiro, um homem cuja estrela está ascendente. Se ele viver, e você puder chegar até ele, você pode alcançar o que ninguém mais pode."

"Quem é esse jovem?" Insiste ela.

Mas Argon havia fechado os olhos e, depois de um tempo, ela percebe que ele havia voltado para o seu estado suspenso. Ela então começa a pensar. Isso significaria que eles conseguiriam chegar até lá? Que o destino de seu povo estava nas mãos de um único garoto? E mais importante ainda quem era esse garoto?

CAPÍTULO DEZESSEIS

Darius geme ao girar o machado cego em um amplo arco bem acima de seus ombros, acertando em cheio em uma enorme pedra como já fazia desde o amanhecer. A rocha se parte em pedaços pequenos, acumulando-se no chão e criando uma nuvem de poeira que o cobre da cabeça aos pés. O cheiro pungente irrita suas narinas, e ele tenta virar o rosto.

Darius sabe que é inútil: ele está coberto de poeira da cabeça aos pés depois de um longo dia de trabalho, como tinha sido praticamente todos os dias de toda a sua mísera vida. Aos quinze anos de idade, suas mãos estavam sempre em carne viva e suas roupas gastas, tendo passado quase toda a sua vida trabalhando duro em um trabalho desgastante. Aquela era a vida de um escravo e, como todas as pessoas de seu povo, ela não conhecia outro tipo de vida.

Mas Darius sonhava com uma vida diferente, mesmo que fosse uma vida que ele jamais havia conhecido. Ele se parece com seu povo – com a mesma pele escura, olhos amarelos e corpo musculoso, mas há algo que o separa dos demais. Ele tem um rosto orgulhoso, olhos brilhantes e testa larga – e não se porta como um escravo, como muitos de seus companheiros; em vez disso, ele tem o coração e alma de um guerreiro. Ele exala coragem, honra e orgulho – e se recusa a abaixar a cabeça. Enquanto todos os seus companheiros têm cabelos curtos, os cabelos de Darius são compridos e enrolados, castanhos e selvagens, usados em um rabo puxado para trás que cobre as suas costas, Ele é sua marca de individualidade em um mundo subjugado, e ele se recusa a cortá-lo. Mais de uma vez seus amigos o tinham zombado por causa disso – e depois de muitos desafios que Darius havia vencido, provando ser o melhor guerreiro, as brincadeiras haviam cessado e eles haviam aprendido a conviver com sua singularidade.

Sem uma grama de gordura em todo o seu corpo, Darius – embora ele não fosse tão musculoso como alguns dos outros rapazes, era mais forte e mais rápido do que a maioria deles. Ele sentia que era diferente de todos os membros de sua tribo, destinado a ser um grande guerreiro. Destinado a ser livre.

Mas ao olhar ao seu redor, Darius percebe a diferença entre a realidade e o destino que ele imagina para si mesmo. A cada dia, ele continua sendo um escravo, como todos os seus companheiros, sujeito aos caprichos do Império, para fazer tudo o que eles mandassem. Darius sabe que seu povo não está sozinho: o Império havia escravizado todos os povos, pessoas com todas as cores de pele e de olhos, de todas as partes do mundo. Eles tinham escravizado qualquer pessoa que não fosse da mesma raça que eles, qualquer pessoa que não tivesse a pele amarela brilhante da elite do Império, que não tivesse dois pequenos chifres atrás das orelhas, as pequenas orelhas pontiagudas, a altura e largura exagerada, o corpo super musculoso e os olhos vermelhos brilhantes. Sem falar nas presas. O Império acreditava ser a raça suprema, a mais superior de todas as criaturas.

Mas Darius não acreditava nisso nem por um segundo. O Império tem apenas números superiores, armas e organização superiores, e tinham usado brutalidade, a força dos números – e acima de tudo, a magia negra – para subjugar as outras raças a fazer a sua vontade. Misericórdia é um conceito que não existe na cultura do Império; eles parecem prosperar com a brutalidade, e para cada escravo, existem dez capatazes. Eles são uma raça de soldados. Eles são mais bem armados e mais organizados – e seu exército de um milhão de homens parece estar em toda a parte a todo momento.

Tudo faria mais sentido se o Império fosse composto de bárbaros – mas Darius tinha ouvido falar de suas cidades, repletas de ouro, e tinha ouvido que a raça do Império era incrivelmente sofisticada e civilizada. É um paradoxo que ele não consegue conciliar em sua mente, por mais que ele tente.

Darius tenta se consolar com as pequenas coisas; pelo menos naquela região, o Império não os matava. Ele tinha ouvido de outras regiões onde o Império não deixava que as pessoas vivessem nem mesmo para serem escravas; em vez disso, eles as vendiam em mercados de escravos, separando-as de suas famílias, ou simplesmente as torturavam ou matavam. Ele tinha ouvido ainda de outros lugares onde eles matavam escravos de fome, alimentando-os apenas uma vez por semana, e de outros lugares onde eles batiam tanto neles, durante tanto tempo, que poucos atingiam a idade de Darius.

Pelo menos ali, na província de Darius, ao norte do Império, do lado de fora da grande cidade de Volúsia, eles haviam chegado a um acordo com o Império – que os mantinha escravizados, mas não batia neles com frequência, permitindo que se alimentassem e que permanecessem vivos. E pelo menos quando Darius voltara para sua própria vila à noite, eles estavam longe o suficiente dos olhos do Império para poderem trabalhar secretamente em sua resistência. Quando o dia de trabalho terminava, eles estavam se reunindo e treinando; tornando-se guerreiros melhores e, devagar e sempre, reunindo algumas armas. O que eles tinham eram armas grosseiras, nada como o ferro e o aço do Império, mas ainda assim eram armas de verdade. Eles lentamente estavam se preparando – pelo menos da cabeça de Darius, para a grande insurreição.

Mesmo assim, Darius se sente extremante frustrado que nem todos vejam as coisas dessa forma. Darius quebra outra pedra, limpando o suor de seu rosto, e faz uma careta. Seus companheiros, especialmente os mais velhos, são muito ressabiados, conservadores demais. Eles haviam falado sobre uma insurreição durante toda a vida de Darius, e ninguém jamais havia feito algo. Tudo o que faziam era treinar para tornarem-se guerreiros melhores – e ninguém nunca tomava uma atitude.

Darius estava prestes a atingir o seu limite. Ele tinha sido capaz de manter o seu orgulho, apesar de sua situação, pois havia vivido toda a sua vida à espera da revolução, esperando o dia em que lutaria pela sua liberdade. Mas cada vez mais, ele observava seus companheiros se acostumarem a uma vida de apatia, e seu medo crescia de que esse dia não chegaria nunca. Darius quebra mais uma pedra, se perguntando se todo aquele treinamento seria apenas uma forma dos mais velhos mantê-los ocupados, dando-lhes esperança. E para mantê-los em seus devidos lugares.

Sim, eles estavam em melhores condições do que a maioria, mas mesmo assim, aquilo não era vida. Ele tinha visto muitos de seus primos morrerem devido a atos aleatórios de crueldade, tinha sido punido diversas vezes e não poderia simplesmente esquecer ou perdoar. Darius detesta o Império com todas as suas forças. Ele não poderia simplesmente se deitar como os mais velhos e aceitar a vida como ela é. Darius sente que ele é diferente dos outros, que tem menos tolerância e menos disposição para aceitar tudo aquilo. Ele sabe que, no fundo, não conseguiria esperar muito mais tempo pelos mais velhos. Eventualmente, se mais ninguém estivesse disposto a agir, ele tomaria uma atitude – mesmo que isso resultasse em sua própria morte. Seria melhor morrer buscando a liberdade, pensa Darius, do que viver uma vida longa como escravo.

Darius observa os quase cem garotos a sua volta no campo empoeirado, todos eles partindo pedras e cobertos pelo pó que tinha passado a fazer parte de suas identidades. Alguns deles eram amigos, outros membros da mesma família; e outros ainda eram garotos com quem ele costumava treinar, rapazes musculosos, a maioria maiores e mais fortes que ele – e também mais velhos, alguns com dezesseis, dezessete e até mais de vinte anos. Darius era um dos mais novos e menores garotos da turma – e mesmo assim era capaz de se defender, lutando tão bem quanto qualquer um deles. Eles respeitavam suas habilidades e o aceitavam, embora o testassem com frequência.

Darius tinha algo que ninguém mais tinham – algo que ele havia mantido em segredo durante toda a sua vida, determinado a não deixar que ninguém mais soubesse. Ele tinha um poder, algo que ele mesmo não compreendia. Seu povo rejeitava todo tipo de feitiço e magia; tudo era estritamente proibido, e esse conceito tinha sido martelando em sua mente desde quando ele ainda era uma criança. Chega a ser irônico, pensa Darius, pois sua vila estava repleta de visionários, profetas e curandeiros que faziam uso das artes místicas. Mas usar magia durante uma batalha era considerado uma vergonha. Eles prefeririam morrer como escravos nas mãos do Império.

Então Darius continuava guardando o segredo, sabendo que ele seria considerado um párea se seu segredo fosse revelado. E também, ele tem que admitir, Darius também sente um pouco de medo de seu poder. Ele tinha ficado chocado no dia em que o tinha descoberto, recentemente, e ainda estava incerto se aquilo era realmente um poder, ou se tinha sido apenas um truque. Ele estava empurrando uma pedra, preparando-se para esmagá-la com um machado, e tinha descoberto um ninho de escorpiões. Um deles tinha se aproximado de seu tornozelo – um escorpião negro com listras amarelas, o mais letal de todos, e Darius soube imediatamente que no instante em que o animal tocasse sua pele ele estaria morto.

Darius nem teve tempo de pensar – ele apenas reagiu. Ele havia apontado seu dedo na direção do animal, e uma luz – rápida como um raio, tinha saído dele.. O inseto tinha saído voando para trás, vários metros, caindo de costas, morto.

Darius tinha ficado mais assustado com a descoberta do seu novo poder do que com a descoberta do ninho de escorpiões. Ele tinha olhado à sua volta para se certificar de que ninguém tinha visto o ocorrido, e por sorte ninguém estava por perto. Ele não sabe o que eles pensariam dele se tivessem visto aquilo. Eles o veriam como uma aberração?

Darius suspeita que, no fundo, seu povo não rejeitava a mágica por completo; ele suspeita que no fundo os mais velhos apenas temiam que o Império os descobrisse. O Império havia criado uma lei contra qualquer tipo de mágica na terra. Quando descobriam ou suspeitavam que povos de outras vilas tinham poderes, o Império havia devastado toda a vila, assassinando cada um de seus moradores – homens, mulheres e crianças. Talvez, pensa Darius, os mais velhos rejeitem a magia apenas por instinto de preservação. Secretamente, é claro, eles adorariam ter os poderem necessários para derrubar o Império. E por que não gostariam?

Darius tenta se concentrar em seu trabalho, batendo nas pedras com o dobro de força ao mesmo tempo em que tenta bloquear esses pensamentos de sua cabeça. Ele sabe que aquelas ideias não são úteis. Aquela é a sua vida, pelo menos por enquanto. Até que ele esteja preparado para fazer algo a respeito, ele precisa reprimir esses sentimentos.

Há um tremor repentino, seguido por gritos distantes. Darius para e se vira com todos os outros, e o silêncio recai sobre o lugar pela primeira vez naquele dia enquanto todos observam o horizonte. Aquele é um barulho familiar: o som de um desmoronamento. Darius olha para as montanhas vermelhas que se erguem diante deles à distância, onde milhares de seus companheiros trabalham – aqueles com menos sorte, que tinham sido designados para trabalharem no subsolo, na mineração das cavernas. É quente ali, mesmo para Darius, e todos trabalham sem camisa sob o sol quente do Império, nas areias vermelhas do deserto; mas lá em cima, nas montanhas – embaixo da terra, é ainda mais quente. Quente demais. Quente o suficiente para fazer com que o solo fértil dos cumes se desprenda. O coração de Darius se aperta ao ver o fim do desmoronamento, e ele vê dezenas de guardas gritando ao despencarem de cima da montanha.

Dois capatazes do Império que supervisionam o grupo de Darius, vestindo armaduras belíssimas e armas de aço da mais alta qualidade, olham para o horizonte, alarmados. Eles começam a correr, como sempre faziam quando um de seus próprios homens se feria. Eles os deixam sozinhos – sabendo, é claro, que nenhum escravo ousaria fugir. Eles não tinham para onde ir, e mesmo se tentassem, eles seriam caçados e morreriam – e todos os membros de suas famílias seriam mortos como punição.

Darius vê seus amigos balançando a cabeça com tristeza ao observarem a cena, fazendo uma pausa de seus afazeres, estudando o horizonte com expressões preocupadas. Darius sabe que todos estão pensando a mesma coisa: que eles tinham sorte por não terem sido escolhidos para trabalharem nas minas naquele dia. Eles parecem carregados de culpa, e Darius se pergunta quantos deles teriam amigos ou familiares presos ou morrendo lá em cima. Aquilo tinha se tornado um meio de vida, tornar-se imune à dor e às mortes que aconteciam ali diariamente, como se tudo aquilo fosse normal. A morte tinge o ar naquelas partes áridas do mundo, naquele deserto cercado de montanhas castigado pelo calor e pela poeira. Uma terra de fogo, era como seu avô se referia ao lugar.

"Eu espero que mais soldados do Império tenham morrido do que nossos homens," um dos garotos diz.

Todos se apóiam em seus machados, e Darius pensa que pelo menos aquilo tudo lhes tinha dado a oportunidade de um descanso. Afinal de contas, os capatazes não voltariam por um bom tempo, considerando a distância até as montanhas.

"Eu não sei quanto a vocês," diz uma voz profunda, "mas acho que aquelas duas zertas são bem bacanas."

Darius reconhece imediatamente a voz de seu amigo Raj, e segue a direção que ele aponta, vendo duas zertas do Império – dois grandes e belos animais, inteiramente brancos, com duas vezes o tamanho de um cavalo e bastante parecidos, mas mais altos e largos, com peles grossas como armaduras, e longos chifres no lugar da crina que começam a crescer atrás das orelhas. Zertas são animais gloriosos e, aqueles dois – amarrados a uma árvore, comendo um pouco de grama, são os mais belos que Darius já tinha visto.

Darius pode ver malícia nos olhos de Raj ao olhar para eles.

"Eu não sei quanto a vocês," continua ele, "mas eu não pretendo ficar aqui o dia inteiro esperando que eles voltem. Eu preciso de um descanso – e acho que esta zerta está querendo dar uma volta."

"Você está louco?" um dos outros garotos pergunta. "Elas pertencem ao Império. Se eles pegarem você saindo daqui, você estará morto. Se te pegarem montando nas zertas, eles vão torturar sua família inteira, depois de torturar você primeiro."

Raj dá de ombros, enxugando as palmas das mãos em suas calças.

"Pode ser," ele diz, abrindo um sorriso, "mas também, pode ser que não. E como você mesmo disse, eles primeiro tem que me pegar,"

Raj vira e estuda o horizonte.

"Duvido que eles voltem antes que eu retorne. Eles nem vão saber que seus preciosos animais saíram daqui. Algum de vocês quer ir comigo?"

Darius não está surpreso; Raj sempre tinha sido o mais audacioso do grupo, destemido, orgulhoso, fanfarrão, e o primeiro a incitar os outros. Todas qualidades que Darius admirava, exceto pelo fato de Raj também ser imprudente, e por não ter qualquer bom senso.

Mas Darius também compartilha de sua inquietação, e não pode culpá-lo. Na verdade, assim que Raj pronuncia as palavras, Darius sente uma forte vontade de partir, de se deixar levar e deixar de ser tão cuidadoso como sempre havia sido. Ele também quer parar de trabalhar um pouco, e sair daquele lugar. Ele quer muito dar um passeio, sair em uma aventura montado em uma zerta e ver onde ela o levaria. Divertir-se ao menos um dia em sua vida. Experimentar um pouco de liberdade.

"Nenhum de vocês tem coragem suficiente para me acompanhar?" Pergunta Raj. Ele é mais alto que os outros garotos, mais velho e com ombros mais largos, e lentamente examina a multidão olhando para o grupo com desdém. Todos os garotos desviam o olhar, balançando a cabeça e olhando para o chão.

"Não vale a pena," diz um deles. "Eu tenho uma família. Eu tenho uma vida."

"Talvez esse momento seja a sua vida," retruca Raj.

Mas todos os rapazes desviam os olhos, sem dizer qualquer palavra.

"Eu vou com você," Darius se ouve dizendo, sua voz profunda e distinta, mais forte que seus quinze anos.

Todos os garotos olham para Darius em choque, e Raj também o encara, obviamente surpreso. Lentamente, um sorriso se forma em seu rosto, além de um olhar de profunda admiração. Seu sorriso se transforma em uma expressão de malicia.

"Eu sempre soube que havia algo de especial em você," Raj fala.

*

Darius e Raj cavalgam lado a lado montados nas zertas, rindo enquanto os animais galopam ao longo das trilhas sinuosas da Floresta Aluviana; o vento assopra o cabelo e Darius, refrescando o calor de seu corpo depois do dia quente de trabalho e dando-lhe a sensação de liberdade pela primeira vez em anos. Aquela é uma atitude imprudente, ele sabe – e pode até mesmo levá-lo a morte, mas uma parte dele não se importa mais. Pelo menos naquele momento, por alguns instantes, ele é livre.

Darius não visitava a Floresta Aluviana há anos, mas ela não a tinha esquecido. Uma ampla trilha de terra atravessa o centro da floresta, e acima deles a copa das árvores forma uma cobertura espessa e baixa – tão baixa que muitas vezes eles são forçados a se abaixar. A floresta é famosa por suas folhas verde claras, tão claras que chegam a ser translúcidas, brilhando sob a luz do sol e fornecendo um brilho suave ao longo do caminho. É uma visão que Darius nunca havia esquecido, e vê-la novamente agora o deixa sem fôlego. As árvores também são belíssimas – com troncos quase translúcidos, expandindo e contraindo o tempo todo, como se estivessem respirando, e a floresta tem um som único, um barulho suave como se as folhas estivessem dançando, quase como um bosque de bambu.

Darius sente que aquele é um lugar mágico, um lugar de verdadeira beleza no meio de uma paisagem árida. Enquanto ele corre, ele sente o suor sempre presente em seu corpo começando a se dissipar.

"Não tão rápido quanto os mais velhos, não é mesmo?" Raj fala para ele, brincando, e de repente toma a liderança, cavalgando vários metros diante de Darius.

Darius chuta sua zerta, alcançando-o. Então Darius toma a frente e salta sobre um tronco de uma árvore antiga que está caído no chão. Agora é a vez dele de rir.

Logo os dois voltam a cavalgar lado a lado, galopando cada vez mais para dentro da floresta, e Darius nunca se sentiu tão livre. É uma sensação nova para ele, que sempre tinha sido tão cuidadoso, sempre planejando tudo tão perfeitamente; pela primeira vez, ele se deixa levar. Pela primeira vez, ele se deixa levar pela insensatez, sem saber onde eles estavam indo – e sem se importar. Contanto que eles não fossem vistos pelos capatazes, e desde que pudessem escolher seu próprio caminho.

"Você sabe que se formos pego seremos açoitados por isso, não sabe?" Darius pergunta.

Raj sorri.

"E qual é a graça da vida sem uma boa surra de vez em quando?" ele grita de volta.

Darius sorri quando Raj galopa na frente dele, assumindo a liderança. Darius acelera e assume a frente.

"Vamos apostar corrida!" grita Raj.

"Uma corrida até onde!?" responde Darius.

Raj ri. "Quem se importa! Qualquer lugar! Desde que eu chegue primeiro!"

Raj ri e sai na frente, mas então Darius consegue alcançá-lo. Os dois continuam correndo, alternando-se na liderança e competindo entre si, ficando na frente um pouco para então perder o lugar para o outro. Eles continuam montados em suas selas, com sorrisos no rosto e o vento soprando em suas faces. Darius aprecia a sensação da sombra; é muito bom estar longe do sol, a temperatura na floresta é muitos graus mais baixa do que ele estava acostumado.

Eles fazem uma curva e Darius vê, no final da trilha, uma parede de videiras vermelhas. Ela demarca o território proibido.

Darius de repente fica nervoso, sabendo que haviam chegado ao limite de onde poderiam ir, Ninguém atravessava as videiras – aquele era o território do Império. Os únicos escravos autorizados a atravessarem para o outro lado eram as mulheres, e apenas a trabalho. Se eles fossem para o outro lado, seriam mortos imediatamente.

"As videiras!" Darius grita para Raj. "Temos que voltar!"

Raj balança a cabeça.

"Vamos continuar o passeio. Como garotos. Como guerreiros. Como homens," ele responde.

Raj olha para ele e completa: "A não ser, é claro, que você esteja com medo."

Raj não espera por uma resposta; ele dá um grito, chuta sua zerta e cavalga mais rápido, seguindo na direção das videiras vermelhas. Darius, com o coração acelerado, enrubesce diante do insulto, sentindo que Raj está indo longe demais. Ao mesmo tempo, ele sente que não pode voltar atrás. Não depois de ter sido desafiado.

Darius chuta seu animal e corre atrás de Raj, que sorri ao vê-lo se aproximar.

"Estou gostando cada vez mais de você," Raj fala. "Vejo que é tão estúpido quanto eu!"

Ambos se abaixam e, juntos, atravessam as videiras.

Eles chegam ao outro lado e Darius olha ao seu redor, espantado. É a primeira vez que ele vê aquele lado da Floresta Aluviana, e ali tudo é diferente. As árvores mudam de cor, de verde para vermelho, e ele vê que a trilha, na distância, leva até uma clareira demarcada por uma cobertura espessa de árvores vermelhas. Ele olha para cima e vê videiras cima dele, com animais pendurados e balançando nelas; seus gritos cortam o ar.

Eles continuam andando até alcançarem a borda da floresta Aluviana e ambos param, ofegantes, e se sentam lado a lado, observando a clareira.

Darius vê diante dele uma dúzia de mulheres de sua vila, trabalhando nos poços, bombeando água para encher vários baldes. As mulheres trabalham duro, com humildade, olhando para baixo e com as mãos calejadas de tanto bombearem.

Nos arredores da clareira, diversos soldados do Império observam, montando guarda.

"Vê alguém de quem você gosta?" pergunta Raj, com um sorriso no rosto.

Darius balança a cabeça, sentindo-se cada vez mais ansioso com a presença dos guardas.

"Nós não deveríamos estar aqui," ele diz. "Temos que voltar. Já fomos longe demais. Longe demais. Isso já passou de uma brincadeira."

Raj continua olhando, analisando todas as garotas, sem desanimar.

"Eu gosto daquela com cabelo comprido. No fundo. A de vestido branco."

Darius olha para as garotas, percebendo que Raj não lhe daria ouvidos. Ele não está com cabeça para aquilo. E o que mais lhe incomoda é que ele é tímido perto de garotas. E aquele não é o melhor momento ou lugar para aquilo.

Mas ao olhar para elas, Darius não consegue evitar sentir-se atraído por uma delas. Ela tinha acabado de se virar do poço, e assim que ela faz isso, Darius vê seu rosto e seu coração parece parar de bater. Ela é a garota mais linda que ele já tinha visto. Ela é alta, com o corpo bem feito, e parece ter mais ou menos a sua idade, cabelos pretos curtos, pele cor de amêndoas e olhos amarelos claros. Seus traços não são delicados, ela tem tem um maxilar forte, ombros largos e musculatura desenvolvida, mas há algo a respeito dela – o formato de seus olhos, a curva de seus lábios, a maneira como ela se porta, tão orgulhosa – uma certa dignidade, que deixa Darius encantado.

"Quem é aquela?" Darius pergunta para Raj. "Aquela garota ali. Com o vestido amarelo.

Aquela?” Raj pergunta com desdém. "Por que você gosta dela? Ela não é tão bonita quanto as outras."

Darius enrubesce, envergonhado.

"Para mim, ela é," ele responde indignado.

Raj dá de ombros.

"Acho que o nome dela é Loti. Meus pais negociam com ela. Ela mora no lado oposto da vila, atrás das cavernas. Ela raramente visita a cidade. Ela vem de uma família de guerreiros. Obstinada. Não é uma garota fácil de se lidar. Por que você não escolhe alguém mais amável, mais bonita?"

De repente, uma zerta invade a clareira, vinda da direção oposta, e todas as garotas interrompem seus afazeres. Darius olha naquela direção e vê um oficial do Império vestindo um uniforme diferente dos outros se aproximar e parar no meio da clareira. Ele lentamente avaliar todas as mulheres, e todas elas olham para ele com medo. Todas, exceto Loti, que continua orgulhosa e sem expressão.

O oficial respira fundo e olha ao redor da clareira, parecendo estar a procura de um lanche, algo para satisfazer seus caprichos. Seus olhos finalmente descansam em Loti,

Loti, equilibrando dois baldes de água nos ombros, desvia o olhar, claramente esperando que ele não a escolha.

Mas o oficial abre um sorriso maligno com suas presas amarelas e olhos brilhantes, e caminha diretamente até Loti.

Ele olha para ela até que ela finalmente ergue os olhos e o encara de maneira desafiadora.

"Mas o que é isso, nenhum sorriso para mim?" ele pergunta. "Vocês escravos não aprenderam a agradar seus mestres quando eles se dirigem a vocês?"

Loti se contorce.

"Eu não sou sua escrava," ela retruca, "e você não é meu mestre. Você é um bárbaro. Não importa quantos escravos você tenha sob seu comando – isso não muda quem você é."

O oficial a encara boquiaberto, parecendo chocado. Obviamente, ninguém jamais havia falado com ele daquela forma antes. Darius também está chocado, e espantado com a coragem dela.

O oficial ergue o braço e dá um tapa no rosto dela, e o som interrompe o silêncio ao ecoar pela clareira. Loti grita e cai para trás.

Enquanto Darius observa, ele tem uma reação involuntária; ele não consegue se segurar. Algo muda dentro dele, e ele de repente salta pra frente determinado a deter o oficial.

Darius sente uma mão forte em seu peito, e vê Raj ao seu lado, segurando-o para trás, parecendo nervoso e sério pela primeira vez naquele dia.

"Não faça isso" ele fala. "Está me ouvindo? Você vai nos matar. Todos nós. A garota também."

Ele torce a camisa de Darius entre as mãos, e os músculos de Darius se enrijecem, até que finalmente desiste. Darius decide esperar e observar, disposto a assistir o que aconteceria antes de decidir o que fazer.

O oficial se vira e caminha até sua zerta, e Darius relaxa, presumindo que ele estava prestes a montar e partir. Mas em vez disso, ele pega uma adaga com punho de cobre, erguendo-a contra o sol e sorrindo com crueldade para Loti ao mesmo tempo em que caminha na direção dela.

"Agora você vai aprender o que significa ser uma escrava," ele diz.

Os olhos de Loti se abrem desafiadoramente ao mesmo tempo em que ela deixa cair os baldes de água de seus ombros e o encara. Para seu próprio crédito, ela não recua, e continua a encará-lo sem medo. Quem seria essa garota, Darius se pergunta. Como ela poderia ter um espírito tão forte?

"Você pode me matar," Loti declara, "mas jamais terá o meu espírito. Meus irmãos e todos os espíritos de meus antepassados se vingarão por mim."

O oficial faz uma careta e, erguendo a adaga, parte para cima dela.

Darius tem que agir, ele sabe que não pode esperar mais nenhum segundo. Ele se livra de Raj e, no mesmo instante, ele começa a sentir um estranho poder crescer dentro dela, um poder que ele havia sentido apenas algumas vezes em sua vida. É como um calor, uma sensação de formigamento tomando conta dele, lentamente subindo pela sua pele. Ele não compreende o que é, mas naquele momento, ele não quer entender. Ele apenas deseja aceitá-lo, entregar-se a ele.

Darius examina a clareira e, ao fazer isso, o mundo se torna mais lento, e ele consegue ver cada pedaço da grama, ouvir cada com, cada ruído de inseto – é quase como se ele fosse capaz de reduzir a velocidade do tempo. Ele entra em uma dimensão estranha, onde ele parece não estar completamente ali, e sim preso em alguma lacuna entre os universos.

Seus olhos se concentram em um pequeno escorpião vermelho que ele ainda não tinha visto, e usando seu poder interior, Darius aponta um dedo na direção dele. Ao fazer isso, o escorpião de repente sai voando da grama e atravessa a clareira. Ele aterrissa na panturrilha do oficial. O escorpião não é letal, mas seria o suficiente para machucá-lo o suficiente – e incapacitá-lo por um tempo.

O oficial, apenas a alguns passos de Loti, de repente dá um grito e cai de joelhos, colocando as mãos na panturrilha.

"Ajudem-me!" ele grita com a voz embargada.

Os guardas do Impérios rapidamente se aproximam dele, agarrando seus braços e tentando colocá-lo em pé.

"Minha perna!" ele grita.

Um dos guardas se abaixa com seu punhal e remove o escorpião da perna dele, e os gritos do oficial preenchem a clareira.

"Levem-me de volta" ele grita. "Agora!"

Eles rapidamente o colocam sob sua zerta, que parte em disparada, atravessando a clareira e desaparecendo no meio da floresta.

Darius rapidamente olha ao seu redor, se perguntando se Raj suspeitava de algo, e Raj o encara com um olhar diferente, um olhar sombrio, talvez um olhar de suspeita, ou de admiração. Mas ele não diz nada, e Darius não tem certeza do que ele tinha visto, se é que ele tinha visto alguma coisa.

Raj se vira para partir e quando Darius começa a acompanhá-lo, ele percebe com o canto do olho, que uma pessoa o observa com um olhar de evidente admiração: ele olha para ela e seus olhos se encontram. Ela o tinha visto. Loti sabia o que ele tinha feito. Ela conhece seu segredo.

CAPÍTULO DEZESSETE

Alistair está parada ao lado da mãe de Erec no quarto de Erec, esticando o pescoço para enxergar o que se passa do lado de fora da janela, observando tudo assustada. Ela vê centenas de tochas, uma multidão de moradores das Ilhas do Sul avançando pela noite, cantando e abrindo caminho em direção à casa dos enfermos. Eles estão sendo guiados por Bowyer, e ela sabe imediatamente que eles estão vindo para buscá-la.

"Aquela garota dos infernos escapou!" um deles grita, "mas vamos acabar com ela com nossas próprias mãos!"

"Pelo assassinato de Erec!" grita outro.

O grupo grita e protesta enquanto avança diretamente até ela.

A mãe de Erec se vira para Alistair com uma expressão séria no rosto.

"Escute," ela diz com urgência, segurando seu pulso com firmeza, "fique ao meu lado e faça o que eu disser. Vai ficar tudo bem. Você confia em mim?"

Alistair olha para ela com seus olhos cheios de lágrimas, e assente com a cabeça. Ela olha por cima do ombro e vê Erec, profundamente adormecido, e se sente confortada com a visão.

"Ele vai poder nos ajudar?" a mãe dele pergunta.

Alistair balança a cabeça.

"O feitiço de cura que eu usei leva bastante tempo para fazer efeito. Ele vai ficar dormindo. Talvez por muitos dias. Agora só depende de nós."

A mãe de Erec recebe a notícia com a determinação de uma mulher que já tinha passado por muitas situações difíceis e, segurando a mão dela, atravessa o quarto e abre a porta dos aposentos de Erec, fechando-a atrás delas.

Elas atravessam os corredores de pedra da casa dos enfermos até as portas da frente – portas enormes, bloqueadas por grandes barras de ferro, e que agora estão se curvando sob o peso da multidão enraivecida.

"Deixe-nos entrar!" alguém grita do lado de fora. "Ou derrubaremos as portas!"

Os dois guardas que estão montando guarda se viram e olham para a mãe de Erec, confusos, obviamente sem saber o que fazer.

"Minha rainha?" um deles pergunta. "Quais são suas ordens?"

A mãe de Erec fica em pé com a postura orgulhosa e destemida de uma rainha, e Alistair vê naquele momento a quem Erec havia puxado.

"Abram as portas," ela ordena, sua voz dura e firme. "Não nos escondemos de ninguém."

"Afastem-se!" um dos guardas grita, e então ele remove as barras de ferro das portas, que se abrem por completo.

A atitude claramente surpreende a multidão; surpresos, ao invés de avançarem para dentro do prédio, eles ficam ali parados quando as portas se abrem, encarando a Rainha e Alistair.

"A garota do demônio!" grita um deles. "Ali está ela, ela voltou para matar Erec mais uma vez! Mate-a!"

O grupo grita e começa a avançar, e a mãe de Erec dá um passo adiante e estende a mão.

"Vocês não farão nada disso!" ela grita, com a voz de comando de uma rainha, uma mulher acostumada a ser obedecida.

O grupo para no meio do caminho e olha para ela, uma mulher a ser respeitada. Diante deles e encarando-a abertamente, está Bowyer.

"O que você quer dizer com isso?" ele pergunta. "Você vai proteger essa assassina? A mulher que tentou matar seu próprio filho?"

"Meu filho não foi assassinado," ela responde. "Ele está se recuperando. Graças à Alistair."

O grupo começa a balbuciar, cético.

"Por que ela faria isso, depois de ter tentado matá-lo?" um deles pergunta.

"Eu não acredito que ele realmente esteja se recuperando. Ele está morto! Ela só está tentando proteger a garota! grita outro.

"Ele está melhorando, e está vivo!" Insiste a mãe de Erec. "Vocês não farão mal a essa garota. Ela não tentou assassinar meu filho. Não foi ela que fez aquilo." A mãe de Erec se vira para Bowyer e aponta para ele. “Foi ele!” ela grita.

A multidão suspira, em choque, e todos os olhares se voltam para Bowyer. Mas ele encara apenas Alistair.

"É tudo mentira!" ele grita de volta.

"Alistair, dê um passo à frente," a antiga rainha diz.

A multidão se aquieta, agora incerta, e Alistair humildemente se adianta.

"Conte tudo para eles," ela pede.

"É verdade," começa Alistair. "Bowyer tentou assassinar Erec. Eu testemunhei tudo com meus próprios olhos."

O grupo suspira e sussurra, mostrando-se indeciso.

"É muito fácil acusar os outros quando você foi surpreendida com a arma do crime em suas mãos!" grita Bowyer.

A multidão começa a vacilar, sussurrando entre si.

"Eu não peço que acreditem nela!" A mãe de Erec grita. "Peço apenas que ela tenha a chance de provar que está dizendo a verdade."

Ela faz um sinal com a cabeça, e Alistair dá um passo adiante e diz:

"Eu o desafio, Bowyer, a beber da fonte da verdade!"

A multidão suspira mais uma vez, chocada pelo rumo dos acontecimentos e de certa forma satisfeita, e todos os olhos se fixam em Bowyer.

Bowyer enrubesce, completamente enfurecido.

"Eu não preciso aceitar o desafio dela!" ele grita. "Eu não preciso aceitar o desafio de ninguém! Eu sou o Rei agora, e eu exijo que ela seja executada!"

“Você não é o rei!” A mãe de Erec grita. "Não enquanto meu filho estiver vivo! E nenhum homem em nosso reino, nenhum homem honesto, pode rejeitar um desafio de beber da fonte. É uma tradição mesmo para os reis, seguida pelo meu pai, e por seu pai antes dele. Você sabe disso tão bem quanto qualquer um de nós. Aceite o desafio da garota se você não tem nada a esconder. Ou se recuse a fazê-lo, e seja preso pela tentativa de assassinato do meu filho!"

A multidão aplaude sua aprovação e todos voltam a olhar para Bowyer. Ele fica ali parado, sem ter como recuar, e Alistair pode ver o turbilhão de emoções dentro dele. Ela pode ver que o que ele mais gostaria de fazer é pegar sua espada e matá-la ali mesmo. Mas ele não pode fazer isso. Não com todas aquelas pessoas ali.

Lentamente, Bowyer solta a mão do punho de sua espada e suspira com ódio.

"Eu aceito o desafio!" ele grita.

A multidão aplaude, e Bowyer se vira e atravessa o grupo à medida que todos abrem caminho para ele.

Alistair olha para a mãe de Erec, que faz um sinal solene com a cabeça.

"É hora de revelarmos a verdade."

*

Alistair, depois de ter subido diversos lances de escada seguindo a multidão, finalmente chega à planície mais alta da ilha, entra em uma pequena praça e vê diante dela uma antiga fonte de pedra. A fonte é enorme, feita de mármore brilhante manchado de preto e amarelo – diferente de qualquer coisa que Alistair já tinha visto antes. Em cima dela há uma gárgula, e de dentro de sua boca aberta flui uma água vermelha brilhante. A água cai dentro de uma bacia e circula novamente para dentro da fonte.

O grupo se silencia assim que ela chega, abrindo caminho lentamente para ela e deixando um espaço para que ela se aproxime. No silêncio tenso que se segue tudo o que se pode ouvir é o barulho da água saindo da fonte.

A mãe de Erec, parada ao lado dela, assente para confortá-la, e Alistair se afasta do grupo e caminha sozinha em direção à fonte. Centenas de moradores das Ilhas do Sul estão parados ao redor dela, abrindo espaço, e assim que eles fazem isso, outra pessoa dá um passo adiante: Bowyer.

Alistair e Bowyer, lado a lado diante da fonte, se viram e olham para a multidão. A praça está iluminada por centenas de tochas e, à distância, no horizonte, Alistair pode ver o sol começando a nascer, o céu lentamente se iluminando por diversos tons de púrpura.

Enquanto ela fica ali, aguardando com Bowyer – que olha para ela com uma raiva, um ancião surge do meio da multidão vestindo um manto cerimonial e uma expressão grave no rosto. Ele segura diante dele, em ambas as mãos, uma pequena taça de mármore.

Seu rosto é sombrio, e ele observa Alistair e Bowyer com uma expressão séria.

"Essas são as águas da verdade," ele diz em voz alta, a multidão atenta a cada uma de suas palavras. "Quem disser a verdade não será afetado por elas. Mas se um mentiroso beber, terá uma morte dolorosa e inevitável."

O velho se vira e analisa Alistair severamente.

"Alistair, você é acusada da tentativa de assassinato de seu futuro marido. Você alega ser inocente. É chegada a hora de provar isso. Você deve pegar essa taça e beber a água. Se você realmente fez o que a acusam de ter feito, você morrerá nesse exato local. Você deseja pronunciar suas últimas palavras?" ele pergunta enquanto estende a taça para Alistair.

Alistair olha para ele com orgulho.

"Essas não serão minhas últimas palavras," ela responde, "pois não tenho nada a esconder."

A multidão observa, absorta, e Alistair pega a taça e se curva sobre a fonte. O som da água corrente preenche os seus ouvidos à medida que Alistair estica o braço e enche a taça com o líquido vermelho. Ela segura a pequena taça cheia de líquido vermelho com as duas mãos, e então a leva aos lábios.

Alistair dá um pequeno gole, e então bebe até ter esvaziado toda a taça.

Quando ela termina, ela vira a taça de cabeça para baixo e a exibe para que todos vejam.

Ela fica ali parada, sentindo-se perfeitamente bem, e a multidão suspira, obviamente surpresa.

Alistair então se vira e entrega a taça para Bowyer.

Bowyer fica ali em pé, encarando-a e então olha para a taça. Ela pode ver que ele tenta disfarçar o medo enquanto olha para ela. Vários instantes se passam, e a tensão no ar se torna pesada para que todos percebam.

"Pegue a taça!" um membro da multidão grita.

"Pegue a taça, pegue a taça!" um grupo começa a gritar, cada vez mais nervoso, enquanto Bowyer continua ali parado, nervoso e hesitante.

A multidão, irada, se vira contra ele, gritando e incitando-o, como se finalmente estivesse percebendo que Alistair estava certa o tempo todo.

Bowyer finalmente estica o braço – mas em vez de aceitar a taça, ele a derruba das mãos de Alistair.

O grupo se assusta quando o cálice sagrado cai no chão e se parte em diversos pedaços.

"Eu não preciso dos seus rituais estúpidos!" Bowyer grita. "Essa fonte é um mito! Eu sou o Rei, e ninguém mais. Eu sou o melhor guerreiro entre vocês – e se houver alguém entre vocês bom o suficiente para me desafiar, dê um passo à frente!"

A multidão encara, surpresa pelo rumo dos acontecimentos e incerta sobre que atitude tomar.

Bowyer dá um grito de raiva, saca sua espada e de repente ataca Alistair, erguendo-a para acertar seu peito.

A multidão, agora indignada, parte para ação e avança para impedir seu ataque.

Alistair fica parada sem demonstrar medo, e sente um calor surgir dentro dela. Ela fecha os olhos e, ao fazer isso, sente a espada dele aproximando-se dela. Ela sua seu poder interno para mudar a direção da espada de Bowyer.

Alistair abre seus olhos e vê a espada parada no meio do ar; Bowyer está ali, bufando e gemendo, tentando baixá-la com toda a sua força, A mão dele treme com o esforço, até que finalmente a espada cai de suas mãos, aterrissando no chão da praça com um estrondo metálico.

Bowyer encara Alistair e, pela primeira vez, ele demonstra medo.

"Mulher do demônio!" ele grita.

Bowyer se vira e atravessa a praça e a multidão corre atrás dele. Ele monta em seu cavalo, seguido por uma dúzia dos membros de sua tribo, e desce a montanha às pressas.

"Eu sou o Rei! E ninguém será capaz de me impedir!"

Quando ele e seus homens partem, o grupo se reúne em torno de Alistair, obviamente arrependido e preocupado com seu bem estar. A mãe de Erec se aproxima dela, satisfeita, e coloca um braço ao redor dela. Elas ficam lado a lado e observam o amanhecer juntas.

"Uma guerra civil se aproxima," a mãe de Erec diz.

Alistair observa o horizonte e sente que ela diz a verdade. Ela pressente que, de alguma forma, as coisas jamais voltaria a ser como antes nas Ilhas do Sul.

CAPÍTULO DEZOITO

Thor rema o pequeno barco, sentado ao lado de seus companheiros Reece, O'Connor, Conven, Indra e Matus, animado por estar reunido com seus amigos – seus irmãos da Legião, e feliz com a companhia de Matus. Quando o vento havia mudado eles tinham começado a remar e todos haviam assumido um bom ritmo, e agora o barco balançava suavemente sobre as ondas calmas do oceano. O ato de remar estava sendo terapêutico para Thor, que estava se perdendo em pensamentos com o som monótono dos remos batendo na água, movimentando-se para a frente e para trás e sentindo seus músculos arderem ao puxar seu remo.

Ele se perde em suas memórias; se lembrando de sua última batalha contra Romulus e os dragões, e se pega pensando em Mycoples e Ralibar, e em tudo que ele havia deixado para trás. Ele sente que havia perdido muita coisa, e sente mal, sente que os tinha decepcionado. Thor pensa no Anel, destruído durante sua ausência, e pensa que, se tivesse ficado, talvez ele pudesse tê-los salvado da invasão, poderia ter salvado o Anel. Talvez ele pudesse ter salvado Guwayne. Ele gostaria de ter feito mais por eles, e mais rápido, e se pergunta por que sua vida tinha dado tantas voltas. Thor sente a culpa pensando em sua consciência.

Ele olha para o horizonte – como vinha fazendo desde que havia partido, em busca de algum sinal de Guwayne. Ele vasculha as águas, mas não vê qualquer sinal dele; já tinha havido muitos falsos alarmes, e sua mente o tinha enganado várias vezes. Onde ele poderia estar?

Thor obviamente se culpa por tudo aquilo. Se ele estivesse lá, nada daquilo teria acontecido; mas por outro lado, ele não pode ter certeza de que teria sido capaz de impedir o exército de dragões de Romulus. Se ele não tivesse ido encontrar sua mãe, talvez ele não tivesse o poder necessário para lutar contra todos aqueles dragões e contra o Império.

Eles remam por horas em direção ao norte, sem qualquer sinal de vento, subindo e descendo por ondas suaves em meio à nevoa e ao sol intermitente. Finalmente, seus companheiros repousam seus remos e Thor se junta a eles, limpando o suor de seu rosto.

"Para onde estamos remando afinal?" O'Connor pergunta, quebrando o silêncio, dando voz a uma pergunta que estava na mente de todos eles. "Para ser sincero, não sabemos para onde estamos indo."

Um silêncio pesado recai sobre eles, uma vez que ninguém parece disposto a discordar; Thor também está pensando a mesma coisa, mas tentando reprimir os pensamentos negativos. Uma parte dele se sente otimista, e sente que eles encontrariam Guwayne se remassem o suficiente.

“Temos que remar em alguma direção,” Reece responde. "E Gwen disse que a maré o levou ao norte."

"A corrente pode ter mudado desde então," comenta Elden.

Eles ficam sentados, pensando.

"Bem," continua Indra, "a Rainha tentou procurar ao norte, e ela não conseguiu encontrá-lo. E até onde eu sei, não existem ilhar ou qualquer terra firme tão longe."

"Ninguém sabe disso com certeza," retruca Matus. "É um território ainda não mapeado."

Thor se pronuncia. "Ao menos estamos remando em uma direção," ele diz. "Pelo menos estamos procurando. Se estamos indo em uma direção ou em outra, de qualquer forma estamos procurando."

"Mas com esse pequeno barco em um oceano tão vasco, podemos facilmente não ver o garoto," declara Indra.

"Você tem alguma sugestão melhor?" pergunta Matus.

Todos ficam em silêncio. Obviamente, ninguém tem qualquer ideia. Thor começa a se perguntar se todos eles tinham perdido a esperança, sentindo no fundo que procurar Guwayne era uma tarefa fútil, tendo vindo naquela missão apenas para lhe fazer companhia.

""Esta pode, de fato, ser uma tarefa inútil," afirma Thor, "mas não significa que não custa tentar. Ainda assim, sinto muito por tê-los tirado dos navios."

Reece coloca uma mão em seu ombro.

"Thorgrin, nós iríamos até o fim do mundo por você – e pelo seu filho. Mesmo sem qualquer esperança de encontrá-lo."

Os outros assentem, e Thor pode ver sem seus olhos que é verdade. E ele sabe que também faria o mesmo por eles.

Thor ouve um barulho na água e ao se inclinar sobre a borda do barco fica surpreso ao ver, nadando ao lado dele, estranhas criaturas que ele nunca tinha visto antes. São animais amarelo luminescentes, parecidos com sapos e que parecem estar saltando embaixo da água. Um cardume deles acende dentro do mar abaixo deles.

"Eu estou com fome," diz Elden. "Quem sabe possamos pescar um deles."

Ele se inclina, mas Matus agarra a sua mão. Elden olha para ele.

"Eles são venenosos," Matus fala. "Eles se reúnem perto das Ilhas Superiores também. Toque em um deles, e você estará morto dentro de instantes."

Elden olha para ele com grande respeito e gratidão. e afasta a mão lentamente.

Reece suspira enquanto observa o oceano, e Thor olha para ele preocupado. Thor pode ver que seus olhos estão tristes e sem expressão; ele percebe que Reece havia sofrido durante a sua ausência, e já não era o mesmo jovem que ele havia conhecido antes de sua partida. Thor se lembra da história que Gwen havia lhe contado sobre Selese, e sente pena de Reece. Ele pensa no casamento duplo que quase haviam tido – quando o Anel costumava ser próspero e abundante, e percebe o quanto tudo havia mudado.

"Você sofreu bastante," Thor fala para ele.

"E você também," responde Reece.

"Sinto muito pela sua perda," continua Thor. "Selese era uma mulher especial."

Reece concorda, sentindo-se agradecido.

"Você também perdeu alguém," responde Reece. "Mas nós vamos encontrá-lo – mesmo que seja a último coisa que façamos."

Conven, fazendo uma parada, se aproxima e se senta ao lado de Thor, colocando a mão em seu ombro. Thor olha e vê que Conven o observa com respeito.

"Você me salvou no Anel," ele diz, "naquela prisão. Todos os outros tinham desistido de mim. Eu não me esqueci disso. Eu disse que lhe devo uma, e não foi da boca pra fora. Agora é a minha vez de ficar ao seu lado. Eu vou encontrar seu filho, ou morrerei tentando."

Thor coloca a mão no braço de Conven, e vê o olhar em seu rosto – um olhar de tristeza, e percebe que ele ainda não havia superado a perda de seu irmão gêmeo. Thor percebe que ele, Reece e Conven tinham estado no limite da tragédia, tendo sido moldados pela dor – e já não eram os mesmos garotos que tinham sido ao serem aceitos na Legião. Eles estavam mais velhos agora, e mais experientes. É como se um a um, os membros da Legião estivessem sendo testados, moldados pelo sofrimento, cada um a sua maneira. Thor não consegue evitar se questionar o que o futuro reservava para Elden, O'Connor e Indra, e torce para que não seja nada cruel.

E ainda há Matus, seu novo companheiro. Thor olha para ele e faz um sinal com a cabeça.

"Fico feliz que tenha decidido nos acompanhar.

Matus se aproxima e se junta a eles.

"É o mínimo que posso fazer," ele responde. "Eu sempre quis fazer parte da Legião, mas com minha posição das Ilhas Superiores, eu nunca tive permissão de deixar as Ilhas. Eu sempre quis uma oportunidade de provar as minhas habilidades no continente, e embarcar em uma missão com vocês é algo com que eu sempre sonhei."

"Agora é a sua chance," declara Thor. "Embora nessa missão talvez tenhamos poucos adversários. Temo que o mar e a fome sejam os piores inimigos diante de nós."

Thor pondera sobre suas míseras provisões, e sabe que em poucos dias eles ficarão sem nada. Ele sabe que precisam encontrar terra firme logo. Ele vasculha o horizonte e tenta não pensar no que aconteceria se não encontrassem.

Antes de completar seu pensamento, de repente Thor sente uma brisa em seu rosto. A princípio, é apenas um vento suave. Quando ele começa a soprar, por alguma razão, Thor pensa em sua mãe. Ele sente que ela está com ele, cuidando dele. A brisa fica mais forte, a vela começa a balançar, e Thor e seus companheiros olham para cima sentindo-se gratos.

Eles rapidamente erguem a vela, e o barco começa a se movimentar novamente.

"O vento está nos levanto para o leste, e não para o norte," observa Reece. "Ajustem as velas."

Thor sente um leve tremor em seu braço, e vê seu bracelete incandescente, com o diamante negro brilhando intensamente. O bracelete de repente se aquece, e Thor tem a estranha sensação de que o vento está levando o barco na direção certa.

"Deixem as velas como elas estão!" Ordena Thor, enquanto os outros se viram e olham para ele espantados. "O vento está nos levando exatamente para onde devemos ir.

O barco começa a ganhar velocidade, cruzando o mar e Thor observa o horizonte.

Eles passam por cima de diversas ondas, e Thor finalmente vê algo, um indício de alguma coisa no horizonte distante. Um contorno. A princípio ele pensa que se trata apenas de outra miragem, mas então seu coração se sobressalta ao perceber que é verdade.

"Terra à vista!" O'Connor grita para seus companheiros.

Ele confirma o que Thor já sabia, o que ele havia pressentido com a brisa, com seu bracelete. Havia terra diante deles. E Guwayne estava naquela direção.

*

Thor está à frente do pequeno barco, observando com espanto enquanto eles se aproximam da pequena ilha à toda velocidade. A ilha fica sozinha no meio do vasto oceano, com pouco menos de dois quilômetros de diâmetro e cercada de areais brancas e ondas suaves. Thor analisa sua densa floresta, procurando algum sinal de seu filho.

A chegada ocorre sem maiores acontecimentos à medida que a maré os leva até a praia, e Thor e seus companheiros desembarcam em seguida, levando o pequeno barco até a areia.

Thor, animado, olha para seu bracelete – mas ele de repente para de brilhar, e o coração de Thor se aperta ao sentir que seu filho não está naquela ilha.

"Não vejo qualquer sinal da chegada do barco de Guwayne aqui," O'Connor fala. "Circulamos toda a ilha pelo mar, e não vimos nada – nenhum sinal do barco, escombros, pegadas, nada."

Thor balança a cabeça e lentamente diz, "Meu filho não está aqui."

"Como você sabe disso?” Reece pergunta.

"Eu simplesmente sei," responde Thor.

Todos suspiram, desapontados, e continuam ali com as mãos nos quadris, olhando para a densa floresta diante deles.

"Bem, estamos aqui." diz Matus. "Podemos aproveitar para procurar. Sem falar que precisamos de comida e de água."

Eles continuam andando pela ilha, caminhando pela areia fofa e se aproximando da floresta. Enquanto andam, o silêncio é absurdamente sombrio exceto pelo barulho do vendo e das árvores. Quando Thor pausa para examiná-las, ele vê que as árvores são altas e estreitas, com troncos alaranjados e folhas largas, com frutos redondos que balançam ao vento.

"Frutos d´água!" Elden grita com alegria.

Ele agarra uma das árvores e começa a balancá-la, cada vez mais forte até que finalmente um dos frutos cai, aterrissando na areia ao seu lado.

Todos se aproximam dele. A fruta é do tamanho de uma melancia, com a casca verde e peluda, e Elden dá um passo adiante, remove sua adaga e a perfura. Ele faz um buraco na fruta, aumentando-o gradualmente até ficar grande o bastante para beber.

Elden leva a fruta aos lábios com as duas mãos e a água límpida começa a descer à medida que ele bebe sem parar.

Ele finalmente para de beber e suspira satisfeito; ele passa a fruta para seus companheiros.

"A água aqui é pura, e doce," ele declara. "É deliciosa."

Eles passam a fruta ao redor e todos bebem, e logo não resta nada. Eles olham para as outras árvores, carregadas de frutas – toda a ilha está repleta delas.

"Devemos estocar nosso barco com elas antes de partirmos," declara Thor. "Temos que encher o barco."

"Não se esqueça do interior," diz Matus.

Ele dá um passo adiante e, ajoelhando-se, bate na fruta com a parte de trás de sua adaga e revela o interior da fruta, repleto de carne branca e macia. Matus usa a ponta da adaga para soltá-la, leva a carne aos lábios e dá uma mordida. Ele mastiga com satisfação.

Thor pega um pedaço junto com os demais e todos comem a fruta doce, sentindo-se rejuvenescidos.

Eles se viram e, sem dizer uma palavra, se separam e agarram uma árvore, pondo-se a balancá-las; uma das árvores é teimosa, e Thor acaba subindo nela e derrubando a fruta com um soco.

Todos começam a juntar as frutas, e quando eles se viram para voltar para o navio, eles ouvem um barulho repentino atrás deles e param no meio do caminho – entreolhando-se, e olham para trás. Eles olham para a folhagem densa, pensativos.

"Vocês ouviram alguma coisa?” pergunta Matus.

Ninguém diz uma palavra, e todos continuam ali – paralisados, observando.

Eles ouvem mais uma vez o barulho.

Uma moita se mexe, e Thor se pergunta o que poderia ser aquilo; ele não tinha ouvido qualquer ruído animal naquela ilha, ou visto sinal de vida humana – e ele não acredita que aquela pequena ilha seja grande o suficiente para comportar qualquer coisa. Seria apenas o vento?

O movimento acontece de novo, e desta vez os cabelos de Thor se arrepiam. Não há qualquer engano: existe realmente alguma coisa lá fora.

Ao mesmo tempo, todos derrubam suas frutas e erguem suas espadas, voltando-se na direção da folhagem.

"Acho que algo está nos observando," declara Elden.

"Então não vamos deixá-lo esperando," diz Conven, e então, sem esperar, ele sai correndo na direção da floresta. Thor balança a cabeça quando vê Conven fazer isso, percebendo que ele é tão suicida quanto ele sempre havia sido.

Eles ouvem um grito, seguido pelo choro de Conven, e então todos saem correndo na direção que ele havia ido.

Thor e seus companheiros chegam a uma pequena clareira e param imediatamente, surpresos com o que vêem.

É algo tirado direto de um pesadelo. Há uma aranha gigante – grotesca, com cinco vezes a altura de Thor, oito patas peludas e grossas com três metros de comprimento. Thor fica horrorizado ao ver que uma delas está enrolada ao redor de Conven, examinando-o e apertando-o enquanto ela abre suas enormes mandíbulas na direção dele.

O'Connor corajosamente se aproxima e dispara três flechas nos gigantescos olhos púrpura da aranha. Uma delas acerta em cheio, e a criatura grita e derruba Conven; ele cai e aterrissa no chão macio da floresta.

A aranha, enraivecida, acerta O'Connor antes que ele possa reagir; O'Connor grita, com um grande corte no braço feito pelas enormes patas da aranha, afiadas feito navalhas. O'Connor cai de joelhos, segurando seu braço que sangra sem parar, e assim que ele faz isso a aranha se aproxima para comê-lo vivo.

Elden corre para a frente, ergue seu machado e corta uma parte da pata da aranha instantes antes que ela possa alcançar O'Connor. A aranha grita mais uma vez – eliminando um líquido verde, e se vira com suas outras patas, agarrando Elden. Elden grita ao ser esmagado, enquanto a aranha aperta seu corpo entre suas patas levando-o em direção à sua boca.

Thor se aproxima junto com os outros, ergue sua espada e perfura o peito da aranha, que solta um grito de dor. Ao lado dele, Indra arremessa sua adaga – que se aloja entre os olhos da aranha, e Matus se adianta e e corta uma das outras patas dela. A aranha derruba Elden e tropeça, prestes a cair no chão.

Porém, enquanto eles assistem – para espanto de Thor, uma nova pata nasce no corpo da aranha. Ela faz um barulho terrível ao mesmo tempo em que abre a boca, de onde sai uma teia enorme que prende todos eles. A teia é a coisa mais pegajosa que Thor já tinha visto, e à medida que a aranha continua enrolando-os com ela, Thor se vê incapaz de se movimentar – completamente imobilizado.

A aranha ergue todos eles no ar, pendurando-os diante dela e examinando-os com cuidado, como se estivesse decidindo quem ela comeria primeiro. Ela parece decidir por Reece, e então se aproxima, abrindo a boca lentamente enquanto se prepara para engoli-lo.

Thorgrin, tão impotente quanto os outros, fecha os olhos e invoca seus poderes interiores.

Por favor, Deus. Não me abandone. Não aqui, nesse lugar. Não permita que meus amigos morram.

Thor sente um calor gradualmente crescer dentro dele. Ele sente seu poder interior voltando, lembrando-se do tempo que havia passado na Terra dos Druidas; ele começa a sentir o poder da aranha; dentro dele, um poder antigo e inegável começa a crescer – mais forte do que qualquer arma, mais poderoso do que qualquer homem ou criatura. Ele sente o bracelete de sua mãe vibrando em seu pulso, e ele abre os olhos e olha para ele.

Um buraco começa a se formar na teia, começando a se formar ao redor do diamante de seu bracelete. Ele se amplia, e Thor consegue liberar seu braço. Logo, o buraco fica ainda maior, e Thor sente que está ficando livre da teia.

Thor vira e salta na direção da boca da aranha instantes antes que ela pudesse engolir Reece, saltando dentro de sua boca e colocando as mãos na parte superior de seu maxilar e empurrando com força até que a aranha grita e derruba Reece no chão.

Thor salta para fora da boca da aranha, e ao fazer isso ela fecha a boca e quase o mata. Com o mesmo movimento, Thor dá um salto e pula nas costas da aranha, erguendo sua espada e enfiando-a com força na parte de trás do pescoço dela.

As pernas da aranha cedem e ela cai de barriga no chão, gritando.

Um por um, seus companheiros da Legião se soltam da teia da aranha, e Thor usa seu poder para mover a teia e envolver a aranha nela até imobilizá-la por completo. Thor estica o braço e agarra a teia, girando a aranha com sua força supernatural e arremessando-a longe.

A aranha sai voando sobre as árvores até finalmente cair no meio do oceano. A criatura se debate e grita, e todos observam enquanto ela lentamente afunda.

Os garotos trocam olhares de espanto, percebendo a sorte que tinham por estarem vivos, e como haviam chegado perto da morte. Ao abrirem caminho de volta aos barcos, Thor percebe que mesmo naquele vasto oceano, eles nunca mais poderiam presumir que qualquer lugar era seguro.

CAPÍTULO DEZENOVE

Gwen, tendo entregado o bebê para Illepra, se ajoelha no convés ao lado de Argon, colocando a mão suavemente em seu pulso. Sua pele está fria ao toque, como sempre desde que haviam partido naquela jornada, e ele continua na mesma posição em que ela o tinha deixado. O coração de Gwen se parte em vê-lo daquele jeito, deitado de costas e parecendo tão frágil, tão enfraquecido – seus olhos se movem embaixo se suas pálpebras fechadas, como se ele estivesse sonhando, vivendo em algum outro lugar.

"Argon, você está aí?” ela pergunta. "Volte para mim."

Ele não responde; ele nem sequer se mexe. Gwen sente que uma parte de Argon ainda está com ela, mas outra parte dele está em algum lugar distante. Ela se pergunta se ele algum dia retornaria. Ele tinha dado tanto para permitir que todos eles sobrevivessem, e Gwen se sente culpada por isso. Ela gostaria – agora mais do que nunca, de poder lhe fazer perguntas, precisando de suas respostas para guiá-la. Aqui estava ela, uma Rainha guiando uma nação em exílio, indo para o lugar mais improvável de todos – exatamente para o coração do Império. Gwen se pergunta se aquele era um plano maluco, se eles estavam todos partindo em uma jornada mortífera à medida que as correntes os levavam cada vez mais em direção ao leste, cada vez mais longe do Anel, longe das Ilhas Superiores e, acima de tudo, longe de Guwayne e de Thor.

Gwendolyn fecha os olhos e sente uma lágrima escorrer pelo seu rosto. Ela pensa em Thor – em algum lugar naquele vasto oceano, em busca de Guwayne, ambos muito longe dela. Aquela é uma missão, ela sabe, da qual eles poderiam nunca mais voltar. Ela se pergunta como o destino poderia ter sido tão cruel em ter levado Thorgrin para longe dela justo quando eles tinham se reencontrado. Eles estavam destinados a algum dia ficarem juntos, em um mesmo lugar? Algum dia se casariam? Eles viveriam juntos?

Gwen abre os olhos e percebe que Argon não será capaz de ajudá-la naquele momento. Ela está sozinha e terá que ser forte para ajudar todo o seu povo.

Gwendolyn fica em pé e caminha pelo convés, admirando as criaturas exóticas daquela parte do mundo e observando seu povo ao longo da borda do navio enquanto pensa. Ela segue a direção de seus olhares e olha para o céu, piscando surpresa. Talvez a cem metros de distância, em vez de nuvens, há um oceano, exatamente como o oceano abaixo deles. A princípio, ela pensa que se trata apenas de um reflexo. Mas então ela percebe que é mesmo um oceano, flutuando no céu. Um peixe salta para fora dele, de cabeça para baixo, e depois volta para dentro do mar.

Aquela é a coisa mais estranha que ela já tinha visto, e ela não consegue imaginar como aquilo é possível.

Gwen olha para o horizonte e vê arco-íris – não apenas um, mas centenas deles. Eles não têm o formato de arcos, mas sim o formato de cones, partindo do oceano em direção ao céu. Há cones de cor por toda a parte, iluminando o céu ao redor dela.

Gwen ouve um barulho estranho e ao olhar para cima vê um pássaro enorme, com quase vinte metros de largura e uma cabeça gigantesca voando em círculos acima de seu navio. Vários outros aparecem, mergulhando e pegando estranhas criaturas no mar com seus bicos – criaturas alaranjadas parecidas com lulas, que eles engolem enquanto se afastam.

Quanto mais eles navegam por aquele estranho mar, mais estranhas as coisas ficam. O ar é diferente ali, e o vento também parece diferente. Eles estão entrando cada vez mais fundo em um território que Gwen nunca havia conhecido, uma terra que ela nunca tinha tido vontade de conhecer. Ela começa a sentir saudade de casa – saudade do que lhe é familiar, e tem vontade de voltar atrás e ter as coisas exatamente como elas costumavam ser. Mas ela sabe que as coisas nunca mais voltariam a ser como antes.

Gwen volta a pensar em Guwayne, sozinho no meio do mar, e seus pensamentos se voltam para Thorgrin. Quando mais longe deles ela navega, mais ela sente um peso dentro de seu coração, sabendo a possibilidade de nunca mais voltar a ver qualquer um dos dois. Ela se inclina sobre a grade e remove uma pena e pergaminho da cintura, pondo-se a escrever:

Meu querido Thorgrin:

Meu amor por você não diminuiu, isso nunca irá acontecer. Eu o amo mais do que jamais serei capaz de lhe dizer, e sei que em breve você nos unir ao nosso filho. Quero que saiba que você tem um lugar especial em meu coração. Penso e sonho com você, e você está ao meu lado a todo instante. Você é a única pessoa que eu jamais amei de verdade, e nunca deixarei de amá-lo.

Seu eterno amor,

Gwendolyn

Ao terminar, ela enrola o pergaminho com firmeza. Então, ela enfia a mão em sua sacola e tira de dentro dela uma pequena garrafa, coloca o pergaminho dentro dela e volta a tampá-la. Uma lágrima escorre pelo seu rosto ao mesmo tempo em que Gwen ergue o braço e arremessa a garrafa no meio do oceano. Ela atravessa o ar e cai no meio do oceano.

Enquanto sua mensagem flutua no meio das ondas, Gwendolyn espera que ela afunde. Ela sabe, é claro, que não havia como sua mensagem chegar até Thor. Entretanto, ela gosta da ideia de que ao jogá-la no mar, ele de alguma forma tomaria conhecimento de seus sentimentos.

Enquanto ela observa sua pequena garrafa, de repente ela ouve um guincho acima dela, diferente do barulho dos outros pássaros. Ao olhar para cima, seu coração se aquece ao ver Estófeles, mergulhando na direção da garrafa de vidro. Ela mergulha rápido e recupera a mensagem de Gwendolyn no mar, voltando para o céu com a garrafa no bico. Ela grita mais uma vez enquanto bate suas asas, carregando a mensagem na direção oeste.

O coração de Gwendolyn se enche de esperança enquanto ela assiste o pássaro se afastando.

Estófeles, ela pensa Encontre Thorgrin, e entregue minha carta para ele.

Gwen ouve um barulho estranho perto dela, vindo do outro lado do convés. Ela olha naquela direção e vê Sandara inclinada sobre o parapeito, jogando flores e cinzas no mar e cantando em uma língua estranha. Por alguma estranha razão, ao vê-la ali, Gwendolyn se sente melhor. Algo a respeito dela, certa característica calmante, faz com que Gwendolyn se sinta bem ao redor dela.

Sandara se vira e olha para ela com seus grandes olhos negros cheios de alma e Gwendolyn imediatamente enxuga suas lágrimas, envergonhada.

Sandara sorri e se aproxima, colocando as mãos em seus ombros. Assim que ela faz isso, Gwendolyn sente um calor invadir seu corpo, como se tudo, de alguma forma, fosse ficar bem.

*

Sandara coloca as mãos nos ombros da Rainha Gwendolyn e fecha os olhos, cantando suavemente. Ela se concentra em suas energias medicinais e, ao fazer isso, pode sentir o espírito ferido de Gwendolyn. Ela sente toda a tristeza dentro de Gwen, toda a devastação por estar separada de seu filho e de seu marido, Thorgrin. Sandara sente a incerteza de Gwen quanto ao futuro, e também pressente algo mais. Ela só não sabe o que é. É como se ela se arrependesse da decisão que havia tomado. Uma decisão que ela havia tomado em outro mundo – uma escolha que ela tinha sido forçada a fazer, relacionada a um sacrifício. Ela sente uma grande culpa e incerteza em Gwen quanto ao destino de seu marido e de seu filho.

Sandara sente um forte calor deixando as suas mãos e entrando no corpo de Gwendolyn enquanto ela se concentra em sua cura. Ela abre os olhos e vê Gwendolyn enxugando suas lágrimas, e percebe que sua expressão havia mudado. Ela nota que sua cura havia surtido algum efeito; ela havia tirado um pouco da tristeza de Gwendolyn. Ela sacode as mãos, que estão ardendo.

"Eu me sinto melhor ao seu redor," diz Gwen. "Onde você aprendeu essa arte?”

Sandara apenas sorri.

"Eu sou apenas uma simples curandeira, minha senhora."

Gwendolyn balança a cabeça e coloca a mão no ombro de Sandara.

"Não," ela responde. "Você é muito mais do que isso. Você tem um dom."

Sandara sorri e desvia os olhos.

"Meu povo," Sandra diz, "tem costumes diferentes, maneiras diferentes de curar. Eu venho de uma longe linhagem de curandeiros. Meu povo os chama de videntes."

"Aquelas flores que você jogou na água mais cedo," Gwendolyn pergunta. "O que era aquilo?”

"Eram orações pelo seu marido e pelo seu filho," Sandara responde. "É um costume antigo entre meu povo. Eu rezei para que as flores fossem levadas pela maré, assim como seu marido e seu filho sejam carregados pela maré de volta para você."

Sandara percebe pelo rosto de Gwen como ela havia ficado sensibilizada pelo seu gesto.

"Estou ansiosa em conhecer o seu povo," diz Gwendolyn. "Como eles são?”

Sandara suspira ao mesmo tempo em que se vira e olha para o mar.

"Meu povo é bastante orgulhoso. Chega a ser um paradoxo, pois eles sempre foram escravos. Mas se comportam com o mesmo orgulho de reis. Eles vivem com esse paradoxo, todos os dias."

"Muitas vezes, o maior orgulho reside naquelas que são subjugados," responde Gwen.

"Há muita verdade em suas palavras, minhas senhora," Sandara diz. "Só por que somos escravos, não significa que somos fracos – apenas que existimos em menor número. Mas os números mudam, e um dia o meu povo subirá ao poder mais uma vez."

"Seu povo nos dará abrigo?” Gwen pergunta com um tom de preocupação em sua voz.

Sandara suspira, se perguntando a mesma coisa.

"Meu povo leva as leis de hospitalidade muito a sério," ela responde. "Mas ao mesmo tempo, o Império é cruel e bárbaro. Se meu povo for descoberto lhes dando abrigo, todos seremos mortos."

A preocupação toma conta do rosto de Gwendolyn.

"Talvez devêssemos ir para outro lugar no Império?”

Sandara balança a cabeça.

"Não há outro lugar," ela responde. "Não neste lado do Império. Há outros lugares no império, outros lugares onde existe rebelião, mas levará mais tempo para chegar até eles – e em outros lugares, os escravos são ainda mais subjugados."

Gwendolyn olha para ela de maneira significativa.

"Obrigada," ela diz. "O que quer que aconteça, obrigada. Você nos ajudou. Você nos deu uma saída. Mesmo que não funcione."

Sandara sorri com os olhos cheios de lágrimas; ela se sente muito grata em relação a Gwendolyn por tê-la aceito desde o princípio – e por sempre ter sido tão gentil com ela.

"Um dia seremos irmãs," completa Gwen com um sorriso.

Sandara enrubesce, recordando todas as conversas que já tinha tido com Kendrick sobre casamento.

"Eu farei o que estiver ao meu alcance, minha senhora," Sandara diz, "para convencer o meu povo. Você terá a minha lealdade, não importa o que aconteça."

Vários conselheiros de Gwen se aproximam e levam embora – precisando da atenção dela para diversos assuntos, e Sandara logo se vê sozinha observando o mar. Ela se inclina sobre a borda do navio e começa a pensar, imaginando o que o futuro estaria guardando para eles. Seria estranho retornar à sua terra natal depois de tanto tempo. Como seu povo a receberia? Certamente, eles ficariam felizes em vê-la; mas por outro lado, ela estaria junto de Kendrick, um homem branco. Como seu povo reagiria? Eles a julgariam, disso ela tem certeza. Mais importante, como eles reagiriam à chegada dos navios? Eles os mandariam embora?

Enquanto Sandara fica ali pensando, ela sente uma presença e de repente vê Kendrick, que se aproxima dela com um sorriso e coloca um braço ao redor de sua cintura. Ela se aconchega a ele, que a abraça e – como sempre, ela se sente confortável em seus braços.

"Então ficaremos juntos afinal," ele diz.

Sandara retribui o sorriso.

"Todo aquele tempo no Anel," continua ele, "você planejou voltar ao Império sem mim. E aqui estamos nós, voltando juntos. Suspeito que se não tivéssemos sido exilados, você teria partido sem mim."

Sandara assente.

"De fato, eu teria," ela responde. "Não por que eu não ame você, mas por que meu povo precisa de mim."

Kendrick concorda.

"Então pelo menos," ele diz, "fico feliz com algo de bom que essa grande guerra me trouxe."

Sandara analisa o rosto dele – tão nobre e tão belo, e vendo todo o amor que ele sente por ela, ela sente uma pontada de preocupação.

"Kendrick, eu o amo profundamente," ela diz. "Eu gosto de pensar que nosso amor resistirá a qualquer obstáculo, especialmente agora que ficaremos juntos em minha terra natal."

Ela fica em silêncio e ele olha para ela com uma expressão de preocupação em seu rosto.

"O que você quer dizer com isso?" ele pergunta.

Sandara faz uma pausa, pensando em como dizer o que está pensando.

"Meu povo," ela explica, "não se casa com pessoas de outras raças, Nosso casamento será o primeiro. Presumindo, é claro, que você esteja pensando em se casar comigo."

Kendrick estica o braço e pega a mão de Sandara entre as suas, olhando dentro dos olhos dela.

"Eu já lhe pedi em casamento várias vezes – e continuo querendo me casar com você tanto quanto antes."

Sandara sorri, sentindo pela primeira vez que talvez aquilo tudo não fosse um sonho – e que talvez pudesse mesmo acontecer. E isso a assusta.

"O que estou tentando lhe dizer," ela fala, "é que eu não sei como meu povo vai reagir a você."

Ele olha para ela com cuidado.

"Eu não achei que você fosse o tipo de pessoa que se importasse com o que os outros pensam," ele diz.

Sandara enrubesce, indignada.

"Eu cuido da minha própria vida," ela responde. "Não me curvo à vontade de ninguém. Ao mesmo tempo, meu povo é muito próximo. A opinião dos mais velhos é algo a ser levado em consideração. Eu não desejo ser banida pela minha família."

A expressão de Kendrick se torna sombria e ele se vira para o oceano.

"Eu faria isso por você," ele declara.

"Seu povo é bem mais compreensivo do que o meu," ela rebate. "Você não sabe como eles são. O povo do Anel se casa com pessoas de outras raças, vindas de outras partes do mundo."

"E mesmo que não fosse assim," Kendrick fala, "eu não deixaria que a opinião deles me impedisse de casar com a pessoa que eu amo."

Sandara olha para ele, parecendo frustrada.

"Você não pode dizer isso," ela fala, "por que não sabe como é viver assim."

Ele suspira.

"A escolha é sua, minha senhora," ele diz. "Eu não posso lhe pedir que fique com alguém se não é o que você deseja."

Sandara sente seu coração se partindo por dentro. Ela pega as mãos dele entre as suas e as leva aos seus lábios, beijando-as.

"Kendrick, você não me compreende. O que estou tentando lhe dizer é que eu quero ficar com você. Eu não quero que meu povo nos separe. Mas eu preciso que você seja forte. Eu vou precisar da sua força."

Ele assente, observando-a atentamente.

"Eu andaria sobre o fogo para ficar com você," ele afirma. "A desaprovação do seu povo não irá me afastar."

Sandara se sente aliviada – como se um grande peso tivesse sido tirado de suas costas, e se aproxima para beijá-lo; mas de repente, ela vê algo com o canto do olho, algo que a faz interromper o gesto. Ela observa cuidadosamente, vasculhando o oceano, e seu coração se sobressalta ao ser invadida pelo pânico. Ela vê que as águas do mar estão mudando de cor, ficando cada vez mais claras.

Kendrick acompanha a direção do olhar dela.

"O que foi?” ele pergunta, vendo a expressão dela.

"Vire-se! ela diz, agarrando os ombros dele. "Não olhe para a água!"

Sandara não tem tempo para explicar tudo a Kendrick, e em vez disso se vira e grita para um dos atendentes da Rainha: "Soe os alarmes!" "Avise as pessoas! Não olhe para baixo! Não importa o que aconteça! "VÁ!" Ela empurra o marinheiro, que sai cambaleando e gritando o aviso pelo navio, e então sobe no mastro para soar o alarme.

Logo os sinos começam a tocar e gritos começam a ser ouvidos pelo navio – que se transforma em um caos completo.

"O que há com você!?” pergunta Kendrick.

Mas Sandara está ocupada demais olhando para as pessoas ao redor deles; ela olha a sua volta e vê várias pessoas correndo até as grades – em todos os navios, inclinando-se para olhar para as águas. Desesperada para salvá-los, ela corre para a borda do navio, agarrando-os pelas costas e puxando-os para trás antes que pudessem olhar para o mar.

Kendrick vê o que ela está fazendo e começa a ajudá-la – e juntos, eles conseguem salvar boa partes da tripulação.

Mas eles não conseguem alcançar todos eles a tempo e, para aqueles que não escutaram os avisos, é tarde demais. Sandara assiste horrorizada à medida que uma pessoa após a outra, após ter olhado para o mar, é transformada em pedra.

Elas caem sobre a borda do navio, e o ar é tomado pelo som de pedras despencando na água à medida que as estátuas de pedra mergulham no mar da morte.

CAPÍTULO VINTE

Volúsia se senta em seu trono de mármore – impaciente e impetuosa, encarando os dois prisioneiros comuns algemados diante dela. Além deles, à distância, ela ouve os cânticos das centenas de milhares de seus súditos espremidos no coliseu, aplaudindo ao verem Razif ser solto na arena. Volúsia, sem querer se distrair do grande momento, olha sobre os ombros da ralé e observa a grande besta vermelha – quase do tamanho de um elefante, com três chifres e um rosto largo e as costas tão fortes quanto centenas de espadas, atravessando a arena como um louco. A terra treme à medida que a fera corre em círculos pelo chão de terra, várias e várias vezes, enlouquecida à procura de alguma vítima.

A plateia aplaude freneticamente na expectativa de assistir o esporte sangrento.

Os olhos negros de Volúsia voltam a se concentrar nos dois homens em pé diante dela. Ela os observa desinteressadamente e, ao fazer isso, ela vê a expressão dos homens de meia idade se suavizar diante da visão dela – detectando uma nova esperança em seus olhos, além de algo mais: desejo. Volúsia sempre tinha esse efeito sobre os homens. Embora ela mal tivesse completado dezessete anos, Volúsia já tinha vivido tempo suficiente para testemunhar o efeito que ela tinha sobre os outros – todos os homens e mulheres que ela conhecia reconheciam que ela era maravilhosa, e ela não precisava que eles lhe dissessem isso; quando ela olhava no espelho, o que ela fazia com frequência, ela podia constatar isso. Com seus olhos escuros e cabelos negros até a cintura, traços perfeitamente esculpidos e pele branca como alabastro, ela não tinha a mesma aparência que as pessoas de sua raça.

Volúsia era diferente deles de todas as formas – um membro da raça humana que tinha conseguido ascender à liderança da raça naquela cidade do Império, como sua mãe antes dela. A cidade pode não ser a capital do Império, mas é, afinal, a capital da região norte do Império – e se não fosse por Romulus, ninguém ficaria em seu caminho. Na verdade, Volúsia se considera – e não Romulus, a líder inquestionável do Império, e planeja provar isso em breve. Sempre tinha havido uma rivalidade entre o sul e o norte – uma aliança instável e, até recentemente, Volúsia tinha estado satisfeita em deixar que Romulus pensasse que ele detinha todo o poder. Era vantajoso para ela ser considerada fraca.

Obviamente, ela é qualquer coisa menos fraca, e qualquer pessoa que a conhece sabe disso muito bem.

Enquanto Volúsia observa os dois homens que a encaram boquiabertos, ela balança a cabeça diante da estupidez deles, que olham para ela como um objeto sexual. É obvio que eles não conhecem sua reputação. Volúsia não tinha se tornado a Imperatriz de todo o Império do Norte por causa de sua boa aparência; ela tinha subido ao poder devido a sua crueldade; Ela é, na verdade, mais cruel que todos os homens, impiedosa que todos os generais, mais implacável que todos os nobres que haviam servido na Câmara dos Lordes durante séculos – mais cruel até do que sua própria mãe, que ela havia estrangulado com suas próprias mãos.

Volúsia acredita que sua raiva tinha nascido no dia que sua mãe a tinha vendido para aquele bordel. Ela tinha apenas doze anos quando sua mãe, que tinha mais riquezas do que poderia contar, havia decidido enviar Volúsia para viver uma vida no inferno – apenas para divertir-se – e Volúsia tinha ficado chocado ao ser levada até um pequeno quarto sujo e apresentada a seu primeiro cliente. Mas seu cliente – um cinquentão gosto e sujo – tinha ficado ainda mais surpreso ao encontrar, em vez de uma garota amável, uma assassina impiedosa. Volúsia havia chocado a si mesma ao matar sua primeira vítima, surpreendendo-o ao enrolar uma corda em torno de seu pescoço e enforcá-lo com toda força. Ele havia lutado implacavelmente, mas ela não havia desistido.

O que havia surpreendido Volúsia foi sua coragem, ou sua crueldade ou ausência de hesitação – mas o quanto ela havia apreciado o ato de assassiná-lo. Ela havia aprendido desde cedo que tinha o talento de matar, e grande prazer em fazê-lo; ela simplesmente apreciava infligir dor nos outros – muito mais dor do que eles pretendiam infligir nela.

Volúsia havia usado o seu talento para sair do bordel, e tinha continuado a matar para subir ao poder na Casa Volúsia, e finalmente havia matado sua mãe, assumindo o trono. Ela havia dormido com homens também – quando lhe convinha, mas sempre os tinha matado quando havia conseguido o que precisava. Ela não gostava de deixar rastros de pessoas que haviam entrado em contato com ela; Volúsia se considerava uma espécie de Deusa, e não sente necessidade de ter contato com pessoas comuns.

Agora, com apenas dezessete anos, Volúsia havia se consolidado no poder de uma grande cidade e está sentada no trono que havia pertencido à sua mãe – e possui tanto poder que toda a cidade se acovarda diante dela. Volúsia sabe que ela é especial. Outros governantes de outras províncias do Império usavam a brutalidade com a intenção de atingirem o poder; Volúsia, no entanto, se diverte profundamente. Ela está disposta a ir mais longe, a ser mais extrema e a fazer mais do que qualquer outra pessoa que possa ficar em seu caminho. Volúsia acha irônico que seu nome seja o mesmo da cidade que ela comanda, como se ela sempre tenha sido destinada a governá-la. Ela acha que esse é o seu destino.

"Minha Imperatriz," um dos guardas reais anuncia com cuidado, "esses dois prisioneiros diante de vossa excelência foram pegos difamando vosso nome nas ruas de Volúsia."

Volúsia os encara com seriedade. Eles parecem homens ignorantes – camponeses algemados e vestidos com trapos, olhando para ela com sorrisos estúpidos. Um deles a encara durante o pronunciamento, enquanto o outro parece nervoso arrependido.

"E o que vocês têm a dizer em sua defesa?" ela pergunta com uma voz profunda e sombria, quase como a voz de um homem.

"Minha senhora, eu não disse coisa alguma," diz o prisioneiro que estava tremendo. "Vocês ouviram mal."

"E você?" ela pergunta, se dirigindo ao outro prisioneiro.

Ele ergue o queixo e olha para ela, desafiador.

"Eu difamei o seu nome," ele responde, "e você merece ser difamada. Você ainda é uma garota jovem, mas já tem uma reputação sádica. Você não merece se sentar nesse trono."

Ele olha para ela como se ela fosse um objeto sexual e Volúsia se levanta, estufando o peito – que é bastante considerável, e ficando ereta com seu corpo perfeito. Seus olhos brilham enquanto ele continua a encará-la; aqueles homens a enojam. Todos os homens a enojam.

Volúsia lentamente desce do trono, observando-os, e lentamente se aproxima do prisioneiro que a encara. Ela chega bem perto dele, pega um gancho de metal e, com um movimento rápido, levanta o objeto na direção do queixo do homem, atravessando a boca dele e prendendo-o como um peixe.

Ele grita e cai de joelhos enquanto sangue jorra de sua garganta. Volúsia enfia o gancho cada vez mais fundo, apreciando a dor que está infligindo no homem até que ele finalmente cai no chão, morto.

Volúsia se volta para o outro homem, que agora treme abertamente, e se aproxima dele, aproveitando cada minuto daquela manhã.

O prisioneiro cai de joelhos, tremendo.

"Por favor, minha senhora," ele implora. "Por favor, não me mate."

"Você sabe por que eu o matei?" ela pergunta.

"Não minha senhora," ele diz.

"Por que ele disse a verdade," ela declara ironicamente. "Eu lhe concedi uma morte misericordiosa por que ele foi honesto. Mas você não está sendo sincero. Você terá uma morte menos misericordiosa."

"Não, minha senhora! NÃO!" ele grita.

"Levantem-no," Volúsia ordena.

Seus guardas se adiantam e agarram o homem, erguendo-o enquanto ele treme, e o colocam em pé diante dela.

"Apóiem-no," ela comanda.

Eles fazem como ela ordena, colocando o homem na borda do terraço de mármore. Não há grade – nada entre a borda e a queda até a arena abaixo deles, e o homem olha para trás completamente aterrorizado.

Abaixo deles Razif continua correndo sob aplausos da plateia, que espera ansiosa a chegada dos competidores.

"Eu não acho que você seja digno de continuar vivendo," pronuncia Volúsia. "Mas acho que você é digno o suficiente para me entreter."

Volúsia dá dois passos adiante, ergue o pé e dá um chute no peito do homem, empurrando-o de cima do terraço com suas botas de prata.

Ele grita enquanto despenca através do ar, caindo de costas e batendo nas paredes inclinadas até finalmente aterrissar no chão de terra da arena.

A plateia grita entusiasmada, e Volúsia dá um passo à frente e olha para baixo, observando quando Razif localiza o homem. O homem – sangrando, mas ainda vivo, fica em pé e tenta correr; mas a raiva da fera é grande e a multidão o incita ainda mais – e dentro de instantes ele perfura as costas do prisioneiro com seus três chifres.

A multidão fica extasiada ao ver Razif erguer o homem acima de sua cabeça, vitorioso, e desfilar com seu troféu ao redor da arena.

A plateia vai à loucura enquanto Volúsia assiste a cena – ela prospera diante da dor do homem. Aquilo lhe causa uma felicidade que ela não é capaz de descrever.

Abaixo dela, alarmes soam, portões são abertos e dezenas de escravos algemados são despejados dentro da arena. A multidão aplaude enquanto Razif persegue cada um dos escravos e os parte em pedaços, um de cada vez.

Um alarme distante soa, e Volúsia observa o horizonte, já entediada com o que estava acontecendo diante dela. Ela assistia pessoas sendo partidas em pedaços todos os dias, e estava à procura de formas mais interessantes de tortura. O alarme que ela acabava de ouvir era diferente – anunciando a chegada de um dignitário, e Volúsia olha para o horizonte e vê à distância, no meio do oceano, três navios do Império navegando na direção dela, exibindo o a insígnia distinta do exército de Romulus.

"Aparentemente o grande Romulus retornou," um de seus conselheiros diz, aproximando-se dela.

"Quando ele partiu, sua frota preenchia o horizonte inteiro," diz outro de seus conselheiros. "Aparentemente, agora ele retorna com meros três navios. Por que será que ele vem até nós? Por que não foi para o sul?"

Volúsia observa atentamente com as mãos nos quadris, analisando a cena com cuidado. Ela tinha grande habilidade de entender as situações antes de todos os outros, e mais uma vez ela compreende exatamente o que havia acontecido.

"Apenas uma coisa faria com que Romulus viesse até aqui – até nós, até essa parte do Império, antes de prosseguir. E isso é a vergonha," ela diz. "Ele vem aqui por que sua frota foi destruída. Ele não pode retornar para a capital sem uma frota – isso seria um sinal de fraqueza. Ele veio até nós para reabastecer sua frota antes de navegar para o coração do Império."

Volúsia abre um grande sorriso.

"Ele presume que minha parte do Império seja mais fraca que a dele. E essa será sua ruína."

Enquanto Volúsia observa sua chegada, ela sabe que em breve ele estaria em seu porto, e ela sente seu sangue ferver de excitação. É o momento pelo qual ela estava esperando durante toda a sua vida: seu inimigo estava sendo trazido exatamente para as palmas de suas mãos. Ele não tinha a menor ideia. Ele a tinha subestimado; todos eles tinham cometido esse erro.

Volúsia não consegue evitar o sorriso; o destino finalmente a tinha favorecido. Ela sempre havia suspeitado que seria a maior governante de todos os tempo – e agora o destino havia provado suas suspeitas. Logo, ela o mataria. Logo, tudo o que ela mais queria seria dela.

CAPÍTULO VINTE E UM

Darius sente cada um dos músculos de seu corpo ao ser balançado a cinco metros do chão, segurando na viga de bambu com as mãos. Todos os músculos de seu corpo lhe imploram para soltar, para simplesmente cair no chão e se liberar – mas ele não se permite fazer isso. Ele está determinado a passar no teste.

Gemendo, Darius olha a sua volta e vê dezenas de seus irmãos jogados no chão de terra, tendo caído de suas vigas, incapazes de suportar a dor após ficarem pendurados por tanto tempo. Ele está determinado a durar mais tempo que eles. Aquele é um dos ritos de passagem de seu treinamento – ver qual garoto duraria mais tempo antes de cair, e era uma maneira de ganhar o respeito dos outros. Apenas quatro rapazes ainda continuam pendurados, e ele está determinado a ser o último; sendo o menor e o mais jovem do grupo, ele precisa provar o seu valor.

Os gritos dos outros garotos, encorajando-os a continuarem ou a desistirem logo, enchem os ouvidos de Darius. Um dos garotos ao lado dele escorrega, e Darius ouve quando ele atinge o solo. Ele ouve mais aplausos.

Agora restam apenas três deles. As palmas das mãos de Darius ardem enquanto ele continua segurando no bambu, e ele tem a sensação de que seus ombros estão prestes a se soltarem das juntas. Abaixo dele, ele vê os olhares de desaprovação de seus instrutores, observando-o, e Darius está determinado a provar o quanto eles estavam enganados a seu respeito. Ele sabe que eles esperam que ele fracasse – e Darius sabe que o que ele não tem em tamanho, ele tem de sobra em determinação.

Outro garoto cai, mais aplausos são ouvidos, e então restam apenas Darius e mais um garoto pendurados. Darius olha para o lado e vê que se trata de Desmond – um garoto com o dobro de seu tamanho, um dos rapazes mais respeitados da vila. Eles eram escravos durante o dia, mas se consideravam guerreiros à noite, e enquanto treinavam juntos, existia uma hierarquia, um forte código de honra e respeito. Se eles não pudessem obter o respeito do Império, eles poderiam obtê-lo entre si – e esses garotos viviam e morriam por esse respeito. Se eles não podiam lutar contra o Império, ao menos eles podiam treinar e competir entre si.

Quando os membros de Darius começam a latejar com uma dor indescritível, ele fecha os olhos e se força a continuar resistindo. Ele se pergunta quanta dor Desmond seria capaz de suportar, quanto tempo mais levaria até que ele caísse. A competição significava mais para Darius do que ele seria capaz de dizer, e um reflexo o estava forçando a usar seus poderes ocultos.

Mas Darius ignora esse pensamento de sua cabeça, tentando não usar seus poderes mágicos, sem querer usar uma vantagem injusta; ele quer ganhar dos outros apenas com sua força física.

Suas palmas suadas começam a deslizar no bambu, um centímetro de cada vez, e ele começa a escorregar. Ele começa a ver estrelas ao mesmo tempo em que seus ouvidos são preenchidos com os gritos dos garotos embaixo dele, que parecem estar a dezenas de quilômetros de distância. Darius deseja continuar pendurado mais do que qualquer coisa, mas ele continua deslizando e logo está pendurado apenas pelas pontas dos dedos.

Ele geme e fecha os olhos, sentindo que está prestes a desmaiar. Ele sabe que em poucos instantes ele teria que se soltar.

Instantes antes de se soltar, Darius ouve o barulho repentino de um corpo atingindo o chão de terra, seguido por aplausos. Ele abre os olhos e vê Desmond no chão, completamente exausto. Os garotos aplaudem, e Darius de alguma forma arruma forças para continuar segurando por mais alguns segundos, saboreando sua vitória. Ele não queria apenas vencer; ele deseja uma vitória completa e inquestionável, e quer que todos vejam e saibam que ele é o mais forte.

Finalmente, ele se solta, relaxando os ombros ao atravessar o ar e aterrissar no chão de terra.

Darius dá uma cambalhota – com os ombros pegando fogo, e antes que ele possa descansar um pouco, ele sente dezenas de garotos saltarem sobre ele para parabenizá-lo, comemorando e ajudando-o a ficar em pé. Coberto de lama, Darius luta para recuperar o fôlego enquanto a multidão abre caminho e seu comandante, Zirk – um verdadeiro guerreiro, largo como o tronco de uma árvore, sem camisa e com o abdômen repleto de músculos, se aproxima dele.

O grupo se silencia enquanto Zirk olha para ele sem demonstrar qualquer expressão.

"Da próxima vez que você vencer," Zirk fala com sua voz profunda, "segure por mais tempo. Não basta vencer: é preciso esmagar seus oponentes."

Zirk lhe dá as costas e vai embora, e Darius fica desapontado por não ter recebido qualquer elogio. Mas por outro lado, ele sabe que esse era o costume dos instrutores. Qualquer atenção, qualquer palavra vinda deles, devia ser considerada como uma forma de aprovação.

"Escolha um parceiro!" Zirk vocifera, encarando os demais. "É hora da luta!"

"Mas nossos ombros ainda não se recuperaram!" protesta um dos garotos.

Zirk olha para ele.

"É precisamente por isso que devemos lutar agora. Você acha mesmo que seu oponente em uma batalha vai lhe dar tempo de descansar? Vocês devem aprender a lutar quando estiverem mais fracos, e devem fazer o seu melhor exatamente nessas condições."

Os rapazes começam a entrar em suas posições, e então Desmond se aproxima de Darius.

"Você fez um bom trabalho lá atrás," Desmond fala, estendendo-lhe a mão.

Eles se cumprimentam, e Darius fica surpreso. Aquela é a primeira vez que Desmond presta qualquer atenção nele.

"Eu subestimei você," continua Desmond. "Você não é tão fraco quanto parece." Ele sorri.

Darius retribui o sorriso.

"Isso é um elogio?"

Eles são separados no meio da confusão quando outros garotos entram no meio deles, correndo em todas as direções para formarem pares para a luta. Ao lado dele, um garoto de quem Darius não gosta – Kaz, um garoto forte com o rosto quadrado e olhos maldosos – corre até Luzi, o menor garoto do grupo, e o agarra pela camisa. Luzi havia inicialmente formado uma dupla com alguém do mesmo tamanho que ele, mas Kaz puxa o garoto para junto dele, forçando-o a encará-lo.

"Você vai lutar comigo," Kaz fala.

Luzi olha para ele, aterrorizado.

"Não vai ter graça alguma," responde Luzi. "Você tem três vezes o meu tamanho."

Kaz sorri casualmente, com uma expressão cruel em seu rosto.

"Eu luto com eu bem entender," afirma ele. "Talvez você aprenda alguma coisa. Ou talvez, depois dessa surra, você deixe o nosso grupo."

Darius sente um calor subir ao seu rosto ao perceber a indignidade daquelas palavras. Ele não suporta testemunhar qualquer forma de injustiça, e não pode permitir que aquilo aconteça.

Sem pensar, Darius de repente entra entre os dois, encarando Kaz. Ele olha para Kaz, mais alto que ele e duas vezes mais largo, e se força a não virar o rosto e a não sentir medo.

“Por que você não luta comigo?” Darius pergunta para ele.

A expressão de Kai se torna sombria e ele passa a encarar Darius.

"Você pode se pendurar em um galho, garoto," ele fala, "mas isso não quer dizer que você possa lutar. Agora saia do meu caminho, ou vou bater em você também."

Kaz estica o braço para empurrá-lo, mas Darius não se move; em vez disso, ele fica ali parado – decidido, e olha para ele com um sorriso.

"Então experimente," ele diz. "Você pode tentar – mas eu vou revidar. Pode ser que eu perca a luta, mas eu não vou recuar."

Kaz – furioso, estica o braço para agarrar Darius e empurrá-lo para fora de seu caminho. Mas assim que a mão de Kaz encosta na camisa dele, Darius usa um truque que ele havia aprendido com um de seus professores: ele espera até o último instante e então prende o punho de Kaz e gira com toda força, torcendo seu braço atrás das costas dele. Darius o joga no chão e Kaz escorrega com a cara na lama, e então Darius pula em cima de suas costas, dando início à luta.

Todos os garotos na clareira da floresta percebem o que está acontecendo e fazem uma roda ao redor deles – torcendo, e Darius vê o mundo girando ao ser arremessado com grande força por Kaz. Darius escorrega pela lama e antes que ele possa reagir, Kaz está em cima dele. O peso e a força de Kaz são grandes de mais para ele, e logo Kaz o imobiliza.

"Sua ratazana," dispara Kaz. "Você vai pagar por isso."

Kaz gira o corpo e Darius sente seu braço sendo torcido para trás; a dor é insuportável, e ele tem a sensação de que ele está prestes a ser quebrado.

Darius sente seu rosto sendo empurrado contra a lama, e Kaz se aproxima dele por trás, assoprando seu hálito quente em sua nuca. A dor é indescritível à medida que Kaz torce seu braço cada vez mais para trás.

"Eu poderia quebrar seu braço agora mesmo seu eu quisesse," Kaz assopra eu seu ouvido.

"Então vá em frente," Darius retruca. "Isso não muda o fato de você ser um verdadeiro covarde."

Kaz empurra seu braço ainda mais e Darius geme, sentindo que Kaz está preste a quebrá-lo.

De repente, Darius ouve passos correndo através da lama e vê, pelo canto do olhos, Luzi aparecer correndo e saltar nas costas de Kaz.

Kaz, enraivecido, solta o braço de Darius, se levanta e arremessa Luzi, que sai voando pelo ar.

Darius se vira – cuidando do seu braço que ainda dói, e vê Kaz voltar a olhar para ele. Darius se prepara para receber outro golpe quando, de repente, Desmond se aproxima – bloqueando o caminho de Kaz.

"Já chega," Desmond fala para Kaz, com a voz carregada de autoridade. "Você já se divertiu o bastante."

Kaz encara Desmond, e Darius pode ver a hesitação e a incerteza em seu olhar. Obviamente, ele tem medo de Desmond.

"Eu ainda não terminei," responde Kaz.

"Eu estou dizendo que já foi o suficiente," repete Desmond, sem recuar.

Kaz o encara por vários segundos e então, finalmente, deve ter percebido que não valia a pena; lentamente, ele recua.

A tensão se dissipa e os garotos retornam às suas linhas; Darius olhas para cima e vê Desmond estender um braço para ajudá-lo a se levantar. Ele aceita e volta a ficar em pé.

"Aquilo foi corajoso de sua parte," Desmond fala. "Estúpido. Mas corajoso."

Darius sorri.

"Obrigado," ele diz. "Você me salvou da pior parte."

Desmond balança a cabeça.

"Eu admiro a coragem," ele responde. "Por mais estupidez que seja."

De repente, um som distinto atravessa o ar da clareira; é o som de um alarme, uma sirene melancólica que vibra através das árvores.

Os garotos ficam paralisados e se entreolham com expressões graves. Aquela sirene tinha apenas um significado: era o alarme da morte. Aquilo só poderia significar que alguém da vila deles havia morrido.

"Todos de volta para a vila imediatamente!" ordena Zirk, e Darius começa a correr atrás dos outros, acompanhado por Desmond, Luzi e Raj enquanto todos seguem de volta para sua vila. Darius se prepara, sabendo que as notícias não seriam boas.

*

Darius se apressa com seus irmãos até o centro de sua caótica vila, com pessoas se dirigindo ao mesmo local enquanto o alarme continua a soar sem parar. Darius caminha por uma trilha de terra estreita, repleta de cães e galinhas perambulando soltos, passando por casas feitas de barro com telhados de palha que não protegiam seus moradores da chuva. As casas da vila era muito próximas uma das outras, e Darius muitas vezes se perguntava por que seu povo não podia viver em outro lugar.

A sirene volta a tocar – cada vez mais alto, reverberando pelas colinas, e mais aldeões se aproximam. Darius não via tantas pessoas de sua vila juntas em um só lugar há muito tempo, e sente pessoas esbarrando nele por todos os lados, ombro a ombro ao se aproximar do centro da vila.

A multidão se silencia quando os anciãos aparecem, tomando seus lugares ao redor da fonte de pedra no centro da cidade. Salmak – o líder os anciãos, fica em pé solenemente, e assim que ele faz isso todos ficam em silêncio. Ele olha para a multidão com sua longa barba branca e vestindo seu manto desbotado e ergue uma das mãos no ar, e a sirene para de tocar. A tensão paira no silêncio sobre eles como um manto pesado.

O desmoronamento na montanha," ele diz lentamente, sua voz grave, "causou a morte de vinte e quatro dos nossos irmãos."

Há gritos e gemidos no meio da multidão e Darius sente um nó em seu estômago. Como sempre, ele se prepara para ouvir a lista dos nomes, torcendo e rezando para que nenhum de seus primos, tios e tias estivesse entre as vítimas.

"Gialot, filho de Oltevo," Salmak declara com sua voz melancólica, ao mesmo tempo em que o choro de uma mãe corta o ar. Darius se vira e vê uma mulher chorando, rasgando suas roupas, caindo de joelhos e colocando terra em sua cabeça.

"Onaso, filho de Palza," o chefe continua.

Darius fecha os olhos e balança a cabeça enquanto ao redor dele o choro desesperado toma conta da multidão, à medida que os nomes começam a ser listados. Cada nome chamado é como um prego em um caixão, ou um buraco em seu coração; Darius sente como se aquilo nunca fosse ter fim. Ele conhece a maioria daqueles nomes, e alguns deles eram seus conhecidos distantes.

"Omaso, filho de Liutre."

Darius fica paralisado: aquele era um nome que ele realmente conhecia – o nome de um de seus companheiros. Assim que o nome é pronunciado, seus amigos suspiram. Darius fecha os olhos e imagina a morte de seus companheiros, e visualiza seu amigo sendo esmagado por toda aquela terra e por todas aquelas rochas – ele se sente mal. Ele também sabe que a vítima poderia facilmente ter sido ele; apenas na semana anterior, Darius tinha sido escalado para trabalhar naquelas montanhas.

Finalmente, a lista de nomes termina, e um longo silêncio recai sobre el4es. A multidão começa a se dispersar, e o Darius e os outros garotos permanecem ali, encarando-se. Todos parecem indignados, como se soubessem que algo precisava ser feito.

Mas Darius sabe que ninguém faria nada a respeito daquilo. É assim que as coisas eram – como sempre tinham sido. Seu povo inteiro morreria, nas mãos dos carrascos ou através do trabalho, como tinha sido o caso com aqueles garotos – esse era o modo de vida deles. E ninguém parecia disposto a mudar isso.

Mas dessa vez, as mortes afetavam Darius mais do que o normal; é como se houvesse mais nomes, mais dor. Darius se pergunta se tinha sido pior, ou se ele estaria ficando mais velho e menos capaz de tolerar o status quo com o qual sempre havia vivido.

Sem pensar, Darius dá um passo à frente e se encaminha até o centro da vila, sem pedir permissão aos anciãos. Antes de pensar sobre o que estava prestes a fazer, ele se vê gritando, e sua voz atravessa o ar.

"E por quanto tempo continuaremos a sofrer essas humilhações?" ele pergunta.

A multidão fica paralisada, e todos os olhos se voltam para ele ao mesmo tempo em que um silêncio recai sobre a vila.

"Estamos morrendo aqui, a cada dia. Quando será o suficiente?"

Há um murmúrio na multidão, e Darius sente uma mão em seu ombro. Ele se vira e vê seu avô olhando para ele com seriedade, tentando tirá-lo dali.

Darius sabe que está em apuros; ele sabe que é um sinal de insolência mostrar qualquer coisa a não ser respeito aos mais velhos, e também falar sem ter permissão. Mas naquele dia, Darius não se importa; naquele dia, ele tinha tido o bastante.

Ele se desvencilha da mão de seu avo e continua ali, encarando os anciãos.

"Há muitos mais deles do que nós," um dos anciãos responde. "Se nos rebelarmos, seríamos completamente aniquilados antes do final do dia. Antes vivermos assim do que morrermos."

"É mesmo?" Darius pergunta. "Pois eu digo que é melhor morrer do que viver como um homem morto."

Um grande murmúrio é ouvido no meio da multidão, pois nenhum dos habitantes da vila estava acostumado a ouvir qualquer desafio contra os anciãos. Seu avô puxa sua camisa mais uma vez, mas Darius se recusa a recuar.

Salmak se aproxima e o encara com frieza.

"Você fala sem permissão," ele diz lentamente e com seriedade. "Vamos lhe perdoar essa falha grave e atribuirmos isso aos anseios da juventude. Mas se continuar a incitar o nosso povo, se continuar a desrespeitar os anciãos, você será açoitado em praça pública. E não lhe daremos outro aviso."

"Esta reunião está terminada!" avisa outro ancião.

A multidão começa a dispersar ao redor de Darius, e seu rosto arde de vergonha. Ele ama o seu povo, mas ao mesmo tempo ele não sente o menor respeito por eles. Eles lhe parecem tão complacentes, e ele não se sente feito do mesmo material que eles. Darius tem pavor de se tornar como eles, de envelhecer e começar a pensar como eles – a ver o mundo da mesma forma como eles pareciam ver. Darius sente que ainda é jovem e forte o suficiente para pensar de maneira independente. Ele sabe que precisa agir enquanto ainda é possível, antes que se torne velho e complacente. Antes que ele se torne como os anciãos da vila, e comece a tentar silenciar qualquer pessoa que tenha uma visão contrária – qualquer pessoa com entusiasmo.

"Você está realmente tentando ser espancado em público, não é mesmo?" diz uma voz.

Darius se vira e vê Raj se aproximar dele com um sorriso e colocar uma mão em seu ombro.

"Eu não achei que você fosse capaz disso," continua Raj. "Estou gostando cada vez mais de você. Acho que você pode ser tão louco quanto eu."

Antes que Darius possa responder, ele vê um de seus comandantes, Zirk, observando-o com um olhar de desaprovação nos olhos.

"Não lhe compete propor qualquer tipo de ação," ele diz. "Cabe a nós fazer isso. Um verdadeiro guerreiro não sabe apenas como lutar, mas quando fazê-lo. Isso é algo que você ainda precisa aprender."

Darius o encara, determinado e sem querer recuar desta vez.

"E quando será a vez de lutar?" ele pergunta.

Os olhos de Zirk queimam de raiva, claramente insatisfeito por ter sido questionado.

"Quando eu disser que é."

Darius faz uma careta.

"Eu vivo nessa vila desde que eu nasci," Darius retruca, "e essa hora nunca chega. Eu tenho a impressão que ela nunca vai chegar. Vocês estão tão preocupados em proteger o que temos, que não percebem que não temos coisa alguma."

Zirk balança a cabeça em tom de desaprovação.

"Essas são as palavras de um tolo," ele diz. "Você se apressaria em entrar em uma batalha, para sua morte certa, apenas para liberar sua raiva. Você, que é tão pequeno que é incapaz até mesmo de derrotar seu próprio irmão em um duelo. O que o faz pensar que pode derrotar o Império? Você, sozinho, sem armas?"

"Nós temos armas," Darius rebate.

Desmond fica ao lado de Darius, assim como vários de seus irmãos de armas. Vários outros os cercam, e quando eles se aproximam, Kaz dá um passo a frente e ri abertamente.

"Nós temos arcos e estilingues e armas feitas de bambu," ele diz. "Essas não são armas de verdade. Nós não temos aço. E você espera guerrear contra as melhores armaduras e melhores armas e cavalos do Império? Você vai apenas incitar os outros e provocar mortes desnecessárias. Deveria ficar em nossa vila e manter sua bocas fechadas."

"Então por que treinamos? Darius pergunta. "Para duelos no meio da floresta? Para um inimigo que tememos demais para enfrentar?"

Zirk se adianta e aponta um dedo para o rosto de Darius.

"Se você está insatisfeito, pode deixar nosso grupo," ele diz. "Fazer parte dele é um privilégio."

Zirk lhe dá as costas e vai embora, e os outros garotos também começam a partir.

Raj olha para ele e balança a cabeça em sinal de admiração.

"Você hoje resolveu contrariar a todos, não é mesmo?" pergunta Raj, com um sorriso no rosto.

"Eu estou com você," diz uma voz.

Darius se vira e vê Desmond parado ao seu lado. "Eu prefiro morrer em pé do que viver deitado.

Antes que Darius possa responder, ele sente uma mão em seu ombro e ao se virar vê um homem baixo vestindo um manto com capuz, gesticulando para que ele o siga. Darius olha a sua volta, se perguntando quem seria aquele homem.

O homem se vira e começa a se afastar rapidamente – e Darius, intrigado, o segue através da multidão, virando em várias direções.

O homem faz diversas curvas, virando entre as casas em direção ao lado oposto da vila até finalmente parar diante de uma pequena casa de barro. Ele remove o capuz e olha para Darius, que finalmente vê seus olhos suspeitos que olham para ele com cuidado.

"Se suas palavras não forem palavras vazias," o homem diz com um sussurro, "eu tenho aço. Eu tenho armas. Armas de verdade."

Darius encara o homem, arregalando os olhos com espanto. Ele nunca havia conhecido alguém que tivesse aço antes – pois a simples posse de tal item era passível de morte, e se pergunta onde o homem o teria conseguido.

"Quando você estiver pronto, venha a minha procura," continua o homem. "Na última casa de barro na beira do rio. Não conte a ninguém sobre isso. Se alguém perguntar, eu negarei tudo."

O homem se vira e rapidamente se afasta, e Darius o observa enquanto sua mente ferve com várias perguntas. Antes que ele possa chamar o homem de volta, Darius sente outra mão forte em seu ombro, forçando-o a virar para trás.

Darius vê o rosto de seu avô encarando-o com uma expressão de sério desagrado em seu rosto marcado com rugas. Ele é surpreendentemente forte para a sua idade.

"Aquele homem leva apenas para a morte," seu avô diz severamente. "Não apenas a sua, mas a de toda a sua família. Você pode me entende? Nós sobrevivemos há gerações, diferente de escravos em outras províncias, pois nunca recorremos ao aço. Se o Império encontrar você com armas, eles vão destruir toda a nossa vila, e matar cada um de nós," ele diz, cutucando o peito de Darius com o dedo para enfatizar seu recado. "Se eu pegar você conversando com aquele homem, você será banido de nossa família. Você não será bem vindo em nossa casa. Eu não falarei sobre isso novamente."

"Vovô…" começa Darius.

Mas seu avô já tinha lhe dado as costas e começado a voltar para a vila.

Darius o observa partir, frustrado. Ele ama seu avo, que praticamente o havia criado desde o desaparecimento de seu próprio pai há vários anos. Darius também o respeita. Mas ele não compartilha de suas ideias sobre a complacência. E nunca pensaria da mesma forma que ele. Seu avô faz parte de outra geração. E ele nunca entenderia. Nunca.

Darius volta a olhar para a multidão e um rosto chama a sua atenção. Para ali, a apenas alguns metros, está a garota que ele tinha visto na Floresta Aluviana. Várias pessoas passam diante dela, mas ela continua olhando para Darius, como se ninguém mais existisse no mundo.

O coração de Darius bate acelerado ao vê-la, e ele tem a impressão que o resto do mundo simplesmente desaparece. Aquela garota havia sequestrado seus pensamentos desde que ele a tinha visto pela primeira vez, e vê-la naquele momento parece surreal. Ele havia se perguntando se um dia voltaria a vê-la.

Darius abre caminho através da multidão, aproximando-se dela. Ele tem medo de que ela vá se afastar, mas ela permanece ali, orgulhosa, encarando, e fica claro que ela está olhando para ele. Seu rosto está inexpressivo. Ela não sorri – mas ela também não faz uma careta.

Darius olha dentro de seus olhos amarelos cheios de alma, e abaixo deles ele pode ver uma pequena marca onde o oficial a tinha golpeado. Ele se revolta novamente, e sente uma conexão com ela – algo mais forte do que jamais havia sentido com qualquer outra pessoa.

Ele atravessa a multidão e para a apenas alguns passos dela. Ele não sabe o que dizer, e os dois ficam parados em silêncio, olhando um para o outro.

"Eu ouvi o que você disse na vila," ela diz. A voz dela é profunda e forte – a voz mais linda que ele já tinha ouvido. "São palavras vazias?" ela pergunta.

Darius enrubesce.

"Elas não são vazias," ele responde.

"Então o que você pretende fazer a respeito?" ela pergunta.

Ele continua ali parado, sem saber como responder. Ele nunca havia conhecido ninguém tão direto quanto ela.

"Eu… Eu não sei," ele responde.

Ela olha para ele.

"Eu tenho quatro irmãos," ela diz. "Eles são guerreiros. Eles pensam da mesma forma que você. E eu já perdi um deles por causa disso."

Darius olha para ela, surpreso.

"Como?" ele pergunta.

"Ele saiu sozinho uma noite, para enfrentar o Império. Ele matou alguns carrascos. Mas eles o pegaram, e o mataram de uma forma horrível. Com crueldade. Ele havia removido todas as suas marcas, para que não pudesse ser rastreado de volta até nós – ou então também teríamos sido mortos."

Ela olha para Darius, como se estivesse debatendo sobre o que dizer.

"Eu não quero ficar com um homem como o meu irmão," ela diz finalmente. "Há espaço para orgulho entre garotos – mas não entre homens. Por que homens devem apoiar o orgulho com a ação. E a ação para o nosso povo significa a morte."

Darius olha para ela, espantado com suas palavras, com seu olhar tão forte, que nunca abandona o seu. Ele a admira ainda mais. Ela fala com a força e a sabedoria de uma rainha, e ele mal consegue compreender que está olhando para uma garota com a mesma idade que ele.

Acima de tudo, ele fica ali se perguntando por que ela está conversando com ele. Ele se pergunta se ela gosta dele, se ela sente por ele o mesmo que ele sente por ela. Será que ela também gosta dele? Ou estaria apenas tentando ajudá-lo?

"Então, diga-me," ela diz finalmente, após um longo silêncio. "Você é um homem? Ou um herói?"

Darius não sabe como responder.

"Eu não sou nenhum dos dois," ele responde. "Sou apenas eu mesmo."

Ela o encara por bastante tempo, como se o estivesse analisando – ou tentando decidir alguma coisa.

Finalmente, ela se vira e começa a se afastar. O coração de Darius começa a se partir, presumindo que ele tivesse dado a resposta errada, e que ela tivesse mudado de ideia.

Mas enquanto ela continua a se afastar, ela olha para trás e diz:

"Encontre-me na beira do rio, embaixo da árvore que chora quando o sol se pôr," ela fala. "E não me deixe esperando."

Ela desaparece no meio da multidão, e o coração de Darius bate acelerado ao vê-la partir. Ele nunca havia conhecido alguém como ela antes, e ele sabe que jamais conheceria alguém assim. Pela primeira vez, uma garota parecia gostar dele.

Ou será que gostava mesmo?

CAPÍTULO VINTE E DOIS

Alistair está na praça de pedra no alto dos penhascos acompanhada da mãe de Erec e todos os seus conselheiros no raiar do dia, observando a paisagem acima das Ilhas do Sul. Abaixo dela, ela pode ver a grande batalha em andamento, que já vinha acontecendo desde seu encontro com Bowyer. Alistair olha para a bela ilha, coberta pela névoa da manhã e pelo cheiro das flores dos limoeiros – agora tomada pela guerra, e se sente culpada por ter sido a causa daquela guerra civil.

Embora ao mesmo tempo ela se sinta vingada e aliviada que todos tenham finalmente percebido que ela era inocente – e que Bowyer era o verdadeiro assassino. Ela sabe que Bowyer tinha que ser derrotado antes que pudesse roubar o trono – afinal de contas, o trono pertencia a Erec – e Alistair estava determinada a garantir que Erec se recuperasse, e tomasse posse do que era seu por direito. Não por que ela quisesse ser Rainha – ela não se importa com títulos ou posições – mas por que ela quer que seu futuro marido tenha o que ele merece.

A mãe de Erec, ao seu lado, assiste as batalhas com preocupação, e Alistair estica o braço e coloca uma mão em seu pulso. Alistair se sente muito grata a ela por tudo, especialmente por ter ficado ao seu lado durante todo o tempo.

"Eu lhe devo meus agradecimentos," Alistair diz. "Se não fosse por você, eu ainda estaria sentada naquele calabouço – ou morta – agora."

A mãe de Erec sorri, embora seu sorriso seja fraco, e continua observando a batalha com uma expressão de óbvia preocupação.

"Eu também devo lhe agradecer," ela responde. "Você salvou a vida do meu filho."

Ela estuda as colinas abaixo e franze a testa.

"E ao mesmo tempo, se essa batalha não terminar bem, temo que tudo tenha sido em vão," ela conclui.

Alistair olha para ela com surpresa.

"Você está preocupada?" ela pergunta. "Eu pensei que Bowyer governasse apenas uma das doze províncias. Que perigo pode haver quando há onze províncias unidas contra apenas uma?"

A mãe de Alistair assiste a batalha, sem esboçar reação.

"Meu finado marido sempre teve receio dos Alzacas," ela diz. "Eles não produzem apenas os melhores guerreiros das ilhas, mas também são astutos, e não são confiáveis. Eles também têm sede de poder. Eu não vou descansar enquanto todos que estiveram envolvidos na rebelião não estiverem mortos."

Alistair assiste a batalha e vê milhares de habitantes das Ilhas da Sul empurrando a tribo de Bowyer – a batalha se desdobra acima e abaixo de montanhas íngremes por todas as Ilhas do Sul, com homens lutando em vários ângulos e o som distante de metal contra metal e cavalos relinchando pontuando o ar naquela manhã. Eles são todos guerreiros brilhantes, e suas armaduras e armas de cobre brilham sob a luz do sol enquanto eles cobrem as colinas lutando até a morte.

Ela assiste extasiada quando um soldado derruba outro de seu cavalo – fazendo com que ele caia do penhasco, gritando enquanto despenca até a sua morte.

Até onde Alistair pode perceber, os habitantes das Ilhas do Sul têm a vantagem sobre os soldados da tribo de Bowyer, que parecem estar fugindo, e ela não entende por que ter medo. Talvez a Rainha esteja sendo apenas cuidadosa. Logo, ela sente, tudo aquilo estaria terminado, e Erec estaria sentado no trono como Rei, e eles poderiam começar tudo novamente.

Alistair ouve passos, e vê Dauphine se aproximando dela a partir do outro lado da praça. No passado, Dauphine sempre a tinha tratado com desaprovação ou indiferença – mas desta vez, Alistair percebe que ela carrega uma expressão diferente no olhar. Seu rosto parece demonstrar remorso – e talvez até certo respeito.

Dauphine se aproxima dela.

"Devo me desculpar," ela fala com sinceridade. "Você foi acusada injustamente. Eu recebi informações falsas, e por isso me arrependo."

Alistair assente.

"Eu não tinha nada contra você antes," Alistair responde, "e não guardo nenhum rancor pelo que aconteceu. Fico feliz em tê-la como minha irmã, e futura cunhada, contanto que fique feliz por mim."

Dauphine sorri pela primeira vez. Ela se aproxima mais e abraça Alistair que, surpresa, retribui o gesto.

Dauphine finalmente se afasta e a estuda intensamente.

"Eu odeio meus inimigos com todas as minhas forças," explica Dauphine, "e amo meus amigos com igual fervor. Você será como uma amiga e uma irmã para mim. Uma irmã de verdade; Qualquer pessoa tão dedicada a Erec quanto você é, merece o meu respeito. Você vai ver que posso ser uma amiga muito leal. Eu mantenho a minha palavra."

Alistair sente que ela está sendo sincera, e fica feliz em ter uma irmã – e finalmente ter toda a tensão entre elas dissipada. Ela já havia percebido que Dauphine era uma pessoa que sentia as coisas com intensidade, e que nem sempre era capaz de controlar seus sentimentos.

"Eles vão desistir?" Alistair pergunta, observando os homens de Bowyer.

A mãe de Erec dá de ombros.

"Os Alzacas sempre foram separatistas. Eles sempre quiseram a coroa, e sempre foram maus perdedores. Meu pai e seu pai antes dele tentaram erradicá-los das ilhas – agora é a hora. Sem eles, finalmente seremos uma nação – unida sob o reinado de Erec."

Eles ouvem o barulho repentino de cornetas, e todos se viram alarmados, observando as colinas atrás deles. Os topos das montanhas estão repletos de soldados montados a cavalos, cobrindo o horizonte em todas as direções. Alistair vê que eles seguram insígnias de diferentes cores – e olha para cima confusa, sem entender o que estava acontecendo.

"Eu não compreendo," Alistair diz. "A batalha está acontecendo diante de nós. Por que eles se aproximam por trás?"

A expressão da mãe de Erec se transforma, e ela parece estar observando a aproximação de sua própria morte.

"Eles não estão aqui por nós," ela diz, sua voz quase inaudível. "Aqueles estandartes – eles viraram metade das ilhas contra nós. Eles estão seguindo Bowyer em sua tentativa de se tornar Rei. É um golpe!"

"Estamos acabados," Dauphine diz, sua voz repleta de desânimo. "Fomos emboscados. Enganados."

"Eles estão indo para a casa dos enfermos," a mãe deles observa, quando as forças começam a se dirigir montanha abaixo. "Eles planejam matar Erec – para que Bowyer se torne o Rei."

"Temos que impedi-los!" Alistair fala.

A mãe de Erec agarra o pulso de Alistair.

"Se você for até Erec, você certamente morrerá. Se você deseja viver, junte-se ao nosso exército, vamos nos reorganizar e viver para lutar outro dia.

Alistair balança a cabeça.

"Você não compreende," ela responde. "Sem Erec, eu não seria capaz de viver de qualquer forma."

Alistair solta a mão da mãe de Erec de seu pulso e sai correndo na direção do exército que se aproxima, direto para uma morte certa, pronta para fazer o que fosse preciso para chegar até Erec primeiro. Se ele fosse morrer, ela morreria ao lado dele.

CAPÍTULO VINTE E TRÊS

Thorgrin se senta no pequeno barco junto com seus companheiros da Legião, Indra e Matus, remando no meio da calmaria do oceano, enquanto todos observam o horizonte – perdidos em seus pensamentos. Thor rema animadamente, sentindo o bracelete de sua mãe vibrando em seu pulso e com a sensação de que ele está ficando cada vez mais perto de seu filho. Ao estudar as ondas – cobertas pela névoa, ele não consegue ver nada, mas sente que seu filho está em algum lugar lá fora, e sente que está próximo. Acima de tudo, Thor sente que seu filho está vivo, e que precisa dele.

Ele e seus companheiros remam com mais força – forçando seus músculos, determinados.

Enquanto atravessam a água, balançados suavemente pela corrente e incapazes de ver muito além, os pensamentos de Thor se voltam para Mycoples e Ralibar, e ele sente mais falta do que nunca de poder voar pelo céu nas costas de um dragão – vendo o mundo se desdobrar abaixo dele e cobrindo grandes distâncias rapidamente. Agora que ele está confinado ao solo como qualquer outro humano, ele viaja lentamente e sua visão do mundo tinha sido prejudicada. Ele também sente falta da companhia de Mycoples; é como se uma parte dele também tivesse morrido aquele dia.

Reece, ao lado dele, faz uma pausa e aperta o ombro de Thor.

"Vamos encontrar Guwayne,, ele diz. "Ou morreremos todos tentando."

Thor acena de volta com a mesma seriedade, grato pelo apoio do Reece. Enquanto Thor estuda águas, ele se pergunta o que aconteceria se ele estivesse errado, e se fosse tarde demais. E se, quando ele finalmente encontrasse Guwayne, ele estivesse morto? Thor não seria capaz de viver consigo mesmo. E ele nunca seria capaz de dar a notícia a Gwen.

E se, ainda pior, eles nunca o encontrassem?

Thor tenta tirar esses pensamentos de sua mente enquanto rema com mais força, sabendo que o fracasso não era uma opção. Ele sente seu bracelete vibrando, e sabe que precisa ter fé. Ele não sabe para onde eles estavam indo, mas percebe que tudo aquilo faz parte do teste: às vezes é preciso prosseguir apenas com base na fé. Às vezes, a fé é tudo o que se tem. E às vezes testes acontecem para tornar a sua fé mais forte.

Uma hora se transforma na próxima, a manhã vira tarde e Thor começa a perder todo o senso de espaço e tempo, remando sem qualquer som em seus ouvidos exceto o barulho dos remos batendo repetidas vezes na água. Os outros começam a remar mais devagar e a respirar com dificuldade, precisando de uma pausa.

Todos os músculos em seu corpo ardem de dor, parecendo prestes a entrar em colapso, e Thor fecha os olhos e diminui o ritmo também. Ele se concentra, tentando encontrar sua força interior, implorando para que ela o ajude a encontrar seu filho.

Por favor, mãe, ele pensa. Se você estiver aí, dê-me um sinal. Um sinal claro. Por favor. Por amor a Guwayne. Eu preciso de sua ajuda.

Um grito atravessa o ar e Thor joga o pescoço para trás e, ao longe, vê Estófeles circulando o ar, dando um grito que enche o oceano solitário. Ela desce e solta um objeto de sua garra, que despenca em direção ao mar, aterrissando na água ao lado de Thor. A água espirra em Thor e ele olha para baixo espantado, e vê uma garrafa de vidro pequena flutuando na água do lado do barco.

Ele o recupera, tira a rolha, desenrola o pergaminho, e os outros se reúnem em torno dele enquanto ele lê a carta de Gwendolyn.

A mensagem deixa Thor profundamente tocado, e ele olha para os céus quando Estófeles grita – espantado por vê-la ali, no meio do nada, sentindo-se menos sozinho. Ele se sente encorajada; sentindo que aquilo era um sinal, um sinal de que ele encontraria Guwayne.

Estófeles de repente se vira em outra direção, e mergulha para cima e para baixo repetidamente, e Thor sente que ela está tentando lhe dizer alguma coisa – que ela está tentando levá-los a algum lugar.

Guwayne.

"Temos que segui-la!" Thor grita para os outros.

O vento de repente assopra, as velas se esticam, e todos viram o barco, indo na direção de Estófeles.

Eles navegaram em meio a uma espessa neblina, que se ergue acima das águas, e eles finalmente chegam ao outro lado, o coração de Thor bate acelerado de emoção e prazer. Ele fica surpreso ao ver, a cem metros de distância, uma ilha maior do que a última que haviam encontrado – esta claramente habitada, com pegadas por toda a praia.

E à medida que eles se aproximam, atravessando a arrebentação, Thor olhou para fora e vê algo na areia que o faz ter esperança na vida mais uma vez: encalhado na costa há um pequeno barco e, a julgar pelo seu tamanho, ele é grande o suficiente para acomodar uma única pessoa.

Um menino.

*

Thor e seus companheiros avançam rapidamente através da densa selva da ilha – Thor praticamente sem fôlego, com o coração acelerado enquanto corre ao lado dos outros, pelas pegadas que alguém havia encontrado o barco e pegado Guwayne, e Thor arde de raiva ao pensar nisso. Quem quer que tivesse feito isso, ele os faria pagar – isso se já não fosse tarde demais.

A selva é tão espessa que Thor mal pode ver o que há diante dele enquanto ele corre, sendo arranhado por galhos e sem se importar. Quando a mata fica muito densa, Thor pega sua espada e começa a abrir caminho cortando tudo o que vê pela frente, saltando sobre árvores caídas enquanto ouve seu coração batendo em seus ouvidos.

Os sons de pássaros e animais exóticos pontuam o ar, mas Thor mal pode ouvir qualquer coisa senão sua própria pulsação, seus próprios pensamentos deixando-o louco. Onde eles tinham levado o seu garoto? Há quanto tempo ele tinha desembarcado? Eles eram amigáveis, ou tinham más intenções?

E o pior de tudo: o que aconteceria se ele não o encontrasse a tempo?

O bracelete de sua mãe vibra como um louco, e Thor mal consegue pensar direito, sabendo que seu filho está aqui, apenas fora de seu alcance, em algum lugar atrás daquelas árvores.

"Parece que um exército o levou!" Matus grita, olhando para baixo enquanto corre.

Thor estava pensando a mesma coisa – havia vários rastros em muitas direções diferentes. Quantas pessoas viviam ali? Que tipo de pessoas elas seriam? Parado onde todos eles poderiam estar se dirigindo?

Ao atravessarem uma parede de folhagens espessas, eles ouvem o som repentino de um canto e dança tribal, uma batida persistente que preenche o ar. Os tambores batem rápido – no mesmo ritmo das batidas do coração de Thor, e o barulho fica cada vez mais intenso à medida que eles continuam correndo. Eles avançam em direção à música, e Thor se sente encorajado e ao mesmo tempo tomado por uma sensação de pavor. Quem quer que esteja adiante não parece amigável. Por que, ele se pergunta pela milionésima vez, eles teriam levado seu filho? O que eles pretendiam fazer com ele?

"Você conhece as pessoas desta ilha?" Thor pergunta para Matus. "As Ilhas Superiores são mais próximas que o Anel."

Matus balança a cabeça enquanto corre, esquivando-se de uma árvore.

"Eu nunca viajei tão ao norte. Eu nem sabia que estas Ilhas eram habitadas. Seu palpite é tão bom quanto o meu."

Todos eles param subitamente no limite da selva, diante de uma parede de vinhas através da qual eles podem ver uma grande clareira. Guerreiros endurecidos, eles sabem que é preciso analisar melhor o território de um inimigo hostil em vez de avançar sem estarem preparados.

Thor observa, respirando com dificuldade, e fica espantado com a visão diante dele: na clareira, há centenas de nativos – homens com pele branca translúcida e olhos verdes brilhantes e esbugalhados. Eles estão mal vestidos e têm corpos de definidos e musculosos. Eles cantam e batem em seus tambores, dançando em círculos em todas as direções, várias e várias vezes, descalços na areia da clareira no meio da selva. No centro da vila há um poço de pedra alto e, acima dele, um grande tronco de madeira. Há fumaça saindo do poço e de dentro dele, Thor pode ouvir gritos.

Os gritos de um bebê.

Os cabelos nas costas de Thor se arrepiam ao ouvir o choro – ao observar os nativos circulando, dançando em torno do poço sem parar, levantando tochas, batendo em seus tambores. Ele percebe, com um lampejo de horror, o que estava acontecendo: aquele povo primitivo estava se preparando para sacrificar seu bebê.

Sem sequer pensar em uma estratégia, sem sequer considerar em como eles estavam em desvantagem numérica, Thor invade a clareira com sua espada em punho e solta um grande grito de guerra, atacando as centenas de guerreiros armados. Mesmo que ele tivesse parado para pensar sobre aquilo, Thor não teria feito uma pausa; algo visceral dentro dele o leva adiante. Thor sabe que poderia ser seu filho dentro daquele poço, e ele mataria qualquer um e qualquer coisa em seu caminho para resgatá-lo.

Todos os seus irmãos se juntam a ele, correndo em direção ao perigo – todos ao seu lado, preparados para irem a qualquer lugar com ele, não importa qual seja o risco.

Eles mal tinham avançado 10 metros – estando ainda a cinquenta metros de distância, quando toda a aldeia os vê, e centenas de guerreiros param de dançar e se viram para eles. Eles erguem suas lanças, arcos e flechas, e avançam para encontrá-los.

Thor e seus irmãos não diminuem o ritmo. Eles continuam correndo em direção ao exército, irresponsáveis e despreocupados, preparados para lutarem até a morte.

Todos eles se encontram em um confronto de armas. Thor, com sua espada erguida, é o primeiro a alcançá-los. Três membros da tribo levantam seus punhais e saltam sobre ele, e assim que fazem isso Thor se abaixa e golpeia com sua espada, cortando seus peitos e derrubando os três adversários no chão ao mesmo tempo em que rola para fora do caminho.

Thor volta a ficar em pé e continua seu ataque, rumo a um grupo dos membros da tribo que está segurando lanças, preparando-se para jogá-las na direção deles. Thor salta no ar e corta as lanças ao meio antes que eles possam arremessá-las, e então enfia sua espada no chão e a usa para impulsionar-se no ar, rodopiando em volta dela e chutando-os no peito e empurrando-os para trás. Thor volta a ficar em pé, pega sua espada e, fazendo a volta na roda, fere todos ao redor dele.

Thor ouve o choro do bebê na distância, ressoando em seus ouvidos – audível mesmo acima dos gritos dos homens – e luta como um homem possuído. Ele não tenta invocar seus poderes; ele não quer fazer isso. Ele quer matar aqueles homens com suas próprias mãos, aqueles homens que tinham ousado tirar seu filho dele, que tinham ousado tentar matá-lo. Ele quer matar todos eles de homem para homem, cara a cara.

Thor ataca para todos os lados à medida que homens o atacam com punhais e lanças. Thor mata vários homens, mas é impossível matar todos eles antes que eles possam disparar contra ele. Um dos membros da tribo atira uma pedra com um estilingue e acerta Thor com força na cabeça, abrindo um corte profundo acima de sua têmpora. Outros disparam flechas antes que Thor possa alcançá-los, e enquanto Thor abaixa e desvia da maioria – é impossível evitar todas elas, e uma flecha roça seu braço esquerdo e ele grita de dor.

No entanto, Thor não desiste. Ele não pensa em nada além de seu filho e mesmo ferido, continua a avançar, golpeando sua espada com as duas mãos, cortando e chutando e abrindo caminho até o centro da aldeia. Logo ele é cercado por membros da tribo – lutando lado a lado contra eles, olho no olho no meio da multidão. É um processo lento, mesmo com seus irmãos lutando ao lado dele, ajudando-o a bloquear golpes e também ferindo alguns membros da tribo.

Thor é bem mais rápido e mais forte do que todos aqueles nativos, com suas armas rudimentares, e ele entra e sai do meio do grupo deles com grande habilidade, esquivando-se de golpes de lança ao mesmo tempo em que corta e esfaqueia seus adversários. No entanto, a multidão parece aumentar, e há simplesmente muitos deles. Enquanto ele se vê cercado por todos os lados, outros ele nem sequer vê se aproximando. Thor ouve algo atrás dele e gira para ver um aldeão abaixando uma adaga na direção da parte de trás de sua cabeça. É tarde demais para reagir, e Thor se prepara para receber o golpe.

De repente, o homem da tribo abre bem os olhos e cai aos pés de Thor. Thor simplesmente o observa cair, intrigado. Ele olha para baixo e vê uma flecha através de suas costas, e ao olhar para cima vê O'Connor segurando seu arco e sorrindo, sua mira tão certeira como sempre. Indra fica ao lado dele e dispara uma flecha de seu próprio arco e assim que ela faz isso, Thor ouve um grunhindo ao seu lado e vê outro membro da tribo cair antes que ele pudesse erguer sua lança.

Elden avança empunhando seu enorme martelo, e com um golpe amplo, ele acerta três deles no peito com um forte ruído, derrubando-os no chão. Elden então levanta o martelo e o vira de lado, batendo em outros dois homens no rosto. Em seguida, ele balança o martelo pesado sobre sua cabeça e o arremessa na direção do grupo, derrubando mais quatro membros da tribo e abrindo um caminho no meio da multidão.

Reece se joga para frente com sua espada, cortando para todos os lados, enquanto Conven nem sequer se preocupara em golpear sua espada enquanto corre de forma imprudente indo direto para o grosso dos membros da tribo. Ele estende a mão e arranca uma lança das mãos de um dos nativos, passando a usá-la contra seus inimigos. Ele então se vira e cria um círculo em torno dele, matando nativos à medida que ele usa a lança em todas as direções ao redor da roda. Quando ele termina, Conven ergue a lança acima de sua cabeça e a arremessa com tanta força que ela atravessa o corpo de um nativo, alojando-se no corpo de outro.

Enquanto Thor avança, abrindo caminho através da multidão, com ombros ardentes da batalha, ele ouve um ruído acima de sua cabeça, e nota Matus chegando ao lado dele, balançando um mangual cravejado, balançando no ar enquanto a bola de metal atinge o alvo várias e várias vezes, derrubando meia dúzia deles e diminuindo o número de inimigos na multidão.

Thor, liberado, e sentindo-se encorajado pela presença de todos os seus irmãos ao seu lado, avança mais fundo na multidão, abrindo seu caminho, mantendo um olho no poço distante, ouvindo os gritos do bebê e observando os homens da tribo que continuam ameaçadoramente acima dele. Thor nota quando um deles acena para o outro e, em seguida, vê quando eles começam a girar uma manivela, e descer o bebê gritando em direção ao fogo.

Desesperado, Thor esfaqueia um membro da tribo no peito, pega uma lança de suas mãos, empurra o homem para trás e, em seguida, dá um passo para frente e atira a lança.

A lança atravessa o ar – voando acima das cabeças dos outros, até que Thor, finalmente, com sua mira perfeita, mata um dos homens da tribo que estava girando as manivelas. O'Connor, seguindo a liderança de Thor, dispara uma de suas próprias flechas, e acerta o outro membro da tribo entre os olhos. Os dois caem da borda do poço, mortos.

Determinado a chegar até seu filho, Thor luta com mais violência, cortando o seu caminho através dos nativos como um homem possuído. Algo toma conta de Thor, uma raiva suprema que ele é incapaz de controlar, e ele joga a cabeça para trás e solta um grito sobrenatural, com veias aparecendo em seus braços, pescoço e ombros – o som de uma criatura desesperada, determinada a resgatar seus filhotes.

Thor se move com a velocidade de um raio – uma máquina de matar de um homem só ao mesmo tempo em que mata o resto dos homens, criando um pé de guerra de destruição de um único homem. Os homens da tribo ficam completamente impotentes contra um guerreiro como ele, um guerreiro diferente de todos os que eles já haviam encontrado antes. Aquela é a luta da vida de Thor, e nada o faria parar antes de alcançar seu objetivo.

Dentro de instantes, Thor abre caminho através deles, e uma pilha de corpos cobre o chão da clareira no centro da multidão. É como se ele tivesse entrado em uma lacuna no espaço e no tempo, e ele não estivesse totalmente consciente do que estava fazendo, ou mesmo de onde ele estava. Ele tinha sido tomado por um instinto assassino.

Thor chega ao centro da vila e limpa o suor de seus olhos, tentando entender o que tinha acontecido com ele. Ele havia sentido o poder de uma centena de homens, mesmo que apenas por um momento, e ele tinha sido invencível.

O choro do bebê traz Thor de volta para o presente, e ele rapidamente se vira e corre para o poço de pedra.

Sem ninguém entre ele e o poço, Thor se sobe até o topo, com o suor escorrendo em seus olhos e o coração batendo acelerado.

Por Favor, Deus. Permita que meu filho esteja vivo.

Quando Thor chega ao topo, os gritos ficam mais altos, ecoando no poço vazio, e ele tosse e com a fumaça que sobe. Thor se abaixa e com as mãos trêmulas puxa a manivela, uma e outra vez, e a corda vai subindo, girando e levantando o bebê à medida que Thor o resgata do calor e da fumaça.

Thor puxado sem parar, ansioso para ver que o bebê está bem, e quando ele finalmente alcança o topo, Thor se abaixa na fumaça e segura o bebê, levantando-o, e se vira para olhar nos olhos de seu filho.

Thor fica exultante ao ver que o bebê está vivo e saudável. No entanto, ao examinar o bebê, nu, deitado no berço, Thor fica chocado ao descobrir algo: aquele não é seu filho.

É uma menina.

A menina grita quando Thor a segura no alto. Ele fica feliz por tê-la salvado. Mas ela não é seu filho, aquele bebê é o filho de outra pessoa.

Indra e os outros chegam ao topo do poço, ao lado de Thor, e Thor entrega o bebê para ela. Em seguida, ele se vira e examina a aldeia, à procura de qualquer sinal de seu filho. Dali de cima ele tem uma ampla visão de tudo, e pode ver toda a aldeia se espalhar abaixo deles. Seus outros irmãos estão terminando de matar os últimos homens da tribo, e todos eles tinham sido mortos – há corpos espalhados por todos os lados.

Mas em nenhum lugar há qualquer sinal de Guwayne.

Thor está determinado a obter respostas. Do outro lado da vila Thor vê um aldeão ferido, lentamente ficando em pé, e ele pula de cima da parede, correndo para ele enquanto ele tenta se arrastar para longe.

Thor pulou em suas costas, prendendo-o na areia com um joelho, e então tira um punhal e vira o homem para cima, segurando a arma contra sua garganta.

"Onde está meu bebê?" Thor pergunta, com os olhos esbugalhados de pânico e raiva.

O homem resmunga algo em uma língua Thor não consegue entender, com os olhos cheios de pânico.

Thor, desesperado, apertou a lâmina contra a garganta do homem.

"MEU BEBÊ!" Thor grita, virando-se e apontando para Indra, que segue a menina gritando.

O aldeão finalmente parece entender, e ele murmura algo diferente.

"Eu não entendo!" Thor grita.

O homem de repente se vira e aponta para cima, para trás do ombro de Thor.

Thor se virou e segue a direção do dedo do homem, e vê uma cordilheira distante, e perto do topo, no caminho sinuoso até o cume, uma pequena procissão de homens. Eles estão seguindo em direção ao topo do vulcão, e em seu centro, levantado acima de suas cabeças, há uma pequena caixa de outro que brilha sob o sol.

Uma caixa grande o suficiente para acomodar um bebê.

CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Gwen corre pelo navio em pânico, assistindo seu povo se transformando em pedra – um após o outro, caindo sobre a borda e despencando na água. É como algo tirado de seu pior pesadelo. Rapidamente, ela está perdendo seu povo, os milhares de sobreviventes do Anel empilhados em três navios, rapidamente caindo no mar.

Gwen vê Steffen prestes a olhar sobre a borda e corre para ele, segurando-o pela parte de trás de da camisa, e o puxa para trás. Ele vai tropeçando e cai sobre seu traseiro, e olha para ela em estado de choque.

"Não olhe!" Ela grita. "Você vai ser morto."

O choque se transforma em gratidão assim que ele percebe o que havia acontecido. Ele se levanta e se curva diante dela.

"Minha senhora," ele diz, com lágrimas nos olhos, "você salvou minha vida."

"Ajude-me a salvar os outros," ela responde.

Steffen se apressa para ajudar os demais, e é acompanhado por Sandara, Kendrick, Godfrey, Brandt e Atme, juntamente com os novos membros da Legião, Merek e Ario, todos eles correndo com Gwendolyn por todo o navio, impedindo as pessoas de olharem sobre a borda do navio – impedindo-as de ficarem muito perto de seus entes queridos, que já haviam se transformado em pedra e estavam despencando. Gwen observa uma mulher gritar como seu marido que tinha acabado de se transformar em pedra. Ela a vê agarrar seu corpo, recusando-se a deixá-lo ir, tentando impedi-lo de cair sobre a borda e, em seguida, ela mesma, inevitavelmente, olhando para a água. E então, ela também é transformada em pedra, com o rosto congelado em um olhar de agonia e, juntos, com os braços em volta dele, como um grande bloco de pedra, os dois caem sobre a borda e mergulham no mar.

Gwen olha para os outros navios e fica horrorizada ao ver que um deles está completamente vazio, e que todas as pessoas a bordo já tinham sido transformadas em pedra e caído no mar. As grades estão todas quebradas onde as estátuas haviam batido, e não há um único sobrevivente à bordo. Na verdade, como todas as estátuas começando a se acumular em um lado do navio, ele agora começa a listar, e à medida que Gwen observa, impotente, ele já dá sinais de que estava afundando.

O navio afunda cada vez mais rápido, e em poucos instantes ele cai de lado na água com um grande estrondo, e suas velas batem contra o oceano. Ele fica de lado, todos os seus tripulantes mortos antes mesmo que ele tivesse emborcado, e Gwen se sente mal do estômago ao vê-lo afundar completamente no oceano.

Gwen mal pode acreditar que agora, restam apenas dois navios de sua gloriosa frota que havia deixado o continente do Anel. Gwen olha em volta freneticamente, temendo que ela fosse perder todo o seu povo ali.

"Ergam os mastros!" ela grita para seu almirante. "Dobrem os homens nos remos! Leve-nos para longe dessas águas!"

Os homens entram em ação ao mesmo tempo em que os sinos soam, tomando suas posições e fazendo o seu melhor para mover os navios.

Gwen correr para Sandara e coloca a mão em seu pulso, desesperada para encontrar respostas.

"Quanto tempo até sairmos destas águas?" ela pergunta.

Sandara balança a cabeça tristemente.

"Eles viajam no oceano aberto, minha senhora," ela responde. "Estas águas são como um cardume de peixes, de passagem. Eu nunca as encontrei, mas eu ouvi dizer que elas passam rapidamente, especialmente com um vento forte."

Gwen se vira e olha para o horizonte distante, mantendo os olhos para o alto – com medo de olhar para baixo, na direção das águas. É difícil dizer onde aquilo terminaria.

Ela estica o pescoço e volta a olhar para as velas, e fica aliviado ao vê-las içadas e preenchidas com um bom vento. Os homens gemem ao redor dela enquanto remam sem parar.

"Eles podem passar rapidamente," declara Gwen, "mas não vamos dar chances ao acaso. Vocês todos irão remar sem parar até o amanhecer!"

Gwen olha para cima, vê o sol do meio-dia, e sabe que aquele seria um dia árduo para todos eles. Mas ela não se arriscaria – qualquer coisa seria ainda melhor do que a morte.

Gwendolyn encontra Illepra segurando o bebê – protegendo-a, e seu coração se enche de alívio ao tê-lo de volta em seus braços. No silêncio sombrio, tudo o que se pode ouvir é o bater dos remos contra a água, os gritos das gaivotas e os gemidos suaves e soluços dos sobreviventes – desolados, chorando a perda de seus entes queridos. Eles tinham tido sorte, mas Gwen não se sente sortuda.

Na verdade, ao olhar para o horizonte e considerar suas parcas rações, ela sabe que aquilo não era um bom presságio – e que não era um bom sinal.

*

Gwendolyn, com os olhos turvos, se senta e assiste o sol amanhecer sobre o oceano – uma linha fina púrpura lentamente se tornando escarlate, espantando a névoa do oceano. Uma gaivota solitária grita lá em cima, e à medida que o céu se aquece, Gwen se vira e examina seu povo: todos estão inclinados sobre seus remos, dormindo no lugar, exaustos depois de seus esforços. Tinha sido um longo e angustiante dia e noite, e Gwen tinha pensado que ele nunca aquilo nunca chegaria ao fim. Ela tinha entregado o bebê para Illepra tarde da noite e tinha finalmente caído no sono.

Quando o sol começa a rastejar sobre o horizonte, Gwendolyn – que tinha ficado acordada a noite toda – se levanta e dá os primeiros passos, a única pessoa acordada no navio que dorme tranquilo. Ela abre caminho cautelosamente até a grade, fazendo ranger o convés enquanto caminha, e se prepara para examinar as águas. Ela quer ser a primeira a olhar – a primeira a saber com certeza se as águas estavam finalmente seguras. Ela não acha que seja certo forçar um de seus súditos a fazer isso por ela. Ela era a rainha, afinal de contas, e se alguém tinha que morrer, deveria ser ela. Ela sente que isso era sua responsabilidade.

Gwen cruza o convés, e assim que ela chega até a grade, uma voz corta o ar naquela manhã:

"Minha senhora."

Gwen se vira e vê Steffen ali de pé, com grandes olheiras sob seus olhos, olhando para ela com um ar preocupado.

"Eu temo saber onde você está indo," ele diz – sua voz cheia de preocupação.

Gwen assente, fazendo um gesto com a cabeça.

"Vou verificar as águas," ela responde.

Steffen balança a cabeça e dá um passo adiante.

"Esse não é um trabalho para uma rainha," ele fala. "Eu sou seu servo. Permita-me fazer isso pela senhora."

Ele começa a avançar, andando na direção da grade, mas Gwen estende a mão e a coloca em seu pulso.

Ele se vira para ela.

"Obrigada," ela responde. "Mas não. Esse é o meu navio e esse é meu povo. É meu dever fazer isso."

Ele franze a testa.

"Minha senhora, você poderia morrer."

"Então, da mesma forma que você. E quem pode dizer que minha vida vale mais do que a sua?"

Os olhos de Steffen se enchem de lágrimas enquanto ele continua olhando para ela.

"Você realmente é uma grande rainha," declara ele. "Uma Rainha como nenhuma outra."

Gwen pode ouvir a sinceridade em suas palavras, e fica sensibilizada ao ouvi-las.

Sem mais delongas, Gwen se vira, dá dois grandes passos até a grande, segura nela com as mãos trêmulas e fecha os olhos, vendo imagens em de sua mente de todas as pessoas que haviam se transformado em pedra. Ela reza para que ela não tenha o mesmo destino.

Gwen abre os olhos e olha, respirando profundamente e preparando-se.

As águas, iluminadas pelo sol da manhã, estão brilhando em um tom azul intenso. Gwen olha com cuidado, e fica feliz não ver qualquer vestígio das águas iluminadas. O mar está de volta para a forma como sempre tinha sido.

"Minha senhora!" Steffen grita alarmado, apressando-se para o seu lado.

Gwen sorri quando ela se vira e calmamente olho para ele.

"Eu estou viva," ela fala. "Não há nada mais a temer."

Ao seu redor, o povo de Gwen começa a acordar, ficando em pé, com os olhos turvos. Um por um, eles olham para ela com admiração, em seguida, abrem caminho até ela.

"As águas estão seguras!" Gwen grita.

As pessoas gritam de alívio, e juntos eles correm para a borda do navio e inclinam-se e ara examinar o mar, encantados. É apenas um oceano normal, como sempre tinha sido.

Gwendolyn é tomada por uma pontada de fome, e ela pensa em suas rações escassas e se pergunta quando seu povo teria se alimentado pela última vez. Ela mesma recusava duas refeições por dia, para poupar mais para o seu povo, e ela estava começando a sentir a fome. Ela estava quase com medo de perguntar o que ainda restava.

Ela se virou para seu almirante, que está ao seu lado, e pode ver pelo olhar sombrio no rosto dele que as notícias não são nada boas.

"As rações?" Perguntou ela, hesitante.

Ele balança a cabeça gravemente.

"Lamento, minha senhora," ele relata. "Não há mais nada."

"As pessoas precisam de alimentos," acrescenta Aberthol, ao lado dela. "Eles estão cada vez mais desesperados. Eles remaram durante toda a noite, e agora eles não têm nada. Eu não sei por quanto tempo seremos capazes de satisfazê-los."

"Ou quanto tempo mais seremos capazes de sobreviver," acrescenta Brandt, severamente.

Gwendolyn recebe na notícia com seriedade, sentindo toda a gravidade da situação. Ela se vira para Kendrick, que está ao lado dela.

"E o que você propõe que façamos?" pergunta Gwendolyn.

Ele balança a cabeça.

"Se não encontrarmos provisões em breve," afirma ele, "se não encontrarmos terra em breve, este navio se tornará um cemitério flutuante."

Gwendolyn se vira para Sandara, em pé ao lado dele.

"Quanto tempo até chegarmo a sua terra?" ela pergunta para Sandara.

Sandara balança a cabeça e olha para longe, analisando o horizonte.

"É difícil dizer, minha senhora," ela responde. "Depende das correntes. Pode ser um dia ou pode ser um mês."

O estômago de Gwen se aperta com as palavras dela. Um mês. Seu povo não sobreviveria. Todos morreriam ali, definhando, uma morte terrível no meio do oceano. Pior, eles certamente se voltariam um contra os outros, revoltados, e se matariam. A fome deixar as pessoas desesperadas.

Gwendolyn balança a cabeça, resignada.

"Rezemos por terra," ela pede.

CAPÍTULO VINTE E CINCO

Darius caminha rapidamente pela sua aldeia quando o sol começa a se pôr, mais nervoso do que jamais havia se sentido, repetidamente limpando o suor de suas palmas. Ele não consegue entender porque ele está tão ansioso enquanto ele segue seu caminho, indo em direção ao rio, para encontrar Loti em sua casa de campo. Ele havia enfrentado seus irmãos em combate, já havia trabalhado sob o comando de capatazes maldosos – e tinha até mesmo se empenhado na mais perigosa das tarefas nas minas, e ainda assim ele nunca havia se sentido tão nervoso assim antes.

No entanto, enquanto Darius se dirigiu para encontrar Loti, ele ouve um zumbido em sua mente e sente seu coração batendo, e não consegue evitar que sua garganta fique completamente seca. Ele não consegue entender como ela poderia ter esse efeito sobre ele, o que havia de tão diferente a respeito dela. Ele quase não a conhecia, só tinha posto os olhos em cima dela duas vezes, e ainda agora, enquanto se dirige para seu encontro com ela, ele não consegue pensar em outra coisa.

Darius se lembra do seu encontro, e ele repassa as suas palavras em sua mente uma e outra vez. Ele tentou lembrar exatamente o que ela havia dito; e começa a duvidar de si mesmo, começando a se perguntar se ela realmente gostava dele, se ela se sentia da mesma maneira sobre ele como ele se sentia em relação a ela, ou se talvez se ela só queria vê-lo de forma casual, ou estava apenas curiosa para saber mais sobre ele. Talvez ela estivesse namorando outra pessoa; talvez ela nem mesmo fosse aparecer no lugar e na hora marcados.

O coração de Darius bate mais rápido enquanto ele considera todos esses cenários. Ele tinha se vestido com suas melhores roupas: uma túnica de algodão branco e calças pretas de lã fina, roupas que seu pai tinha usado uma vez. Aquelas eram as melhores roupas de propriedade de sua família, e seu pai tinha pagado caro por elas. Ainda assim, quando Darius as examina, ele fica envergonhado, vendo como elas estão manchadas e gastas em alguns lugares – ainda as roupas de um escravo, mesmo que ligeiramente melhores. Aquelas ainda não eram as roupas do Império, e não eram as roupas de um homem livre. No entanto, ninguém na sua aldeia tinha roupas de um homem livre.

Darius finalmente sai das ruas movimentadas e sinuosas da vila e chega no lado ocidental do vilarejo, um complexo de pequenas casas construídas quase uma em cima da outra. Ao mesmo tempo em que ele observa as habitações, ele tenta lembrar o que ela havia dito: uma casa com uma porta manchada de vermelho.

Darius vai de casa em casa, olhando em todos os lugares, e justamente quando ele está prestes a desistir, de repente, seus olhos recaem sobre ela. Lá está ela, em pé além das outras, um pouco menor do que o resto, exatamente como as outras, exceto pela mancha vermelha desbotada na porta.

Darius engole em seco. Ele olha para baixo e vê as flores em sua mão – flores silvestres que ele havia apanhado nas margens do rio, amarelas, com longas hastes finas. Ele se arrepende agora que eles não sejam de melhor qualidade; ele deveria ter escolhido as rosas selvagens no lado mais distante do prado, mas ele não tinha tempo para isso.

Da próxima vez, ele diz a si mesmo. Isto é, se ela quiser quer me ver outra vez.

Darius se aproxima e bate na porta, e ele mal consegue assimilar o que está acontecendo – seu coração bate em seu peito, abafando todos os seus pensamentos exceto a sua pulsação. Ele mal consegue ouvir os gritos das crianças, e todos os moradores correndo caoticamente ao redor dele, tudo se silencia assim que ele bate na porta.

Darius fica ali em pé, esperando, e começa a duvidar se a porta algum dia se abriria, ou se ele tinha mesmo sido convidado a vir até ali. E se ele tivesse se enganado? E se ele tivesse imaginado a coisa toda?

Darius fica ali tanto tempo que, finalmente, ele se vira para ir, quando a porta se abre de repente. O rosto de uma mulher mais velha aparece, olhando para ele com desconfiança. Ela abre a porta e sai, com as mãos nos quadris, e olha para ele de cima para baixo, como se ele fosse um inseto. Seus olhos repousam sobre as flores que ele segura, e seu rosto não esconde sua decepção.

"É você que veio ver minha filha?" ela pergunta.

Ele olha para ela em silêncio, sem saber como responder.

"E é isso o que você trouxe?" ela acrescenta, olhando para as flores.

Darius olha para as flores, o pânico aumentando dentro dele.

"Eu… hum… eu sinto muito…"

A mulher de repente é empurrada para o lado quando Loti aparece ao lado dela, com um largo sorriso no rosto. Ela se aproxima, pega as flores das mãos de Darius e as examina, encantada.

Assim que ela faz isso, todos os medos de Darius começam a se dissipar. Loti está mais bonita do que ele se lembrava; ela tinha acabado de tomar banho e está vestindo uma linda roupa branca da cabeça aos pés, e ele nunca a tinha visto sorrir – não daquele jeito.

"Ah, mãe, pare de ser tão dura com ele," Loti fala. "Estas flores são perfeitamente belas."

Ela fixa os olhos em Darius, e seu coração bate mais rápido.

"Bem, você vai entrar?" ela pergunta, rindo e dando um passo adiante e entrelaçando seu braço com o dele. Em seguida, ela o leva para dentro de sua casa, passando ao lado de sua mãe.

Darius entra na pequena casa escura e ela o leva até uma pequena cadeira na parede oposta, nem a cinco metros da entrada. Eles se sentam lado a lado em um pequeno banco de barro, e a mãe dela fecha a porta e volta para dentro, sentando-se de frente para eles em um banquinho.

A mãe de Loti mantém os olhos fixos em Darius, examinando-o, e Darius se sente claustrofóbico na pequena casa de campo mal iluminada, mudando constantemente de posição na cadeira. Ele sabe que é a tradição de todas as mulheres na aldeia interrogarem os pretendentes antes que eles pudessem levar suas filhas a qualquer lugar. Por respeito para com os pais dela, Darius queria ter certeza de que ele não faria nada para ofendê-los. Ele está determinado a causar uma boa impressão.

"Você gostaria de ver minha filha," a mulher fala com uma expressão dura. Ela tem o rosto de um guerreiro, e Darius pode ver pela expressão dela que ela era uma mãe de filhos homens – de filhos guerreiros. Aquele é o rosto de uma mãe protetora e cautelosa, uma mãe determinada a não repetir os erros do passado.

"Sua filha é muito bonita," Darius diz finalmente, suas primeiras palavras, sem saber o que mais poderia dizer.

Ela faz uma careta.

"Eu sei que ela é," ela fala. "Eu não preciso de você para me dizer que ela é linda. Qualquer um pode ver isso. Ela é desejada por todos os meninos nesta vila. Você não é o primeiro a querer a mão dela. Por que eu deveria deixá-la passar algum tempo com você?"

O coração de Darius bate enquanto ele tenta decidir o que dizer. Ele quer ser respeitoso, mas ele também não está disposto a recuar.

"Eu tenho que admitir que eu sequer conheço sua filha," ele começa lentamente. "Mas eu testemunhei sua grande força de espírito e sua grande coragem. Eu a admiro muito. Essa é a mesma força de coragem que eu espero que minha mulher e a mãe dos meus filhos tenha. Eu gostaria de conhecê-la melhor. Quero dizer apenas que tenho o maior respeito por você e por ela."

A mãe de Loti olha para ele por um longo tempo, como se estivesse debatendo, e sua expressão não muda.

"Você fala bem para sua idade," ela finalmente diz. "Mas eu sei quem seu pai era. Ele foi um rebelde. Um pária. Um guerreiro. Ele foi grande homem, mas era um homem imprudente. Não há espaço para heroísmo entre o nosso povo. Somo um povo de escravos. Esse é o nosso destino. Isso nunca vai mudar. Nunca. Você me entende?"

Ela olha para ele por um bom tempo no silêncio intenso, e Darius engole em seco, sem saber o que dizer.

"Eu não quero que minha filha se case com um herói," ela completa. "Eu já perdi um filho e aprendi que o Império não pode ser destruído. Eu não vou perder a minha filha, também."

Ela olha para Darius, fria e dura – inflexível, à espera de uma resposta.

Darius gostaria de poder dizer a ela o que ela queria ouvir, que ele nunca iria lutar contra o Império, que ele seria dócil e complacente com a sua sorte como um escravo deveria ser.

Mas, no fundo, não é assim que ele se sente. Ele não está disposto a deitar-se, e ele não quer mentir para ela.

"Eu admiro o meu pai," Darius responde, "mesmo que eu mal o tenha conhecido. Eu não tenho nenhum plano de atacar o Império, mas também não posso prometer que vou me deitar na derrota durante toda a minha vida. Eu sou quem eu sou, e não posso fingir ser outra pessoa."

A mãe o estuda, apertando os olhos no silêncio interminável, e Darius sente o suor se acumulando em sua testa na pequena casa da vila, se perguntando se ele teria arruinado suas chances.

Por fim, ela assente.

"Pelo menos você é honesto," ela declara. "Isso é mais do que eu posso dizer dos outros rapazes. E honestidade conta muito."

"Ótimo!" Loti diz, ficando em pé de repente. "Está decidido, então!"

Ela agarra o braço de Darius, puxando-o para cima e, antes que ele possa reagir, o leva para fora da casa, passando por sua mãe ao abrir a porta.

"Loti, eu não disse que terminamos aqui!" sua mãe gritou, ficando em pé também.

"Ah, deixe disso, mãe," exclama Loti. "O garoto mal me conhece – dê-nos uma oportunidade. Você pode abusar dele quando voltarmos."

Loti ri ao abrir a porta; mas antes de atravessarem a porta, Darius sente uma mão fria apertando seu braço e puxando-o para trás.

Ele se vira e vê a mãe dela olhando para ele com seriedade.

"Se alguma coisa acontecer com minha filha por sua causa, eu garanto que eu vou matar você com minhas próprias mãos."

*

Darius se senta diante de Loti no pequeno barco e rema nos arredores de sua aldeia, rodeado por pântanos e seguindo a rota do rio lento que circula sua aldeia. Aquele rio corre em um círculo contínuo, e é um favorito entre as crianças pequenas, que colocavam pequenos barcos de brinquedo nele, soltando-os para esperarem que eles voltassem com a corrente – o trajeto todo levara um dia inteiro.

Ele também era um dos lugares favoritos entre os amantes. Com suas brisas idílicas e sua corrente lenta, o rio era o melhor lugar para visitar ao por do sol, quando o calor do dia se dissipava e o vento começava a assoprar.

Darius tinha ficado encantado com o olhar no rosto de Loti quando ela tinha visto onde ele a tinha levado. Finalmente, ele tinha tido a sensação de ter feito algo certo.

Agora, ela deita no barco e olha para o céu como se estivesse no céu, e Darius rema suavemente rio abaixo. A corrente ajuda de forma que ele não precisa remar muito, e ele apoia os cotovelos sobre os remos e permite que o barco seja levado por seu próprio peso. Enquano eles flutuam em silêncio, Darius pensa em quanta sorte ele tinha por estar ali, e na beleza de Loti – em sua pele escura iluminada pelo por do sol.

Darius se inclina e coloca a palma da mão sobre a mão dela, e ela olha para cima sorrindo. Ela ainda brinca com as flores que ele lhe tinha dado, e quando seus olhos se encontram, Darius esquece o que ele pretendia lhe dizer. Ela olha para ele com os olhos cheios de intensidade e paixão – como se estivesse olhando dentro de sua alma.

"Sim?" ela pergunta.

Darius gostaria de falar, mas as palavras ficam presas em sua garganta. Então, eles continuam flutuando em silêncio e ele enrubesce, passando pela vegetação iluminada pela luz do sol poente âmbar e escarlate, farfalhando na brisa.

"Você é diferente dos outros," ela finalmente diz. "Eu não sei exatamente o que é, mas há algo sobre você. Eu posso sentir que você é um guerreiro, mas eu também posso sentir outra coisa… eu não sei – uma sensibilidade, talvez. Como se você pudesse ver as coisas. Como se você entendesse as coisas. Eu gosto de estar com você. Você me deixa à vontade."

Darius enrubesce e olha para baixo. Será que ela sabia sobre seus poderes? Ele se pergunta. Será que ela o odiaria por causa disso? Será que ela contaria aos outros?

"Os meninos da sua idade," ela continua, "já estão com meninas, ou já então já estão casados. Você não; eu nunca vi você com as outras garotas."

"Eu não sabia que você já tinha me visto," ele comenta surpreso.

"Eu tenho olhos," ela responde. "Você é uma pessoa difícil de não se ver."

Darius enrubesce ainda mais. Ele olha para o barco e brinca com seus pés. Ele não sabe como responder, então permanece em silêncio. Ele sempre tinha sido tímido ao redor de meninas; ele não tinha o talento natural para o discurso que outros meninos pareciam ter. No entanto, ele também sentia as coisas com muita intensidade. Ele via os outros garotos sendo rápidos para encontrar as meninas e rápidos para jogá-las fora quando já tinham se cansado delas. Mas Darius nunca seria capaz de fazer isso. Qualquer garota com quem ele decidisse ficar seria levada a sério, e isso o tinha impedido de se declarar até então. Ele sentia que havia muita coisa em jogo.

"E você?" Darius finalmente junta coragem para perguntar. "Você também não está casada com ninguém."

Ela olha para ele com orgulho.

"Não há nenhuma vergonha nisso," ela responde, na defensiva. "Eu tomo minhas próprias decisões. Eu não sigo minhas paixões facilmente. Eu já afastei todos os que se aproximaram de mim."

Darius fica nervoso com suas palavras. Será que ela o mandaria embora, também?

"Por quê?" ele pergunta.

"Eu estou esperando por alguém extraordinário," ela explica. "Mais do que apenas um homem; mais do que apenas um guerreiro. Alguém que seja especial, que seja diferente – que tenha um grande destino diante dele."

Darius se sente confuso, e de repente se pergunta se toda aquela viagem teria sido um desperdício.

"Então por que você está aqui sentada comigo?" ele pergunta.

Loti ri e o som de sua risada – agudo e doce, o pega desprevenido. Quando ela finalmente para, seus olhos repousam sobre ele.

"Talvez eu o tenha encontrado," ela diz.

Seus olhos se encontram por um momento, e então ambos desviam o olhar, envergonhados.

Darius começa a remar novamente – sem entender Loti, mas ao mesmo tempo sentindo uma conexão mais forte com ela. Ele não entende muito bem o que ela quer, ou o que ela tinha visto nele. Ele tem medo de perdê-la, e quer impressioná-la de alguma forma, para convencê-la a gostar dele, mas ele não sabe o que dizer.

Eles continuam flutuando em silêncio pelo rio, o ar espesso com o farfalhar do pântano, com o som da brisa e com os insetos noturnos que começam a cantar. Os músculos de Darius lentamente se relaxam, cansados após um longo dia de trabalho. É incomum para ele relaxar, não ficar pensando em seu trabalho no dia seguinte, em sua existência miserável, em ficar planejando uma forma de sair dali. Pela primeira vez em muito tempo, ele se sente feliz por estar no exato local onde se encontra.

"Você não se sente incomodada," ele pergunta para ela, "em saber que amanhã, quando acordarmos, estaremos respondendo para outra pessoa?"

Loti não nos olhos dele, e sim para um lugar distante, dando de ombros.

"É claro que isso me incomoda," ela finalmente responde. "Mas existem algumas coisas com as quais temos que aprender a conviver. Eu já aprendi isso."

"Eu não," afirma ele.

Ela olha para ele.

"O seu problema," ela fala, "é que você é intolerante. Você só vê uma maneira de resistir."

Ele olha para ela, intrigado.

"Que outra forma existe de resistir do que jogar fora as correntes de nossos opressores?" ele pergunta.

Ela sorri.

"A forma mais elevada de resistência é aproveitar a vida, mesmo em face da opressão. Se você puder encontrar uma maneira de viver uma vida de alegria em face do perigo, se você não deixá-los esmagar seu espírito, então você os terá derrotado. Eles podem afetar nossos corpos, mas não o nosso espírito. Se eles não puderem tirar a sua alegria, então você nunca será oprimido. A opressão é um estado de espírito."

Darius pondera suas palavras, sem jamais ter considerado as coisas daquela forma antes. Ele nunca havia encontrado alguém que pensasse como ela, que visse o mundo do jeito que ela via. Ele não sabe se concorda com ela, mas ele pode entender sua maneira de pensar.

"Eu acho que nós somos pessoas muito diferentes," ele finalmente comenta.

"Talvez seja por isso que nós gostamos um do outro," ela responde.

Seu coração bate mais rápido ao ouvir suas palavras, e ele sorri de volta. Pela primeira vez, ele se sente relaxado – e mais confiante.

O barco faz uma curva e Loti arregala os olhos – e Darius se vira para olhar. A corrente os tinha levado para baixo da Árvore de Fogo, e quando os olhos de Darius repousam sobre ela, ele fica apavorado como sempre. A árvore, com dezenas de metros de altura e largura, é tão antiga quanto a terra. Seus galhos se inclinam sobre o rio até tocarem as águas, e suas folhas vermelhas brilhantes – e as flores vermelhas que florescem no final dos ramos, brilham incandescentes sob o por do sol. Parece mágica – Darius consegue sentir sua forte fragrância mesmo dali, um cheiro de canela misturado com madressilva.

Darius para o barco embaixo dos galhos, com as flores quase tocando suas cabeças e emitindo um brilho suave e iluminando o crepúsculo à medida que a noite cai. Loti se inclina para frente, chegando tão perto que seus joelhos tocam as pernas de Darius, e estende o braço e colocou sua mão sobre a dele. Ele pode sentir que ela treme, e quando ele olhou em seus olhos, seu coração bate mais forte.

"Você não é como os outros," disse ela. "Eu posso ver isso em seus olhos. Eu quero estar com você."

Darius olha para ela e pode ver a sinceridade em seus olhos.

"E eu com você," ele responde.

"Eu não entrego meu coração com facilidade," ela fala. "Eu não quero que ele se parta."

"Eu prometo que isso não vai acontecer," ele afirma.

Darius então se aproxima dela, e quando seus lábios encontram, quando ele estende a mão e toca o rosto dela enquanto os dois flutuam sob a Árvore de Fogo, ele sente – pela primeira vez, que ele tem um verdadeiro motivo para viver.

CAPÍTULO VINTE E SEIS

Gwen fica parada na borda do navio olhando para as águas, e leva as mãos aos olhos para protegê-los quando uma luz súbita preenche o céu. A névoa que paira sobre o mar é iluminada por uma luz dourada e, quando ela olha para a luz, de repente ela vê algo vindo em direção a ela. Ela aperta os olhos e se pergunta se estaria vendo coisas: ali, à sua frente, balançando nas águas, flutuava uma pequena embarcação, em pequeno barco dourado refletindo sob a luz do sol. Gwen olhou de perto quando ele se aproxima, e seu coração dispara ao ver quem está lá dentro. Ela não consegue acreditar no que vê.

Dentro do barco, está Thor – em pé e sorrindo triunfante, e em seus braços, ele segura seu bebê.

O coração de Gwen se anima, e ela explode em lágrimas diante da visão. Lá estavam eles, apenas a alguns metros de distância, voltando para ela, ambos vivos, em segurança e bem.

Gwen se vira por um momento para chamar os outros em seu navio, para compartilhar a boa notícia – e ao mesmo tempo em que faz isso, ela fica confusa ao encontrar seu navio vazio. Ela não consegue entender onde todos tinham ido.

Gwen entra no pequeno bote salva-vidas no convés e rapidamente abaixa as cordas até chegar à água. Quando ela chegar até o mar, seu barco balança freneticamente nas ondas, e a corda grossa ligada ao navio arrebenta.

Gwen olha para cima e fica horrorizada ao ver seu navio se afastando na forte correnteza do oceano.

Gwen volta a olhar para Thor e Guwayne e fica ainda mais aterrorizada ao perceber que seu pequeno barco está sendo subitamente levado para longe pelas marés – cada vez mais rápido, deixando-a mais longe deles.

"NÃO!" ela grita.

Gwen estende a mão para Thorgrin, que ainda está ali, sorrindo, segurando Guwayne. Mas a maré do oceano a leva mais rápido e cada vez mais longe dele, longe de seu navio, longe de tudo o que ela conhece, perdida nas profundezas do oceano sem limites.

Gwen acorda sobressaltada. Ela olhou ao seu redor, respirando com dificuldade, suando frio e se perguntando o que tinha acontecido. Ela vê que ela ainda está em seu navio; percebe que ela está deitada no convés; que está cheio de pessoas. Aquilo tudo tinha sido apenas um pesadelo – apenas um pesadelo cruel e horrível.

O alívio de Gwen rapidamente se transforma em decepção quando ela vê o estado de seu povo. Uma espessa neblina paira em cima de tudo, carregada pelo vento, e Gwen pode ver apenas fragmentos de seu povo. Mas ela os vê debruçados sobre seus remos, deitados amontoados no convés, apoiados contra as grades sem energias para qualquer movimento. Ela percebe imediatamente que eles tinham sido devastados pela fome. Todos eles estavam imóveis, parecendo mais mortos do que vivos.

Gwen não sabe há quantos dias eles estavam navegando sem rumo; ela não consegue mais se lembrar. Mas ela sabe que já fazia tempo demais – muito tempo. Eles nunca tinham avistado terra, e ali estavam eles, à beira da morte.

Gwendolyn sente as dores da fome atravessarem o seu corpo, e é preciso juntar todas as forças que ainda lhe restam apenas para sentar-se. Ela fica sentada segurando o bebê – que chora quando Gwen lhe dá uma mamadeira vazia de leite. Gwen sente vontade de chorar, mas ela está cansada demais para isso. Depois que tudo que eles haviam sofrido, depois de terem chegado tão longe, a ideia de que todo seu povo morreria de fome ali, no meio do nada, a leva à loucura. Aquilo é demais para ela – se ela estivesse sozinha, ela poderia aceitar, mas ela odeia ter que assistir seu povo sofrer daquela forma.

Gwen pode sentir o cheiro rançoso de morte no ar, e sabe que aquele navio tinha se tornado um túmulo flutuante e que, em breve, todos estariam mortos. Ela não consegue evitar a sensação de que tudo aquilo tinha sido sua culpa.

"Não se culpe, minha senhora," dia uma voz.

Gwen se vira para ver seu irmão, Kendrick, sentado não muito longe dela, sorrindo fracamente na direção dela. Ele deve ter lido seus pensamentos, como sempre fazia quando eram crianças, enquanto continua sentado ali, tão nobre, com tal força de espírito, mesmo numa momento de tamanha dificuldade.

"Você tem sido uma rainha extraordinária," continua ele. "Nosso pai ficaria orgulhoso. Você nos levou mais longe do que qualquer outra pessoa poderia ter ousado sonhar. É um milagre que tenhamos sobrevivido tanto tempo."

Gwen aprecia suas amáveis palavras, mas ainda assim, ela não consegue deixar de se sentir responsável.

"Se todos nós morrermos agora, o que foi que eu fiz?" ela pergunta.

"Nós todos vamos morrer um dia," ele responde. "Você conquistou nossa honra. Isso é muito mais do que poderíamos ter feito sozinhos."

Kendrick estendeu uma mão e Gwen a toma entre as suas, grata pela sua presença.

"Eu acho que você teria sido um rei melhor do que eu," ela declara. "Papai deveria ter escolhido você."

Kendrick balança a cabeça.

"Papai sabia o que estava fazendo," ele responde. "Ele escolheu perfeitamente. Foi a melhor escolha de sua vida. Ele escolheu você não para os bons momentos – mas por um momento como este. Ele sabia que você nos tiraria dessa situação."

Antes que ela pudesse refletir sobre suas palavras, Gwen ouve passos, e ao se virar, ela vê Steffen olhando para ela com círculos escuros sob seus olhos – parecendo fraco, com Arliss ao seu lado segurando sua mão.

Steffen pigarreia.

"Minha senhora, eu nunca lhe pedi qualquer coisa," ele começa a dizer com a voz fraca, "mas gostaria de lhe pedir algo agora."

Ela olha para ele, surpresa, imaginando o que poderia ser.

"Seja o que for, se eu puder lhe conceder – você o terá," ela responde.

"Você serviria de testemunha para nós?" ele pede. "Gostaríamos de nos casar."

Gwen olha para os dois com os olhos arregalados de surpresa.

"Casar?" ela repete atordoada. "Aqui e agora?"

Steffen e Arliss acenam com a cabeça, e Gwen pode ver a seriedade em seus olhos.

"Se não for agora, quando?" pergunta Arliss. "Nenhum de nós tem esperanças de voltar a terra, e antes de morrermos, queremos estar juntos, para sempre."

Gwen olha para os dois, oprimida por sua devoção um ao outro. O amor deles a faz pensar em Thorgrin – em seu desejo não realizado de se casar com ele.

Seus olhos se enchem de lágrimas.

"Mas é claro que eu aceito," ela responde.

Kendrick, Godfrey e os outros por perto que tinham ouvido, reúnem forças para se juntarem a Gwen e acompanharem Steffen e Arliss até a proa do navio.

Steffen e Arliss ficam ao lado da borda do navio de mãos dadas, e se encaram sorrindo apaixonadamente. Gwen fica diante deles, olhando na direção do nevoeiro que invade o navio silenciosamente, ao mesmo tempo em que admira a coragem daquele casal – aquela afirmação de vida no meio de toda aquela morte.

"Você tem votos que desejam trocar?" pergunta Gwen.

Steffen assente. Ele limpa a garganta e olha dentro dos olhos de Arliss.

"Eu, Steffen, me comprometo a te amar para sempre," ele fala, "e a ser um marido fiel, permanecendo ao seu lado, seja nesta vida ou na próxima, seja o que for que o destino possa ter reservado para nós."

Arliss sorri para ele.

"E eu, Arliss, me comprometo a te amar sempre, a ser uma esposa dedicada, permanecendo ao seu lado, seja nesta vida ou na próxima, seja o que for que o destino possa ter reservado para nós."

Eles se inclinam e se beijam, e assim que eles fazem isso, Gwen nota lágrimas escorrendo pelo rosto de Arliss. É um momento sagrado – também sombrio; um momento em que todos encaram a morte de frente, e tentam vencê-lo com seu amor.

É um casamento estranho, o casamento mais triste que Gwendolyn já tinha assistido – e ao mesmo tempo também o mais bonito. Mais do que nunca, Gwen sente a morte se aproximando deles – e sente que tinha tido sorte por ter sobrevivido tempo suficiente para testemunhar, pelo menos, um casamento de duas pessoas que ela amava profundamente.

CAPÍTULO VINTE E SETE

Alistair se senta nos aposentos de Erec na casa real dos enfermos, ao lado de Dauphine e da mãe sua mãe – além de uma dúzia de guardas reais, diante das portas com quarenta centímetros de espessura, protegidas por duas barras de ferro. Ela está ao lado de Erec – que ainda está adormecido, e segura a mão dele com os olhos fechados. Alistair tenta ignorar o barulho da multidão – amortecido pelas paredes grossas do prédio, sendo açoitada do lado de fora do prédio. É óbvio pelo barulho que aquelas pessoas tinham sido encaminhadas até ali, que Bowyer tinha tido êxito em seu golpe, e que aquelas pessoas haviam ficado cercadas, sem terem para onde ir. Bowyer, ela sabe, não as deixaria ir até que Erec morresse e ele fosse proclamado o Rei das Ilhas do Sul.

Alistair, por sorte, tinha chegado aos aposentos de Erec antes dos soldados e conseguido barrar as portas, insistindo em ficar ao lado dele. Ela olha para Erec agora, e sente novas lágrimas escorrerem pelo seu rosto enquanto ela beija a mão dele. Ela dorme suavemente, como ela sabia que ele faria – e como o feitiço que ela tinha lançado, ele não acordaria por algum tempo. Quando ele acordasse, ele ainda ficaria fraco por um bom tempo, sem qualquer condição de lutar contra aqueles homens. Ela está completamente sozinha agora.

Considerando seu próprio estado atual, tendo usado toda sua energia para curá-lo, Alistair, por mais que tente, não consegue invocar seus poderes mágicos para ajudar a si mesma naquele momento. Ela gostaria mais do que qualquer coisa de poder ter seu irmão Thor ao seu lado, ou qualquer um dos guerreiros do Anel, ou da Prata, que ela sabe seriam capazes de dar suas próprias vidas para salvar a vida de Erec. Ela acha uma grande ironia que, agora que Erec estava ali, em casa com sua família, ele estava correndo mais perigo do que nunca.

Alistair fecha os olhos e se concentra.

Mãe, por favor me ajude.

Ela continua de olhos fechados, recordando todos os sonhos que já havia tido com sua mãe, de tê-la visto alto no penhasco, em seu castelo, da sensação de tê-la ao seu lado. Alistair reza sem parar.

Mas nada acontece a não ser o silêncio.

Do lado de fora, ouve-se de repente uma insistente batida na porta. O som se parece com as batidas de seu coração.

Alistair se levanta, atravessa o quarto e para diante da porta. Ela olha para a mãe de Erec e para Dauphine, que a observa alarmada.

"Está tudo acabado," comenta Dauphine. ""Agora além do meu irmão, nós também vamos morrer. Deveríamos ter fugido quando tivemos a chance."

"Então Erec estaria morto," responde Alistair.

Dauphine balança a cabeça.

"Erec vai morrer de qualquer jeito. Três mulheres não podem impedir um exército. Mas se tivéssemos fugido, poderíamos ter sobrevivido para reunir nossos próprios homens para um dia conseguir nossa vingança."

Alistair balança a cabeça.

"Se Erec morrer, a vingança não significará nada. Se ele morrer, eu morrerei com ele."

"Você pode conseguir exatamente o que deseja," responde a mãe dele.

A batida na porta continua, repetidas vezes, até que ela finalmente para e uma voz distinta se ergue acima de todas as outras.

"Alistair, sabemos que você está aí dentro," dispara a voz.

Alistair reconhece a voz imediatamente como sendo a de Bowyer. Ele parece estar tão perto, e ao mesmo tempo tão longe – a madeira da porta é muito espessa, ele nunca conseguiria derrubá-la.

"Traga-o até nós," continua Bowyer, "e deixaremos que você viva. Continue com ele aí dentro, e você morrerá com ele. Não podemos derrubar essas portas, mas podemos prendê-los aí. Vocês ficarão aí dentro por dias, e morrerão de fome, mortes lentas e dolorosas. Não há outra saída. Entregue Erec agora e lhes daremos o perdão e a mandaremos de navio de volta para a sua terra natal. Eu não farei esta oferta generosa novamente."

Alistair encara a porta, morrendo de raiva, ardendo de ódio com a indignidade de tudo aquilo. Eles a tinham encontrado em um momento vulnerável e, agora – como eles bem sabiam, ela estava impotente.

Mas ela não desistiria de Erec. Não agora. Nunca.

"Se é um assassinato que você quer," ela grita de volta, "se é uma vida que você deseja tirar, que seja a minha!"

Há um murmúrio do outro lado da porta.

"Alistair, mas o que é que você está dizendo?" a mãe de Erec pergunta. Mas Alistair a ignora.

"De acordo com suas próprias leis," ela continua, "sem uma Rainha, um Rei não pode se tornar Rei – então se você tirar a minha vida, você tornará Erec impotente. Mate-me, e torne-se Rei. Minha vida pela dele. Essa é a única oferta que lhe proponho."

Um longo silêncio se segue, e então uma pequena discussão do outro lado da porta até que, finalmente, a voz de Bowyer finalmente é ouvida: "De acordo!" ele grita. "A sua vida pela de Erec!"

Alistair assente, satisfeita.

"De acordo!" ela responde.

Alistair respira fundo, se prepara e dá um passo à frente, esticando a mão para pegar a maçaneta de ferro – e então ela sente uma mão em seu pulso.

Ela se vira e vê a mãe de Erec parada ao seu lado, com os olhos cheios de lágrimas.

"Você não precisa fazer isso," ela diz suavemente.

Os olhos de Alistair também se enchem de lágrimas.

"A minha vida não importa tanto para mim quanto a de Erec," ela responde. "Eu não consigo pensar em melhor maneira de morrer do que para salvá-lo."

A mãe de Erec chora enquanto Alistair dá um passo adiante e os guardas lentamente a afastam. Alistair puxa a trava de metal pesada e o som reverbera pelo quarto, e então ela abre lentamente a porta.

Alistair se vê de frente para Bowyer, que a encara de volta a apenas alguns passos dela. Atrás dele há centenas de soldados segurando armas, um mar de rostos hostis. Todos se silenciam, chocados com a presença de Alistair.

Alistair atravessa a porta aberta sem medo, e caminha através deles – que abrem caminho para ela dando um passo pra trás, e então ela se aproxima de Bowyer. Ela para diante ele e olha dentro dos seus olhos com um olhar desafiador.

As portas se batem com um estrondo atrás dela, e Alistair ouve as barras sendo recolocadas no lugar. Ela agora está sozinhas ali fora, e se conforta com o fato de saber que Erec está seguro lá dentro.

"Você é mais corajosa do que eu pensava," Bowyer diz finalmente, depois de um longo e tenso silêncio. "Sua coragem vai terminar com a sua morte."

Alistair continuar encarando, calma e sem expressão, incapaz de esboçar qualquer reação.

"A morte é passageira," ela responde. "A coragem é eterna."

Seus olhares se encontram, e Alistair pode ver pela expressão de Bowyer, por trás de todo o ódio aparente em seu olhar, uma pontada de admiração.

Alistair estende as mãos diante dela, e vários soldados se aproximam e as prendem com cordas. Um grito irrompe no meio da multidão, e ela é empurrada diante do grupo, através das ruas iluminadas por tochas a caminho de sua execução.

CAPÍTULO VINTE E OITO

Romulus fica em pé na proa do navio com as mãos nos quadris, observando as margens do Império que se aproximam e sentindo uma mistura de sentimentos. Por um lado, ele tinha sido – de certa forma– vitorioso, depois de ter feito o que Andronicus e nenhum outro comandante do Império jamais tinha sido capaz de fazer ao conquistar e ocupar o Anel. Aquele tinha sido uma façanha que nenhum de seus antecessores havia conseguido realizar e, por isso, ele sente que deveria ser celebrado, um herói de volta ao lar. Afinal, agora não havia um único lugar na terra que ainda não pertencesse ao Império.

Por outro lado, suas guerras tinham lhe custado demasiado caro – caro demais. Ele havia embarcado do Império com cem mil navios, e agora estava voltando com uma frota de apenas três. Ele sente raiva e humilhação apenas ao se lembrar de tudo isso. Ele sabe que tudo tinha sido culpa de Thorgrin, e de qualquer poder misterioso que ele tenha usado – e também é claro daquela menina rebelde, Gwendolyn. Romulus promete a si mesmo um dia capturá-los e esfolá-los vivos. Ele os faria pagar por fazê-lo voltar para sua terra natal completamente humilhado.

Romulus sabe que, não importa como ele descreva os fatos, voltar com apenas três navios é uma demonstração de fraqueza. A situação o deixa vulnerável para uma rebelião, e ele sabe que sua primeira ordem de negócio seria restaurar sua frota imediatamente. Essa era a razão pela qual ele havia navegado até Volúsia, aquela cidade do norte, antes de fazer seu grande retorno para a capital do sul. Ele pretendia repor sua frota, e depois voltar com toda a pompa que pudesse reunir – pois precisaria disso para consolidar o Império. Ele olha a sua volta e vê as centenas de navios brilhando no porto e sabe que pelo preço certo, qualquer um deles estaria à venda.

Volúsia. Romulus analisa a cidade à beira-mar enquanto as marés puxam seus parcos três navios para o porto, e sente uma nova onda de ressentimento. As províncias do norte do Império sempre haviam se julgado superiores sempre haviam seguido relutantemente os comandos da capital do sul. Aquela era uma aliança incerta, prestes a se romper a cada doze anos. Volúsia, na mente de Romulus, deveria ser complacente e rápida em obedecer, como todas as outras províncias do Império; em vez disso, ela era repleta de líderes excessivamente ricos e indulgentes do hemisfério norte, e governada por uma rainha velha horrível, com quem ele havia se encontrado mais de uma vez. Romulus não consegue pensar em nada que ele desprezaria mais do que ter que olhar aquela cara feia enquanto ele discutiria com ela sobre a compra de uma frota de navios. Ele conhece sua ganância, e ele está preparado, e seus porões estão cheios de ouro. Ele odeia estar nesta posição de fraqueza.

Pior ainda, Romulus olha para o céu e não vê qualquer vestígio da lua, e se preocupa pela milionésima vez sobre o feitiço do bruxo. Seu ciclo havia terminado, o seu período de invencibilidade tinha chegado ao fim e isso, acima de tudo, apavora Romulus, fazendo com que ele se sinta fraco e vulnerável. Ele abre e fecha os punhos, flexiona seus músculos e, quando ele faz isso, ele não sente mais fraco – ele ainda sente a força ondulando através de seus músculos. Ele não tem mais dragões para fazer a sua vontade, mas isso não importa agora. Os dragões estão mortos, e embora ele não os tenha – ninguém mais os possui. Ele tinha sido um grande guerreiro durante toda a sua vida, ele lembra a si mesmo, mesmo sem o feitiço, e ele não vê motivos para se sentir vulnerável por voltar a ser como sempre tinha sido.

Romulus tenta não pensar nas palavras do feiticeiro, em ter concordado em sua parte na barganha, em doar sua alma para as forças do mal em troca de receber – por um ciclo lunar – a força que lhe tinha sido concedida. Talvez, se ele voltasse até a caverna do feiticeiro, ele lhe concederia outro ciclo de poder. E se ele não fizesse isso, talvez se Romulus matasse o homem, isso acabaria com o feitiço. Romulus se anima com o pensamento – sim, talvez matar o homem seja o melhor caminho, afinal.

Romulus, sentindo-se otimista novamente, esquece seus medos e olha para a cidade que se aproxima, sorrindo pela primeira vez. A rainha pode ter a vantagem agora, pode tomar todo o seu ouro, mas ele sairia dali com seus navios. E uma vez que ele estivesse com seus navios, ele voltaria para esse lugar – para essa cidade à beira ma – quando eles menos estivessem esperando, e colocaria fogo em tudo. Primeiro, ele mataria a cada um deles. Ele pegaria de volta todo o seu ouro e o usaria para criar uma imensa estátua dourada de si mesmo e a colocaria na costa, apontando para o mar.

Romulus abre um grande sorriso, feliz com o pensamento. Aquela está se tornando uma bela manhã afinal de contas.

Trombetas soam ao longo do porto, e Romulus vê as tropas de Volúsia se alinhando em ambos os lados do ancoradouro, vestindo suas melhores armaduras e pondo-se a postos à espera para cumprimentá-lo. Este é o tipo de boas vindas que ele merece. Ele sabe que é temido e respeitado na capital do sul, mas ao mesmo tempo, Romulus não consegue se lembrar de Volúsia tê-lo recebido tão calorosamente no passado. Talvez aquelas pessoas tivessem mudado de tom, e decidido entrar na linha; talvez elas o temessem mais do que ele imaginava. Talvez, ele pensa, ele não incendiaria a cidade afinal. Ele decide apenas estuprar suas mulheres e roubar o seu ouro.

Romulus sorri ao imaginar tudo em grande detalhe – enquanto seu navio é rebocado até o porto e dezenas de tropas esticam uma prancha banhada a ouro até seu navio e seus homens o ancoram.

Romulus marcha através dela orgulhosamente, satisfeito com a recepção que está recebendo, percebendo que seria mais fácil do que ele pensava conseguir os navios de que precisava. Talvez eles já tivessem ouvido falar de sua conquista do Anel, e tivessem percebido que ele era o líder supremo afinal.

Romulus pisa nas docas e dezenas de soldados abrem caminho para ele, abaixando suas cabeças em sinal de respeito. Romulus olha para cima e vê, no centro da multidão – erguida em uma carruagem de ouro brilhante, a líder de Volúsia. Sua carruagem é abaixada e Romulus espera ver a velha enrugada que ele tinha visto da última vez há muitos anos.

Ele fica chocado ao ver uma jovem surpreendentemente linda – parecendo ter dezoito anos de idade, olhando para ele. Ela se parece surpreendentemente com a antiga rainha.

Romulus é totalmente pego de surpresa, algo que raramente acontecia com ele, ao encarar aquela garota que sai de sua carruagem e caminha até ele com orgulho, flanqueada por dezenas de seus soldados. Ela fica em pé a poucos passos de distância, e olha para ele sem dizer nada. Enquanto estuda suas feições cuidadosamente, Romulus percebe que ela só poderia ser a filha da antiga rainha.

De repente, ele se enche de raiva, percebendo que ele estava sendo menosprezado pela rainha, que havia enviado sua filha para cumprimentá-lo.

"Onde está sua mãe?" Romulus pergunta indignado.

A menina permanece em silêncio, olhando para ele calmamente.

"Minha mãe, de quem você pergunta, está morta há muito tempo," ela responde. "Eu a matei."

Romulus fica chocado com suas palavras, e mais ainda por sua voz profunda, sombria e forte. Ele a estuda, surpreso por sua língua afiada, por sua natureza confiante, por sua voz profunda e escura, por seus olhos negros sinistros e por sua beleza. Ela usa todas essas características como armas – e ele nunca havia encontrado tamanha força antes, em homens ou mulheres, comandantes, cidadãos ou feiticeiros. Ela é como um antigo guerreiro preso no corpo de uma jovem.

Enquanto Romulus a observa, ele lentamente abre um sorriso, reconhecendo uma alma gêmea. Ela havia matado a própria mãe – e sem dúvida havia impiedosamente tomado o poder para si mesma, o faz com ele a admire ainda mais. Ele fez uma nota mental para encontrar algum pretexto para passar a noite na capital. Ele jantaria ela e, quando ela menos esperasse, ele a atacaria, e passaria a noite com ela.

"E qual é o seu nome, minha querida princesa?" ele pergunta, dando um passo adiante, flexionando os músculos do peito, ficando desconfortavelmente perto dela para que ela pudesse entender o poder e a força do grande Romulus.

Ela sorri para ele e o surpreende ainda mais – em vez de recuar, como a maioria das pessoas faria, ela se aproxima ainda mais dele.

"Um nome que você jamais se esquecerá," ela responde, sussurrando em seu ouvido.

Romulus sente um arrepio na pele quando ela se aproxima, e ele se espanta com sua beleza e seu corpo inteiro se enrubesce diante da visão dela. Ele percebe que ela já está se atirando para cima dele – o que tornaria aquela noite ainda mais fácil.

"E por que você diz isso?" ele pergunta.

Ela se inclina ainda mais perto, e seus lábios suaves e sensuais tocam no seu ouvido.

"Porque é a última palavra que você vai ouvir em sua vida."

Romulus olha para ela, piscando, confuso – tentando processar o que ela estava dizendo, e um segundo mais tarde ele nota algo na mão dela, brilhando sob o sol. Volúsia segura um punhal de ouro – o punhal mais fino e mais afiado que ele já tinha visto, e com a velocidade de um raio, ela o retira de seu cinto, virando-se completamente, e corta a garganta dele tão rápido e tão completamente, que ele sequer tem tempo de reagir.

Romulus, em estado de choque, olha para baixo e vê respingos de seu próprio sangue em seu peito, escorrendo no chão de pedra e se acumulando em uma poça em seus pés. Ele olha para cima e vê Volúsia ali em pé, de frente para ele com um semblante calmo, sem emoção, como se nada tivesse acontecido. Seus olhos escuros queimam a sua alma ao mesmo tempo em que ele ergue as mãos até a garganta para tentar estancar o sangue.

Mas é tarde demais – o sangue fluiu através de suas mãos, escorrendo pelo seu corpo, e ele se sente cada vez mais fraco, caindo de joelhos diante dela – completamente impotente. Ele vê seus olhos negros olhando para ele, e sabe que sua vida está acabando, e não consegue acreditar que, de todos os lugares, ele tinha morrido ali, naquele lugar – e que ele tinha sido morto nas mãos de uma menina, uma jovem descarada, cujo nome, ela estava certa, ele jamais esqueceria. Quando sua cabeça bate no chão de pedra, é o nome dela que ele ouve sendo repetido em seus ouvidos como uma sentença de morte – e é ele também seu último pensamento, acompanhando-o até as portas do inferno.

Volúsia.

Volúsia.

Volúsia.

CAPÍTULO VINTE E NOVE

Darius caminha com um sorriso no rosto, enquanto corre pelas ruas sinuosas de sua aldeia se preparando para mais um dia de trabalho.

"Por que você está tão feliz?" perguntou Raj, andando ao lado dele com uma dúzia de outros meninos enquanto se preparam para mais um dia de trabalho exaustivo.

"Sim, o que deu em você?" pergunta Desmond.

Darius tenta esconder seu sorriso enquanto olha para baixo e não diz nada. Aqueles meninos não entenderiam. Ele não quer lhes contar sobre seu encontro com o Loti – não quer lhes dizer que tinha encontrado o amor de sua vida, a garota com quem ele pretendia se casar, uma menina que mexia com ele como nenhuma outra. Ele não quer compartilhar com eles que agora tinha um motivo para seguir em frente, e que um golpe do Império não o incomodava tanto. Porque Darius sabe que quando chegasse seu dia de folga, ela estaria lá, esperando por ele; eles haviam planejado se encontrar novamente naquela noite, e ele não consegue pensar em outra coisa.

A noite anterior tinha sido mágica; Loti o tinha encantado com seu orgulho e dignidade e, acima de tudo, com seu amor pela vida. Ela tinha um jeito de dar a volta por cima: é como se ela não fosse uma escrava, como se ela não levasse uma vida de dificuldades. Ela inspirava Darius, fazendo-o perceber que ele poderia mudar sua vida, poderia mudar o seu entorno, apenas por vê-lo de forma diferente.

Mas Darius segura sua língua; seus amigos não entenderiam.

"Não é nada," ele diz. "Não é nada mesmo."

Seu grupo está prestes a pegar a estrada na direção das colinas, quando eles ouvem um gemido repentino – um grito de dor, vindo do centro da vila; ele e os outros meninos se viram e olham na direção do barulho. Alguma coisa naquele lamento chama a atenção de Darius, obrigando-o a virar e investigar.

"Onde você está indo?" Raj pergunta. "Nós vamos nos atrasar."

Darius o ignora, seguindo o seu instinto, e vê todos os membros de sua aldeia seguindo em direção ao centro da cidade, e ele se junta a eles.

Darius abre caminho até uma clareira e vê sentada diante do poço, uma mulher que ele fica chocado ao reconhecer.

É a mãe de Loti. Ela está ajoelhada ali, balançando para frente e para trás com os olhos fechados, chorando, alternadamente segurando as palmas das mãos para o céu e colocando-as em suas coxas ao mesmo tempo em que abaixa a cabeça – uma mulher em agonia. Uma mulher em óbvio estado de sofrimento.

As pessoas da vila se aproximam dela, os anciãos da cidade eventualmente a rodeiam e Darius passa por eles – abrindo caminho até a frente com o coração batendo acelerado, imaginando o que poderia tê-la levado até aquele lugar. Ele precisa saber o que poderia ter acontecido.

Salmak, o líder dos anciãos se adianta e levanta os braços, e todo mundo fica em silêncio enquanto ele a interroga.

"Minha boa mulher," ele fala, "compartilhe conosco a sua dor."

"O Império," ela diz, entre soluços. "Eles levaram minha filha de mim!"

Darius sente sua pele gelar com suas palavras e deixa suas ferramentas caírem no chão, sentindo as palmas das mãos formigando ao mesmo tempo em que se pergunta se tinha ouvido corretamente.

Darius corre pra frente, invadindo o círculo, boquiaberto.

"Repita o que acaba de dizer!" ordena Darius, sua voz quase um sussurro.

Ela olha para cima e o encara com os olhos escuros brilhando de ódio.

"Eles a levaram embora," ela diz. "Esta manhã, o capataz – aquele que a feriu, decidiu fazer dela sua esposa. Ele reivindicou seu direito ao casamento. Ela se foi! Ela foi levada de mim para sempre!"

Darius sente que está tremendo por dentro, e sente uma tremenda raiva crescer dentro dele, uma sensação de total desamparo e ódio contra o mundo. Ele sente algo dentro dele tão violento que ele mal consegue controlá-lo.

"Quem dentre vós?" a mulher grita, virando-se para toda a aldeia. "Quem dentre vós irá resgatar a minha filha?"

Todos os bravos guerreiros, todos os homens, todos os anciãos, um por um, abaixam a cabeça, olhando para longe.

"Nenhum de vocês," ela diz suavemente com a voz cheia de veneno.

Darius, tremendo com a sensação de que seu destino havia chegado, dá um passo à frente, para o centro da clareira, e fica em pé diante mãe de Loti, de frente para ela.

Ele fica ali, com os punhos cerrados, e sente seu destino tomando forma dentro dele.

"Eu irei," ele fala, encontrando seus olhos. "Eu irei mesmo que seja sozinho."

Ela olha para ele – seus olhos frios e duros, e finalmente, ela acena de volta com um olhar de respeito. Seu olhar é um olhar de gratidão, que os uniria para sempre.

"Eu vou trazê-la de volta," Darius acrescenta, "ou morrerei tentando."

Com essas palavras, Darius se vira e atravessa a vila, e a multidão abre caminho para ele, sabendo exatamente onde ele precisa ir.

Darius caminha até encontrar a cabana, onde ele tinha ido apenas um dia antes, e bate três vezes como o homem havia instruído.

Logo a porta se abre e o pequeno homem dentro dela olha para ele com olhos arregalados ao compreender sua intenção. Ele o convida a entrar.

Darius entra na casa e olha a sua volta, que é como uma grande oficina – uma pequena lareira está acesa num canto, e diante dela há um banco em cima do qual estão as ferramentas de um ferreiro.

E em toda parte onde ele olha, há armas – armas de ferro e armas de aço, armas diferentes de todas as que ele já tinha visto. A posse de qualquer uma daquelas armas, Darius sabe, significaria a sua morte, e a morte de toda a aldeia.

Darius estende o braço e coloca as mãos no cabo da melhor espada que ele já tinha visto. Seu punho é verde esmeralda, e sua lâmina também tem um tom verde esmeralda quando ele a gira nas mãos. Ele a segura bem alto contra a luz.

"Pegue-a," o homem fala. "Ela foi feita para você."

Darius a examina e vê sua reflexão no aço. Ele não vê o rosto de um menino olhando para ele – não vê um menino brincando com armas, mas o rosto de um homem endurecido. Um homem já se transformado pelo sofrimento; um homem em busca de vingança. Um homem que estava pronto para se tornar um verdadeiro guerreiro. Um homem que não era mais um escravo.

Um homem prestes a se tornar livre.

CAPÍTULO TRINTA

Gwen jaz quase sem vida no convés do navio – seu corpo parecendo tão pesado que ela mal se move quando um rato rasteja sobre seu pulso. Ela abre os olhos, tão pesados, sem ter a energia para removê-lo. Ela se sente ardendo de febre, cada músculo de seu corpo dolorido, pegando fogo. Ela percebe que está deitada com o rosto no chão de madeira do convés, com a orelha na madeira, ouvindo o som oco do mar batendo contra o navio ecoando em sua cabeça.

O sol da manhã brilha sobre eles como um cobertor, e enquanto ela continua deitada ali, ela abre os olhos apenas o suficiente para ver todos os corpos esparramados pelo navio. Ela vê centenas dos seus súditos, todos imóveis, muito fracos para se moverem – ou, ela odeia pensar na possibilidade, já mortos. Ela pensa no bebê, em algum lugar com Illepra, e reza para que ela ainda esteja viva.

Gwen luta para continuar viva e o movimento de balanço suave do oceano ajuda a mantê-la acordada. Um barulho de batida permeia seus sonhos, e Gwen olha para cima e forçando vê o mastro com uma vela solitária balançando ao vento. O navio está à deriva no mar, sem ninguém para navegá-lo, à mercê de uma brisa aleatória – sendo levado onde a maré do oceano quisesse guiá-los.

Gwen nunca tinha sentido tão exausta, nem mesmo quando ela estava grávida de Guwayne. Ela sente como se tivesse vivido muitas vidas, e uma parte dela sente que não tinha mais forças para ir adiante. Uma parte dela sente como se já tivesse vivido muito mais tempo do que deveria, e ela não sabe como ela poderia reunir forças para continuar, para começar tudo de novo, mesmo se eles um dia encontrassem o Império. Especialmente sem Thor, sem seu bebê, e com seu povo naquele estado – se é que eles ainda estavam vivos.

Gwen deixa a cabeça cair no convés, sentindo que seu fardo é pesado demais e prestes a desistir de tudo. Ela tenta manter os olhos abertos, mas ela não consegue.

Thor, ela pensa. Eu amo você. Se você encontrar o nosso filho, cuide bem dele. Faça com que ele se lembre de mim. Deixe que ele sonhe comigo. Diga a ele o quanto eu o amava.

Gwen perde a consciência por algum tempo, até ser despertada por um ruído distante, vindo do alto. É um grito solitário, no alto das nuvens, parecendo tão distante que Gwen nem sabia se tinha realmente ouvido alguma coisa.

Ela ouve o grito novamente – insistente, e ela vagamente o reconhece como o grito de um animal que ela conhecia de algum lugar em sua vida. Ele parece estar tentando acordá-la.

O barulho invade a sua consciência, recusando-se a deixá-la dormir, até que finalmente, Gwen abre os olhos, reconhecendo-o.

Estófeles.

O falcão de Thor grita incessantemente, em seguida, ele desceu, até que Gwen o sente brincando com seu cabelo. Gwen levanta a cabeça, afasta o rato de sua mão e, com toda a força que ainda possui, se ajoelha.

Gwen se levanta com dificuldade e, com as pernas trêmulas, se segura nas grades na lateral do navio e se levanta apenas o suficiente para ver enxergar sobre elas.

Ali, diante dela, está uma visão que ela jamais esqueceria. Esparramando-se diante de seus olhos, enchendo o horizonte, há terra. É uma terra diferente de qualquer outra que ela já tinha visto, uma cidade empoleirada sobre o oceano, e em seu centro, envolta em névoa, duas enormes colunas de pedra erguendo-se centenas de pés até as nuvens, anunciando uma grande cidade, uma cidade de ouro brilhante, brilhando ao sol como a entrada para o céu.

O mar ali é uma espuma vermelha fluorescente que arrebenta contra a costa, espirrando para o ar, e a costa é composta de uma infinita variedade de contornos e terrenos sem fim, fazendo o continente do Anel parecer minúsculo. Os dois sóis são enormes neste céu, e abaixo deles, o brilho vermelho paira sobre tudo, fazendo aquela terra parecer uma terra de fogo.

Gwen dá uma última olhada para o Império – encantada, e então ela cambaleia, tonta de fome, ardendo de febre, e cai para o convés. Ela fica ali, sentindo as marés puxando-os em direção à costa.

Se eles vivessem, em breve, eles estariam lá.

No Império.

Vivos ou mortos, eles haviam chegado.

CAPÍTULO TRINTA E UM

Thor corre, dirigindo-se ao topo da montanha, mantendo os olhos fixos nos membros da tribo na distância – que abrem caminho até o vulcão e carregam seu filho. Thor luta para respirar enquanto ele corre e seguido de perto por seus irmãos – tão perto de seu filho, apenas a algumas centenas de metros de distância, determinado a alcançá-lo ou morrer tentando.

A comitiva de membros da tribo leva seu filho sobre suas cabeças, em um pequeno berço, balançando para cima e para baixo à medida que caminham. Thor vê o vulcão fumegante e sabe que eles estão levando Guwayne até ele para sacrificá-lo.

O coração de Thor se parte ao mesmo tempo em que ele reza para que seus pés o levem até seu filho mais rápido. Ele sente cada músculo – cada fibra do seu ser a ponto de explodir; ele daria qualquer coisa agora para ter Mycoples de volta.

Thor sabe que precisa fazer alguma coisa.

GUWAYNE!" ele grita.

O grupo de membros da tribo se vira e vê Thor, e seus olhos se arregalam de pânico. Thor não espera e joga sua lança com toda sua força, arremessando-a cinquenta metros montanha acima e vendo com satisfação quando ela acerta as costas de dos membros da tribo que carrega seu filho. O homem grita e cai no chão.

Mas o restante tribo começa a correr, e agora leva Guwayne ainda mais alto pela montanha. Thor continua perseguindo o grupo, mas agora ele não tem mais nenhuma lança para arremessar.

“GUWAYNE!” Thor grita mais uma vez, e sua voz ecoa pelas montanhas.

Thor corre sem parar, e ele percebe que os está alcançando, sendo capaz de correr mais rápido que os membros da tribo. Ele está a apenas setenta metros de distância… sessenta… cinquenta. Thor corre mais rápido, encorajado, sentindo-se confiante de que poderia alcançá-los a tempo. Ele mataria cada um deles, resgataria seu filho e o levaria de volta para Gwendolyn.

A menos de trinta metros, Thor está perto o suficiente para ver as expressões de pânico nos rostos daqueles homens. Eles não são páreo para a velocidade de Thor, a velocidade de um homem que tem toda uma vida a perder. Ele corre como um homem possuído, mais determinado do nunca havia sido com nada em sua vida antes.

Thor corre pela estreita trilha da montanha, na beira do precipício, correndo com toda a velocidade que possui. Eles estão a apenas dez metros agora, perto o suficiente para que ele possa pensar em erguer sua espada e saltar no ar para matá-los. Thor estica a mão para pegar no punho de sua espada…

E é então que acontece.

De repente, Thor tem uma sensação estranha sob seus pés, e começa a perder o equilíbrio. Ele olha para baixo e percebe, horrorizado, que a trilha está desmoronando.

Antes que Thor tenha tempo de reagir, a trilha desmorona em uma grande avalanche. Ele se vê caindo, despencando pela montanha, que se transforma em lama, amolecida pela água das chuvas. Ele escorrega descontroladamente centenas de metros pela enxurrada, cada vez mais rápido, gritando junto com seus irmãos, que também caem com ele.

Thor se vira enquanto cai e, ao olhar para cima, vê seu filho – muito longe dele agora, ficando mais longe a cada segundo que se passa.

“GUWAYNE!” Thor grita.

Seu grito ecoa várias e várias vezes pelas montanhas; é um grito de um pai que perde o seu filho, de um homem que perde tudo o que tem de mais valioso em sua vida.

*

Guwayne se sente sendo chacoalhado pelos homens da tribo que o levam para o topo do vulcão. Ele força os olhos por causa da fumaça, sentindo dificuldade para respirar. Seu berço está quente e ele chora sem parar, sem querer ser jogado lá dentro.

Guwayne ouve um grito distante, ecoando pelas montanhas, e reconhece imediatamente a voz. Aquele é o som do seu pai.

Guwayne quer estar com ele, quer estar no mesmo lugar que ele. Mas o grito vai diminuindo, e Guwayne sabe que ele está, mais uma vez, sozinho no mundo, abandonado com aqueles homens estranhos que olham para ele apenas com ódio.

Guwayne logo sente seu berço sendo abaixado, e ao olhar pela borda ele vê um abismo chamejante sem fim bem embaixo dele. O calor é muito intenso e há muita fumaça, e quando os homens o colocam no chão, ele vê um dos homens remover algo brilhante do cinto. É algo afiado que brilha quando o homem o ergue acima de sua cabela, segurando o objeto nas mãos.

Guwayne grita. Ele não sabe o que é aquilo, mas ele sabe que será usado contra ele.

Ele dá um grito como o grito de seu pai, e seu grito também ecoa pelas montanhas, voltando para ele – um grito que ele sabe jamais terá resposta.

*

Em uma praia solitária nos limites da Terra dos Druidas, há um leve tremor no chão. O tremor aumenta cada vez mais, as ondas se afastam e as areias se movem. o cântico dos pássaros e o rugido das feras se silenciam. Algo extraordinário está acontecendo, mesmo para um lugar como a Terra dos Druidas – algo que acontecia apenas uma vez a cada milhares de anos.

Há um único objeto na praia, um objeto que tinha sido deixado para trás quando Thorgrin e Mycoples haviam partido, um objeto que tinha ficado ali sozinho, esperando.

Quando o sol da manhã brilha sobre ele, uma pequena rachadura aparece no ovo de dragão. O pequeno dragão dentro dele se estica e empurra a casca, que racha mais uma vez.

E mais uma vez.

Dentro de instantes, o ar perfeitamente silencioso é rompido por um único som – um longo e profundo rugido. É o choro de uma nova vida surgindo no planeta.

Um dragão aparece, partindo o ovo, exibindo sua cabeça e esticando suas asas à medida que o ovo se parte em pedaços à sua volta.

O dragão se inclina e estica o pescoço, olhando para cima. O mundo é completamente novo. Tudo é novo. Ele não compreende nada.

Mas ele sabe, no fundo, que o mundo lhe pertence. O mundo é dele. Todinho dele. E que nada nesse mundo é mais poderoso do que ele.

O dragão joga a cabeça para trás e ruge, um som profundo – a princípio suave, mas mais forte a cada segundo. Logo, ele sabe, ele seria forte o suficiente para destruir o mundo.

AGORA DISPONIVEL!

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UM GOVERNO DE RAINHAS

LIVRO 13 NA SÉRIE O ANEL DO FEITICEIRO

OU

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PACOTE O ANEL DO FEITICEIRO (LIVROS 13, 14, 15)

"O ANEL DO FEITICEIRO tem todos os ingredientes para um sucesso instantâneo: intrigas, conspirações, mistério, cavaleiros e relacionamentos repletos de corações partidos, traições e desilusões. Ele vai deixar você entretido por horas, e vai satisfazer públicos de todas as idades. Recomendado para a biblioteca permanente de todos os leitores do gênero de fantasia."

Books e Movie Reviews, Roberto Mattos

UM GOVERNO DE RAINHAS é o Livro nº13 da série best-seller O ANEL DO FEITICEIRO, que começa com EM BUSCA DE HERÓIS (Livro nº1).

Em UMA REGRA DE RAINHAS, Gwendolyn lidera o que ainda resta de sua nação em exílio enquanto eles navegam pelas terras hostis do Império. Refugiados pelo povo de Sandara, eles tentam se recuperar escondidos, construindo um novo lar à sombra de Volúsia.

Thor, determinado a resgatar Guwayne, continua a busca junto com seus irmãos da Legião do outro lado do oceano, dentro da enorme caverna que guardam a Terra dos Espíritos, enfrentando territórios e monstros inimagináveis.

Nas Ilhas do Sul, Alistair se sacrifica por Erec – mas uma reviravolta inesperada por acabar salvando ambos.

Darius arrisca tudo para salvar o amor de sua vida, mesmo que para isso ele tenha que encarar o Império sozinho. Mas ele acabará descobrindo que seu conflito com o Império está apenas começando. E Volúsia continua sua ascensão, após ter assassinado Romulus, consolidando-se como líder do Império e tornando-se a rainha impiedosa que sempre esteve destinada a ser.

O povo de Gwen conseguirá sobreviver? Guwayne será encontrado? Alistair e Erec irão sobreviver? Darius conseguirá resgatar Loti? Thorgrin e seus companheiros sairão desta vivos?

Com uma ambientação e construção de personagens sofisticada, UMA REGRA DE RAINHAS é um conto épico de amizades e amantes, rivais e pretendentes, cavaleiros e dragões, intrigas e maquinações políticas, do processo de tornar-se adulto, de corações partidos, de enganos, ambições e traições. É um conto de honra e coragem, de destino e magia. É uma fantasia que nos leva até um mundo que jamais esqueceremos, e que atrai leitores de todas as idades e gêneros.

"Prendeu minha atenção desde o início e não consegui soltar o livro… Essa estória é uma aventura incrível com um ótimo ritmo, recheada de ação desde o começo. Não há um único momento entediante."

– Paranormal Romance Guild {em relação a Transformada}
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Ouça a série O ANEL DO FEITICEIRO em áudio livro!

Livros de Morgan Rice

REIS E FEITICEIROS

A ASCENSÃO DOS DRAGÕES (Livro n 1)

A ASCENSÃO DOS BRAVOS (Livro n 2)

O ANEL DO FEITICEIRO

EM BUSCA DE HERÓIS (Livro n 1)

UMA MARCHA DE REIS (Livro n 2)

UM DESTINO DE DRAGÕES (Livro n 3)

UM GRITO DE HONRA (Livro n 4)

UM VOTO DE GLÓRIA (Livro n 5)

UMA CARGA DE VALOR (Livro n 6)

UM RITO DE ESPADAS (Livro n 7)

UM ESCUDO DE ARMAS (Livro n 8)

UM CÉU DE FEITIÇOS (Livro n 9)

UM MAR DE ESCUDOS (Livro n 10)

UM REINADO DE AÇO (Livro n 11)

UMA TERRA DE FOGO (Livro n 12)

UM GOVERNO DE RAINHAS (Livro n 13)

UM JURAMENTO DE IRMÃOS (Livro n 14)

UM SONHO DE MORTAIS (Livro n 15)

UM TORNEIO DE CAVALEIROS (Livro n 16)

O PRESENTE DA BATALHA (Livro n 17)

TRILOGIA DE SOBREVIVÊNCIA

ARENA UM: TRAFICANTES DE ESCRAVOS (Livro n 1)

ARENA DOIS (Livro n 2)

MEMÓRIAS DE UM VAMPIRO

TRANSFORMADA (Livro 1)

AMADA (Livro 2)

TRAÍDA (Livro 3)

DESTINADA (Livro 4)

DESEJADA (Livro 5)

COMPROMETIDA (Livro 6)

VOWED (Livro 7)

ENCONTRADA (Livro 8)

RESSUSCITADA (Livro 9)

COBIÇADA (Livro 10)

PREDESTINADA (Livro 11)

Sobre Morgan Rice

Morgan Rice é a autora do bestseller Nº1 de DIÁRIOS DE UM VAMPIRO, uma série destinada a jovens adultos composta por onze livros (em progresso); da série bestseller Nº1 TRILOGIA DE SOBREVIVÊNCIA, um thriller pós-apocalíptico composto por dois livros (em progresso); e da série bestseller Nº1 de fantasia épica O ANEL DO FEITICEIRO, composta por treze livros (e contando).

Os livros de Morgan estão disponíveis em áudio e versões impressas, e traduções dos livros estão disponíveis em alemão, francês, italiano, espanhol, português, japonês, chinês, sueco, holandês, turco, húngaro, eslovaco (e mais idiomas em breve).

TRANSFORMADA (Livro Nº1 da série Diários de um Vampiro), ARENA UM (Livro Nº1 da série Trilogia de Sobrevivência), EM BUSCA DE HERÓIS (Livro Nº1 da série O Anel do Feiticeiro), e A ASCENSÃO DOS DRAGÕES (Livro Nº 1 da série Reis e Feiticeiros) estão disponíveis gratuitamente!

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